de Justiça, de 5 de Maio de 1950, que por modo definitivo acabou com a divergência jurisprudencial, firmando a regra de que sem recurso penal, embora só interposto pelo réu, pode o tribunal agravar a pena»9

E tem certamente interesse conhecer o pensamento do nosso mais alto Tribunal, que conduziu à fixação daquela doutrina, para o que seguidamente se transcreve a parte do assento onde se contém a respectiva fundamentação.

Nos termos dos artigos 53.º e 56 º, alínea b) n.º 1.º, do Estatuto Judiciário, e 36.º, n.º 1.º, e 37.º, n.º 1.º, do Código de Processo Penal, é da competência dos tribunais superiores conhecer, por meio de recurso, das decisões proferidas pelos tribunais que hierarquicamente lhes estão subordinados.

Nenhum preceito, porém, do Código de Processo Penal e legislação complementar refere expressamente qual deva ser a extensão da apreciação jurisdicional, pelo tribunal superior, da decisão recorrida. Por isso, essa extensão há-de determinar-se em função dos princípios gerais que dominam e orientam o processo penal.

O carácter público do direito que através do processo penal se realiza - o direito punitivo do Estado - impõe que os tribunais superiores possam aplicar livremente as sanções que julgarem adequadas, nos casos sujeitos a sua apreciação, pois só assim aquele direito do Estado alcançará plena realização.

Não obsta a este entendimento o n.º 2.º do § 3.º do artigo 647.º do Código de Processo Penal, visto esta disposição fixar regras de legitimidade para recorrer, e não um limite de âmbito de cognição, em recurso, das decisões judiciais a amplitude desta cognição referem-se os artigos 663.º, 665.º e 666.º do Código citado, nos quais não se encontra qualquer limite ao amplo poder dos tribunais de exercerem a sua acção por forma a que justiça se faça e a lei se cumpra.

E também o artigo 649.º daquele Código, embora mande processar e julgar os recursos penais como os agravos cíveis, nada preceitua sobre a extensão do objecto dos mesmos recursos. Aliás, estas limitações não se compreenderiam, desde que o § 2.º do artigo 447.º manda tomar sempre em consideração as agravantes da reincidência e da sucessão, ainda que não tenham sido alegadas.

De notar é também que a faculdade de os réus recorrentes limitarem o objecto dos recursos - uma das formas pelas quais viria a ficar praticamente limitado o poder de aprec iação dos tribunais superiores - contraria, evidentemente, o fim que se pretende atingir através do processo penal, ou seja a aplicação da sanção justa ao que delinquiu.

Desta forma, na falta de preceito expresso nesse sentido, não pode aquela faculdade ser reconhecida em processo penal, sem embargo de ser admitida pelo Código de Processo Civil - artigo 685.º -, pois é manifesto que os preceitos deste Código, apesar de subsidiários em processo penal, só são aplicáveis a esta forma de processo na medida em que o seu uso não for de encontro a natureza dele, processo penal.

Salienta-se ainda que o princípio da unidade ou incindibilidade das decisões penais influencia diversas disposições do processo penal, designadamente o artigo 663.º, segundo o qual, sempre que haja diversos réus, os tribunais superiores devem conhecer da cousa em relação a todos, ainda mesmo que o recurso tenha sido interposto somente por algum deles, princípio que, enquanto favorece a tese da possibilidade de agravamento da pena ao réu - mesmo quando seja o único recorrente -, repele o da impossibilidade.

Na verdade, se nas condições referidas fosse vedado aos tribunais agravar a pena, estavam estes, praticamente, inibidos de apreciar a decisão recorrida, em toda a sua extensão - pois seria irrelevante toda a apreciação que não tivesse por fim confirmar-se ou atenuar-se a pena. Isto podia conduzir, atento o imperativo preceito do artigo 663.º, a este resultado absurdo os tribunais não podiam agravar a pena do réu recorrente, mas podiam agravar as dos réus não recorrentes.

Acentua-se, por fim, que a norma do artigo 667.º do Código de Processo Penal não é incompatível com a regra da ampla cognição dos tribunais superiores, visto tratar-se de norma, não relativa ao âmbito de cognição, mas permissiva da modificação pelos tribunais do objecto da acção penal. Aquela regra é a paralela dos artigos 447.º e 448.º do mesmo Código, referente aos tribunais de 1.ª ins tância, que, pelo facto da sua existência, não deixa de ter o poder de ampla cognição10 Por força do assento que se tem vindo a referir, a reformatio in pejus passou a ser admitida sem possibilidade de discrepância no direito processual criminal comum.

Contudo, no processo criminal militar, não atingido pela eficácia daquele assento, continuou de pé a proibição da reformatio, expressamente consagrada no artigo 532.º do Código de Justiça Militar, de 26 de Novembro de 1925.

Esta desconformidade com o processo comum veio a desaparecer, todavia, em 1965, com o Decreto-Lei n.º 46 206, de 27 de Fevereiro daquele ano, norteado pela ideia de reestruturar o direito criminal militar e o respectivo processo, por forma a actualizá-los em alguns pontos e a aproximá-los do regime geral.

Ficou então também expressamente admitida no foro militar a reformatio in pejus e, deste modo, em todo o processo criminal português.

Eis descrita, em traços muito ligeiros, a tendência da legislação nacional, manifestamente favorável à reformatio11

§ 3.º A «reformatio in pejus» nalgumas legislações estrangeiras Também o recurso ao direito comparado é susceptível de fornecer indicações ou ensinamentos úteis, para que possamos orientar-nos na busca da melhor solução para o

9 São os seguintes os nomes dos juízes conselheiros que subscreveram a decisão A. de Magalhães Barros (relator), Rocha Ferreira, Pedro de Albuquerque, Mário de Vasconcelos, Álvaro Ponces, Lencastre da Veiga, Jaime de Almeida Ribeiro, Bordalo e Sá, A. Bártolo, Campelo de Andrade, Raul Duque, A da Cruz Alvura, Roberto Martins, J. de Abreu Coutinho e Artur A. Ribeiro (os últimos quatro com voto de vencido).

10 In Boletim do Ministério da Justiça n.º 19, pp. 141-143

11 Se o Assento de 1950 revela o pensamento do Poder Judicial, a reforma operada recentemente no processo militar traduz igualmente uma certa posição do Poder Executivo, por sinal, aquele e esta coincidentes.