Trata-se de um contrato que, não obstante as características próprias resultantes da sua particular finalidade, se aproxima substancialmente do contrato de locação de imóveis rústicos.

O objecto do contrato são os terrenos. Poderá objectar-se que o exercício da caça conferido ao arrendatário tem por objecto os animais bravios, os quais não são considerados frutos do terreno reservado, mas constituem res nullius, que passam à propriedade do primeiro ocupante.

Tal objecção é exacta, mas não poderá esquecer-se que para exercer a caça é necessário Ter o gozo do terreno no qual vivem os animais bravios, introduzindo-se nele, percorrendo-o e adaptando-o, se necessário, às necessidades da caça, de modo que o exercício da caça está ligado intimamente ao terreno. Assim, o arrendatário da reserva deve ter o gozo e posse do terreno reservado, ainda que somente para o fim de exercer a caça Trata-se de um uso limitado, é certo, mas sempre implica o gozo de terrenos alheios.

Ao argumento de que o objecto do arrendamento não são os terrenos, mas a reserva, deverá responder-se que esta não é outra coisa senão um complexo de terrenos reservados para caça em benefício do titular da reserva» (85)

A estes contratos de caça já esta Câmara teve ocasião de se referir ao apreciar o projecto de proposta de lei sobre o arrendamento da propriedade rústica

Escreveu-se então

A alínea c) da base XXIV refere-se, para efeitos do regime novo, aos contratos de caça e pesca.

O Governo deve querer referir-se aos contratos de cedência temporária, e mediante certa retribuição, do direito de caçar e pescar em terrenos coutados, já que nos terrenos livres não existem direitos exclusivos transmissíveis por contrato, ao contrário do que sucede na generalidade das legislações estrangeiras.

Parece de toda a evidência que a concessão de tais direitos não importa o arrendamento do prédio, sobretudo se se aceita o conceito de arrendamento agrícola expresso na primeira base proposta por esta Câmara.

Os contratos de caça são, mais rigorosamente, contratos inominados, sui generis, a que se aplicam, por analogia, as disposições do arrendamento ou da compra e venda. Mas que sejam havidos como contratos de arrendamento, eles não têm por objecto o prédio rústico em si, mas um direito sobre o prédio, e, portanto, não se podem confundir com os arrendamentos agrícolas. (86)

Ao ti atar do objecto do arrendamento e do aluguer, referem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela.

Apesar de a lei falar somente em coisas moveis e imóveis, parece, pelo menos em certos casos, que também os direitos sobre essas coisas podem ser objecto de aluguer ou de arrendamento. Está, por exemplo, nestes casos, o traspasse do direito de caçar num certo couto, o traspasse do direito de colher durante certo tempo a cortiça produzida numa herdade, mediante uma retribuição certa Dever-se-ia falar, portanto, em coisas mobiliárias e imobiliárias. (87)

Em suma de tudo o que fica exposto, afigura-se lícito falar de arrendamento de uma reserva de caça, conquanto devam ter-se sempre presentes as particularidades próprias. (88) Atendendo a todas as considerações atrás feitas sobre a matéria relativa ao regime das reservas particulares de caça, sugere-se que as bases do projecto de proposta de lei que lhe respeitam sejam substituídas por estas outras, além da base XXVI, já proposta (n.º 46)

BASE XXVII

1 Podarão requerer a concessão do reservas ou coutadas de caça O proprietário dos terrenos, bem como o usufrutuário, o enfiteuta, ou o arrendatário com o consentimento daqueles, individualmente ou em grupo,

b) As comissões venatórias concelhias, desde que provem o consentimento das pessoas indicadas na alínea anterior,

c) As associações, de caçadores legalmente constituídas, em conjunto com as pessoas designadas na alínea a), ou com o seu consentimento,

d) As câmaras municipais e as juntas de freguesia, quanto aos terrenos por si administrados, e os órgãos de administração com competência em matéria de turismo a que se refere a base V da Lei n.º 2082, de 4 de Junho de 1956, nas condições referidas na alínea b)

2 Cada reserva de caça poderá ser constituída por terrenos de uma só pessoa ou de várias, nos termos da alínea a) do número anterior.

3 Os terrenos das reservas de caça consideram-se submetidos ao regime florestal parcial, de harmonia com as suas características, sem sujeição ao limite fixado no § 1º do artigo 42º do Decreto n.º 39 931, de 24 de Novembro de 1954, tratando-se de terrenos do feição predominantemente agrícola.

BASE XXVIII

1 Na concessão de reservas de caça dar-se-á preferência pela seguinte ordem Aos pedidos que respeitem a terrenos que beneficiem da declaração de interesse turístico cinegético,

b) Aos pedidos que respeitem a terrenos que não tenham aptidão ou com aptidão reduzida para a exploração agrícola ou florestal,

(85) Ob eit, p 480

(86) Citado parecer da Câmara Corporativa (in Pareceres da Câmara Corporativa, VII Legislatura, vol. I, p 876)

(88) No contrato de arrendamento do prédios rústicos poderá pôr-se o problema do saber se o gozo do prédio inclui o direito de caça.

Cloro que, se não há reserva constituída, o problema não se põe, visto que, sendo a caça res nullius, o arrendatário pode, como qualquer outro cidadão, exercer o direito de caça nos terrenos arrendados.

Se há reserva de caça constituída, o problema é de interpretação da vontade das partes, a resolver em face do contrato ou dos usos da terra, nos termos gerais do artigo 704 º do Código Civil, não se esquecendo que o arrendatário pode servir-se do prédio «tão-sòmente para uso convencionado ou conforme com a sua natureza», aos termos do Decreto n.º 5411, artigo 22º, n.º 3 [cf o citado parecer da Câmara Corporativa, 55, e Car raia, I Contratti Agrari, 277 (4ª edição)]