comummente reconhecida a tendência para a limitação do conhecimento ao sector escolhido, para valorar este com prejuízo dos demais, para ter, enfim, uma visão mais estreita ou mesmo deformada do conjunto da situação interessada. É o médico que tende a examinar o doente apenas sob o ângulo das doenças em que se especializou, é o próprio professor que se confessa apto somente para as matérias que professa e que só com relutância se debruça sobre as demais ou com displicência as refere.

O menos que pode dizer-se da especialização dos juizes é o que tem de reconhecer-se para a especialização em qualquer profissão tende para a polarização do conhecimento.

Na magistratura judicial essa tendência, se por um lado tornará o juiz mais apto na jurisdição que lhe cabe, por outro será susceptível de limitar, com prejuízo, a visão global da questão que lhe é posta e, mais genericamente, a sua inserção no todo do corpo social. As soluções não podem, para ser fundadas, considerar um só aspecto da problemática a resolver, mas todos os aspectos relevantes.

Ora, um dos aspectos a considerar no presente problema é o da especialização dos juizes, e quanto se expôs já conduz a concluir que se não pode aceitar sem reservas.

Outro aspecto será o pertinente às conveniências do serviço nos tribunais, encarado sob múltiplos aspectos, pessoais e orgânicos.

É geralmente sabido que o recrutamento dos magistrados não pode presentemente fazer-se com grandes exigências, acentuando-se até o desinteresse que a carreira judicial vem a suscitar desde há algumas décadas por parte de licenciados que poderiam valorizá-la.

De qualquer modo, a capacidade intelectiva do homem tem limites, que estão frequentemente em risco de ser ultrapassados na judicatura, ou até a serem realmente ultrapassados, a um lado, "mercê da [ .] variedade e complexidade das questões submetidas aos tribunais", como se reconhece no relatório da proposta de lei em apreciação, e, por outro prisma, em razão do volume de serviço que afecta a grande maioria dos tribunais, mesmo os superiores, e aflige os julgadores, inibindo-os, pelo esforço despendido, de fazer investigação ou até somente de cuidar da sua preparação conveniente e de a esta manter actualizada, nomeadamente em face do fluxo legislativo inovador que tem caracterizado os últimos dilatados tempos. Acresce a dificuldade em que se encontram para formar suficientes bibliotecas próprias.

A situação é torturante para muitos, e denuncia-se a si própria como inconveniente.

Ora, uma organização judiciária estruturada para acudir à crescente complexidade da vida social e do direito que a rege, ao apurado sentido humano ou económico de alguns sectores, ou ao tecnicismo que caracteriza outros, aponta para a especialização como antídoto para a inviabilidade de ter juizes omniscientes e de personalidade multiforme.

A especialização dos tribunais, como necessidade dos tempos presentes, é geralmente reconhecida, mesmo por aqueles que não olvidam a conveniência de uma formação dos juizes que seja unitária e completa.

Em Espanha, a Comisión General de Codificación e bem expressa quando, aludindo à especialização funcional dos órgãos de justiça, declara que "hoy puede calificarse de autentica necessidad".(6)

René Chazelle produziu também sobre o tema considerações muito realistas

Quelque som que l'on apporte à leur recrutement et quelque valeur qu'ils aient, les magistrats ne pourront utilement travailler que dans la limite de certaines possibilites. Or, il faut reconnaitre que Ia legislation de notre temps, dans beaucoup de domaines, a pris une telle ampleur, jointe à une telle complexité, que le juge ne peut assimiler la somme de savoír correspondente.

La spécialisation, cependant, n'est pas un ideal vers lequel on doit tendre. Elle presente, au regard des avantages, bien des encovénients corrélatifs. Et je conçois que l'on puisse regretter le magistrat humaniste d'antan comme l'on regrette le médecin de famille, cette autre figure du passé.

J'ai voulu simplement souligner le caractère impérieux autant qu'inéluctable de la spécialisation, ce "mal nécessaire" qu'il vaut mieux regarder en face, ne serait-ce que pour mieux en contrôler la divagation et en dinger les effets.(7)

O julgador que se especializa familiariza-se com o ramo de direito escolhido, que se lhe torna mais conhecido e mais fácil Produzirá, nesse ramo, mais e melhor.

Assim, de modo mais eficaz se defrontara o crescente volume de serviço, sem recorrer ao recrutamento, muito difícil, de mais juizes, e se alcançará desejável melhoria de qualidade das decisões.

São vantagens que se não devem menosprezar, antes merecem realce. O esforço de coligir as melhores razões a favor e contra a especialização judiciária levou-nos, até este ponto, a admitir que se esta, por um lado, justifica reservas, fundadas no menor ângulo de visão dos problemas que é susceptível de proporcionar e até numa certa e inconveniente deformação profissional, por outro, constituirá o caminho mais indicado para opor a natural limitação de capacidade dos homens à crescente vastidão e complexidade das questões que são postas à apreciação e decisão dos julgadores, e será ainda o meio de legitimar a esperança em sentenças mais sábias.

Mas o problema não fica esgotado com tais conclusões.

O fomento da especialização dos juizes permite que marcadas tendências da personalidade se realizem ou afirmem, se definam ou aperfeiçoem.

Porém, diferenciar os juizes em função dos tribunais ou secções especializados em que vão servir, ainda que estimulando tendências naturais do seu espírito ou da sua personalidade, sem lhes assegurar uma carreira profissional no mesmo ramo do conhecimento, será lançar sobre o benefício o risco de um prejuízo maior. Quando se opera a deslocação do juiz "espe-