balhos e porfias, imprevistos e façanhas sofridos que não invejam os esforços, penas e consequências das restantes culturas físicas.

D João I, rei de Portugal, no magnifico Livro da Montaria, publicado pela Academia das Ciências, Coimbra, 1918 (PP 3 e seguintes), dando-a como proveitosa e de inultrapassável bondade pelas suas manhas, compara-a aos demais jogos, exercícios e distracções para os suplantar.

Compara-a ao xadrez e a outros jogos de tabuleiro, à péla, à dança, à música, aos exercícios de salto e luta, ás corridas e estafetas, ao arremesso de lanças, ao exercício de braço, facha e espada, às festas e torneios.

Por fim procura demonstrar que «o jogo de andar ao monte he melhor que todollos outros joguos para recrear o entendei, e também a correger o feito darmas, mais que todollos outros que pera isto foram aleuantados» (p 15).

E acrescentava « o jogo de andar ao monte quarda o feito das armas por que se nom perca» (p 21)

3.º Adestramento militar

A caça sempre foi concebida como um preparatório da arte militar e uma inclinação pelo exercício das armas.

Mestre André Resende, na Vida do Infante D Duarte (Academia Real das Ciências, edição de 1789, p 21), conta que este, respondendo á observação de um censor que o admoestava de seus exageros, nos termos seguintes afirmara.

Ó N mal poderão os homens sofrer o exercício militar, quando a honra e necessidade os constranger, se desde mocidade senão avezarem ao cansaço, vigilia, calma, e frio, este laborioso exercício da caça e montaria he huma imagem da vida militar, e quasi sombra da guerra em tempo de paz, com que os membros enrijecem e se fazem habiles para soster o pezo das armas, e não desmayarem quando nos trabalhos militares se acharem.

4.º Descontracção e alívio de pesares

Outros fazem avultar os seus efeitos psicológicos de distracção saudável, pondo em evidência as benéficas consequências temperamentais.

É assim que o mais famoso dos nossos escritores de voltaria em altura, Diogo Fernandes Ferreira, moço da câmara de el-rei, por duas vezes o salienta na sua Arte da Caça de Altaneria (edição de 1899, I, p 24, e II, p 142).

Sobre o exercício da caça escreve primeiro.

É alivio de cuidados pesados, mãe de altos pensamentos, é finalmente um toque no qual se conhece o para quanto cada pessoa seja.

E quase no fim do seu volume de dois tomos.

E assim os senhores a esta arte afeiçoados são liberais, cheios de grandes e altos pensamentos.

5.º Fonte de abastecimento alimentar.

Mas é mais faz parte da mesa bem provida e sem desdenhar os pobres.

Encontramo-nos ainda num diverso plano -o nosso - em que a exploração da terra e a alimentação das grandes massas se surpreendem ainda distanciadas sem haver um esforço construtivo pronunciado e capaz de unir os dois sectores numa perfeita intimidade.

Alimento imemorial, regalo dos culinárias, primor das mesas, a caça, quando em abundância, facilita o abastecimento e consumo e melhora-o qualitativamente.

Os mercados citadinos e provincianos encontravam-se dantes, nas épocas de licença, perfeitamente abastecidos, o que agora já não sucede.

Os excedentes dos coutos, as colheitas dos angariadores, a actividade dos profissionais, lograva fornecer quantidades suficientes aos mercados das vilas e cidades.

Está-se, porém, evoluindo da abundância dos mercados para a escassez, para a raridade e, como consequência, paia os preços inabordáveis, na altura.

O que dantes era frequente na maioria das cozinhas e comedoiros começa a ver-se, donde em onde, como se fruto exótico ou manjar precioso fosse apenas. Os grandes mercados falham ou contraem e, em cidades enormes como Lisboa, apenas algumas lojinhas respondem em último caso à procura crescente.

Entrou-se numa fase desoladora de preciosidade recôndita e inacessível. E nem tudo se pode atribuir aos efeitos destrutivos da mixomatose nos coelhos e as exportações quantiosas para a Itália.

Também a absorção de peças pelos hotéis e restaurantes não pode abonar um tão demorado eclipse.

Os mestres antigos da culinária portuguesa dispunham sempre de caça brava para as suas confecções e para suprir faltas e esquecimentos.

São inúmeras as receitas, a começar em mestre Domingos Rodriguez, cozinheiro do conde de Vimioso - Arte de Cozinha, Lisboa, 1688 -, embora o engenho se afinasse sempre em suprir as faltas.

Os problemas da alimentação estão na ordem do dia, clamam pela intervenção do legislador e dos governos, não só em cada país como em todo o Mundo.

A importância das proteínas nas dietas, a coordenação dos resultados da exploração da terra com a nutrição pública, a qualidade dos alimentos, as tendências irremovíveis do gosto do consumidor, os práticas tradicionais da culinária portuguesa, acentuam e conservam como vital uma política alimentar, onde a caça brava não abdica da larga posição consagrada na história.

A economia geral deseja manobrai com excedentes seguios, perante o crescimento demográfico, e considera menos natural uma evolução regressiva.

Mas os próprios caçadores, imbuídos tantas vezes de desdém ou de desconhecimento, contribuem para o extermínio da caça e aí se encontram com os seus inimigos de toda a espécie.

6.º O extermínio

Como que movidos por sanha ancestral, criou-se nos profissionais e nalguns atuadores um estado de espírito destruidor, um estado de nada deixar, que não corresponde os tradições que eram brasão, de que o verdadeiro caçador caça por desfastio, e não por ambição.

Concelho e região onde apareçam certas linhas de atiradores, a caça desaparece durante anos e anos, em holocausto ia prosápia de algumas espingardas em rivalidade.

Este estado é contrário a todos e merece combate.

E por igual o merecem as práticas [...] dos envenenadores, das associações de furtivos e dos destruidores de ovos e ninhadas.