na alçada da lei a equipa médica responsável pela intervenção que é inerente à recolha do órgão e à sua transplantação?
Se a ideia ou intenção fundamental do direito se compreende pela realização de uma «sociedade justa», com a constituição de um estatuto que assuma o justo equilíbrio dos valores em causa e comunitariamente reconhecidos, resulta, para o presente caso, que se trata, antes de mais, de ponderar a relação entre dois valores ou conjuntos de valores que para a ordem jurídico-social são igualmente valiosos a dignidade ética, a vida, a integridade fisica e a saúde tanto do dador como do receptor.
Relação que terá de ser vista integrada de um outro elemento - o médico agente da intervenção cirúrgica -, o qual nessa actuação mediadora e chamado a cumprir uma função específica, sob os pontos de vista cientifico e humano, de que lhe resulta uma responsabilidade muito particular.
Os dois referidos valores ou conjunto de valores e a outra função actuada por um terceiro, são, pois, as coordenadas do problema jurídico e no quadro das quais ele terá de ser ponderado.
O problema em análise tem de próprio o pretender-se o sacrifício de algo que não está vinculado com o elemento beneficiário por qualquer daquelas situações limite de necessidade levanta-se aqui, antes, a hipótese de um sacrifício deliberado ou de um sacrifício em dádiva, a favor de outrem, e não imposto pela necessidade.
Por isto não pode o direito medir a validade deste sacrifício em dádiva nos mesmos termos em que mede o sacrifício em necessidade.
b) A finalidade da disposição, que se repercute também na sua própria validade quanto ao objecto,
c) A autonomia, absoluta ou relativa, da disposição,
d) Os termos formais e as circunstâncias da disposição,
e) Os efeitos da disposição, desde logo não podendo traduzir um presumível sacrifício da personalidade, da vida e da saúde normal do dador.
Quanto ao receptor, haverá também aspectos correspondentes - objecto, finalidade, autonomia, termos e circunstâncias, e efeitos -, mas olhados agora sob o ângulo da aceitação, isto é, do benefício que resulta da doação.
Relativamente ao terceiro funcionalmente intermediário (o médico operador), devera exigir-se-lhe não só o respeito de todas as condições atras referidas para o dador e o receptor, como ainda submetê-lo à responsabilidade medica em geral (leges artis, deontologia, etc.) e impor-lhe que a finalidade do acto operatório seja exclusivamente terapêutica.
A posição qualificada do médico no desempenho de uma função que lhe é própria impõe-lhe ainda um outro dever particular o de concorrer com um esclarecimento cientificamente correcto e completo para que nos elementos pessoais da relação (dador e receptor) se verifiquem as condições de validade axiológico-jurídica da doação e da aceitação, especialmente a autêntica e autónoma disposição. Isto não se verificara se houver deficiente esclarecimento dos efeitos (riscos, fins, probabilidades de êxito, etc.).
A falta de cumprimento, pelo médico, da condição que lhe impõe uma intervenção com fim exclusivamente terapêutico e, bem assim, da outra que o obriga ao esclarecimento do dador dos efeitos da operação deverá implicar a absoluta ilicitude da intervenção, por ofensa à dignidade ética tanto do dador como do receptor. O que só por isso sujeitará o médico a responsabilidade penal.
Por sua vez, a não observância das condições atrás referidas e que dizem respeito ao dador e ao receptor e, bem assim, o incurso em responsabilidade médica, por ofensa das leges artis, devem resultar não só em responsabilidade penal (homicídio, ofensa corporal, atentado contra a liberdade, etc.), como também em responsabilidade civil.
A violação de normas deontológicas e a omissão do dever de esclarecimento completo do dador trazem ainda, para o médico, responsabilidade disciplinar.
A posição dominante da jurisprudência orienta-se para considerar o acto, objectivamente, como uma ofensa corporal, ou homicídio (caso resulte a morte), isto e, entende que os respectivos tipos legais de crimes são preenchidos, o que implica a exigência de uma causa justificativa, que seria o consentimento do ofendido