(...) duzido em poesia e maravilhosamente caracteriza, exprime e revela esse fluir de emoção que é a essência da própria, poesia.

Abre novas portas para a sensibilidade do tempo, rasga janelas que enchem de luz a Europa, anuncia o homem moderno, o luso-tropical, e aos ciardes da nossa epopeia profetiza um mundo novo, o «mundo que o Português criou».

Dessa época da Renascença, em que tudo vibra em frémitos criadores, só Camões, sobranceiro príncipe de poetas, transpõe os séculos e vive em modernidade e em universalidade a sua exaltação épica.

Atestam-no singelamente, sem tormentos de exegese literária, as múltiplas edições de Os Lusíadas que se fizeram e continuam ainda a fazer-se em todos os continentes e em todas as línguas, do latim ao dinamarquês e sueco, do francês ao inglês e alemão, do polaco e do holandês ao chinês, ao russo, ao japonês.

E é de notar que é tal a força de irradiação do poema, que a primeira tradução aparece em espanhol, em 1580, lo go seguida por duas outras, também em espanhol e por espanhóis, em 1591 e 1595 - num período em que não se vê que convenha a Castela realçar aos olhos das suas gentes à fama dos feitos e das glórias dos Portugueses.

Mas, para além da opulência cultural do poema, que é imensa, inexaurível e rutilante, o que mais importa talvez sublinhar perante a Câmara é a sua característica de «documento da nação», de autêntico, «foral da nação», que se reveste de inestimável valor para a Pátria Portuguesa.

Nascido o Estado por decisão e vontade de alguns homens bons do Condado Portucalense, avivada a solidariedade das populações e alargado e fixado o território, aparecida uma língua própria em menos do um século decorrido da independência, agitam-se as primeiras aspirações colectivas e adquire-se a consciência de estar em marcha uma empresa comum; a crise de 1383-1385 manifesta e faz triunfar, o que hoje chamaríamos «sentimento nacional»; os Descobrimentos e a expansão, o co ntacto com novas gentes e o povoamento, de novas terras, ao serviço de Deus, criam o sentido de missão - e a Nação surge, afirma-se e resplandece.

Estreitam-se os laços de fraternidade humana: o mandamento é que, nas cinco partes do Mundo, cada homem, gentio, ou cristão, possa ver em cada português um semelhante:

Que por irmão te tenha e te conheça.

Dilatam-se os empreendimentos, os compromissos, as garantias. Arrisca-se a aventura. Difunde-se a língua. A nada se recusam ou poupam os Portugueses, a tudo se' atrevem mas

[...] nenhum grande trabalho os tira

Daquela Portuguesa alta excelência

De lealdade firme e obediência.

esencadear das paixões, provocam uma agitação e uma intranquilidade que, por vezes, paralisam o funcionamento normal da governação ou levam o governo do dia a tomar atitudes mais favoráveis ao interesse de facção do que ao interesse real do Estado.

Nos países em que a eleição se faz por intermédio de um colégio eleitoral, a oposição das ideias, a discussão das personalidades, o choque dos desacordos, decorrem em ambiente mais sereno e mais propicio n» trabalho regular da máquina do Estado.

Em Portugal, cujo território se compreende na Europa, na África, na Ásia e na Oceânia, não aparece adequada a eleição do Chefe do Estado por sufrágio directo: um colégio eleitoral, como o que a Constituição prescreve, traduz mais fielmente o diagrama das linhas de força do conjunto, dá uma imagem mais nítida da colectividade, é mais responsável - a representação da Nação é mais profunda e mais verdadeira.

Na eleição para a chefia do Estado, que se realizou no dia 25 de J ulho passado e em que a Câmara, como tal, participou, o colégio eleitoral era composto por 669 eleitores: foi eleito o Sr. Almirante Américo Tomás com 95,5 por cento de votos - o que representa praticamente uma unanimidade.

A Nação pela voz dos seus legítimos representantes confirmava a directriz da política a seguir e manifestava confiança absoluta na isenção, na inteireza, na fidelidade da personalidade escolhida e na sua entrega total aos deveres e às imposições do cargo.

O seu juramento perante a Assembleia Nacional e a Câmara Corporativa em sessão conjunta, sobretudo quando afirmou com veemência «sustentar e defender a integridade e a independência da Pátria Portuguesa», soou como uma certeza a que os factos haviam de obedecer - e todos nós sentimos que o juramento ligava os Portugueses numa causa comum.

Estávamos perante um chefe.

Mas estávamos também perante um homem, um português, simples, directo, verdadeiro.

A Câmara perdoar-me-á que destaque, na mensagem que o Chefe de Estado dirigiu à Nação em 9 de Agosto último estas palavras tão impregnadas de sinceridade e tão reveladoras de uma consciência límpida:

Continuarei fiel ao meu pendor para a bondade, sem hesitar no uso da firmeza, quando ela se torna necessária. E não olvidarei que a bondade não significa abdicação, nem a firmeza implica, necessariamente, violência.

Por mim, que creio firmemente que uma longa permanência na chefia do Estudo é uma condição de paz, de tranquilidade na ordem, no dizer de Santo Agostinho, a reeleição do Sr. Almirante Américo Tomás confirma-me na esperança de que Portugal está no caminho certo.

A Noção é uma exigência permanente - na tensão do esforço, na fidelidade aos objectivos, na constância do ideal.

A Câmara na Sessão transacta, teve sempre presente no seu espírito a situação no ultramar - e para ela sempre elevou o seu pensamento.