dirigiram para a minha pessoa as preferências dos eleitores. Mas, seja como for, bem ou mal, VV. Ex ª designaram-me Presidente da Câmara - e a mim cumpre-me, antes de mais, respeitar a escolha, acertando-a. Emocionadamente agradeço o vosso gesto, com a promessa solene de tudo fazer em defesa do alto e consolidado prestígio da Câmara Corporativa, obtido ao longo de quarenta anos. Ele traduz o labor e a dedicação indefectíveis, em legislaturas sucessivas, de inumeráveis Procuradores das autarquias, dos mesteres e das instituições morais e culturais do País, sob a presidência, uma após outra, de individualidades tão destacadas como foram, entre os já desaparecidos, o general Eduardo Marques e o Doutor Fezas Vital, e, entre os felizmente vivos, o Doutor José Gabriel Pinto Coelho, o Doutor Marcelo Caetano, o Doutor Costa Leite (Lumbrales) e, por último, o Dr. Luís Supico Pinto, a quem me cabe agora inesperadamente suceder.

Inesperadamente, sem dúvida, porque não conhecia nem futurava o seu insuspeitado desejo e a sua escondida decisão de se escusar, nesta XI Legislatura, do exercício das funções de Procurador e de se furtar, portanto, a uma, posto que sempre eventual, mais do que previsível reeleição para a presidência da nossa assembleia.

Mais do que previsível, digo bem. Poucas vezes trabalhei na Câmara sob a sua orientação - as suficientes, todavia, para ter alcançado o convencimento de que Supico Pinto era uma personalidade talhada para estas melindrosas funções, em que se requer tacto, sentido da medida, prestígio, autoridade, estudo, ponderação e lealdade.

Vozes: - Muito bem!

O Sr Presidente: - Aliás, de todos os lados, antes e depois da minha primeira passagem pela Câmara, recebi sempre confirmação do meu pessoal apreço pelas suas qualidades raras para o desempenho da missão difícil de orientar reuniões de trabalho e de estudo nesta Casa. Acrescentando-se a distinção, a nobreza e a elegância do porte, o trato fino e a contenção que diria diplomática -notas também marcantes que sobressaem mequivocamente da sua personalidade -, como não se haveria de ver nele o Presidente natural enquanto se mantivesse como membro da Câmara Corporativa?

Razões muito ponderosas da vida particular levaram o Dr. Supico Pinto a deixar de pertencer à Câmara, na presente legislatura, abrindo-se assim a vaga da sua presidência. A vaga de uma presidência encaminhada para os vinte anos.

É em tais circunstâncias que sou elevado por VV. Ex.ª a tão alta dignidade, mercê de enorme condescendência na apreciação e julgamento dos meus predicados. A honra que me conferiram espero corresponder com uma dedicação sem limites aos deveres do cargo, na plena consciência das responsabilidades para com uma instituição que representa no quadro das nossas estruturas constitucionais uma peça que vem adquirindo cada vez maior relevância. Estou seguro de que interpreto também os sentimentos dos Srs. Vice-Presidentes e Secretários da Mesa.

Se na feitura das leis e decretos-leis, no processo de aprovação das convenções ou tratados internacionais para ratificação e no do exercício do poder

regulamentar do Governo a índole da colaboração da Câmara Corporativa não mudou formalmente desde os primórdios, a verdade é que se tem assistido, sobretudo nos últimos anos, a um acréscimo sensível dessas actividades, em consonância com o incremento da intervenção da Assembleia Nacional na função legislativa e com a política do Governo de a consultar mais frequentemente a propósito da sua própria acção nesse mesmo campo Por outro lado, não pode ser esquecido o p apel que desde 1959 lhe cabe, em virtude de os respectivos membros se integrarem no colégio eleitoral incumbido da eleição do Chefe do Estado.

Ao intervir na feitura das leis, na aprovação dos tratados e ainda na eleição do Presidente da República, a Câmara Corporativa, em representação dos elementos estruturais da Nação, participa na política, assim como participa na administração geral, pela via do exercício da sua competência consultiva em matéria de preparação de regulamentos do Governo.

Reportando-me à intervenção da Câmara Corporativa na produção das normas jurídicas estaduais primárias e secundárias do nosso ordenamento, não deixarei de sublinhar quanto essa intervenção significa no processo de criação de uma disciplina normativa mais aderente às necessidades públicas a satisfazer, incluindo a da justa composição, em abstracto, dos conflitos de interesses configurados como susceptíveis de se verificarem na comunidade, e a da adequada prevenção e repres são da criminalidade. Repare-se, a propósito, que praticamos neste campo, desde há décadas, e ultimamente em ritmo crescente, um processo participacionista avant-la-lettre, cuja legitimidade e cuja imperiosidade vêm sendo progressivamente reconhecidas noutros sistemas.

Se, ao nível da organização constitucional, a República Portuguesa se pode afirmar corporativa (artigo 5.º da Constituição Política), ela é-o sobretudo pelo facto de a criação da ordem jurídica, nos escalões superiores, traduzir uma criação «participada». Espera-se mesmo -e estes representam seguramente os votos da Câmara-que se estenda a sua intervenção a sectores sempre mais amplos da actividade legiferante e regulamentar do Governo.

De resto, se a Câmara houvesse de se confinar a uma acção com a amplitude e o relevo da que desenvolveu na precedente legislatura, já se teria atingido uma altíssima concretização dos referidos princípios Uma legislatura na qual se discutiram e apreciaram, em pareceres notáveis, propostas e projectos respeitantes à Lei da Liberdade Religiosa, à Lei da Imprensa, à Revisão Constitucional, à Lei Orgânica do Ultramar, à Assistência Judiciária, ao Registo Nacional de Identificação, à Reforma Judiciária, ao Sistema Educativo, à Reforma Penal e ao IV Plano de Fomento - para só recordar alguns exemplos-, ficará indubitavelmente assinalada em letras de ouro nos anais da Câmara como porventura a mais importante de toda a sua história Bem se pode reconhecer que a Câmara Corporativa esteve à altura da missão que lhe pertence e que ocupou devidamente o seu lugar na obra de actualização das estruturas do Regime. Esta actualização, se no passado nunca deixou de se fazer, assumiu na última meia dúzia de anos um ritmo e uma profundeza que a ninguém passam despercebidos.