tema inconveniente que vigorou anteriormente ao assento de 1950, resultante de se considerar obrigatório o recurso do Ministério Público, a fim de evitar dúvidas sobre se os tribunais superiores podiam ou não agravar a pena, quando só o réu tivesse recorrido (oficio n.º 17 da Procuradoria-Geral da República, de 18 de Janeiro de 1987). E não se diga que tal determinação representaria uma fraude à lei, justamente porque as partes são livres de interpor ou não os recursos de acordo com os interesses que têm a defender, sobretudo quando tais interesses são de carácter geral, como é o caso daqueles cuja defesa incumbe ao Ministério Público. Será então possível encontrar um substitutivo para o recurso subordinado, que evite os inconvenientes apontados - mas assegure por forma efectiva, em certos termos, a proibição da reformatio - e sirva ao mesmo tempo os propósitos que estão na base da ideia de tal recurso, tal como do recurso "incidental" do direito italiano?

A resposta a esta interrogação obriga a algumas considerações sobre a estrutura do Ministério Público no nosso país. Coisa que bem se compreende, dada a interdependência que se verifica com a organização judiciam e o processo, seja cível ou penal.

Em vários países a magistratura do Ministério Público constitui uma carreira paralela e autónoma, mas com carácter vitalício, em relação à magistratura judicial, dispondo os magistrados da primeira de regalias equivalentes às dos da Segunda. Aquela permanência na função possibilita uma eficiência capaz.

Entre nós, como se sabe, as coisas passam-se de modo diferente.

A magistratura do o à magistratura do Ministério Público, que é essencialmente uma magistratura de acção, enfrentar as difíceis tarefas que lhe estão confiadas na luta contra o crime e na tutela de outros interesses públicos da maior relevância e melindre.

Mas é inegável que lhe falta, de um modo geral, na 1.º instância, justamente no escalão mais baixo e mais amplo, uma experiência e uma preparação profissional inteiramente satisfatórias55

Daí, sobretudo, que a lei admita uma série de intervenções dos magistrados dos escalões superiores - ajudantes e procuradores da República - relativamente à actuação dos delegados no sentido da sua orientação e de reparação de lapsos cometidos (ver artigos 225.º alíneas b) e e), 227.º, alíneas a), b), d) e c), do Estatuto Judiciário, artigos 23.º, 26.º, 27.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 35 007, de 13 de Outubro de 1945, e artigo 20.º, § 1.º, do Decreto-Lei n.º 35 042, de 20 de Outubro de 1945) já que, em rigor, a sociedade não pode estar segura da defesa dos seus interesses sem essa intervenção sistemática dos superiores hierárquicos.54

Ora são precisamente as considerações que acabam de ser feitas que sugerem e apoiam uma outra solução em substituição da do recurso subordinado.

Consistirá ela em conceder aos representantes do Ministério Público junto das Relações (procuradores da República) a possibilidade de integrarem a falta de recurso dos delegados seus subordinados nos processos que sobem a 2.ª instância por virtude de recurso interposto somente pelo réu.

Assim, se o procurador da República verifica, na altura do visto inicial e obrigatório do processo, que há razões para agravar a pena imposta na decisão recorrida, ele pronunciar-se-á expressamente nesse sentido, valendo tal atitude como recurso para o efeito de o tribunal superior poder operar eventual agravação.

E, a fim de assegurar o principio do contraditório, concedendo ao réu recorrente possibilidades de defesa, ser-lhe-á dada a faculdade de responder ao parecer do representante do Ministério Público.

Por esta forma, não só se consegue uma maior eficiência na actuação do Ministério Público e, através dela, uma melhor tutela do interesse público, como se liberta o réu e os tribunais superiores de sistemáticos recursos subordinados interpostos pelos delegados do procurador da República, quantas vezes infundados, com o inconveniente de cortarem cerce a proibição da reformatio.

Já quanto aos procuradores da República, que são magistrados experientes e qualificados a, e exerceram já a função de julgar (assim sucede, em regra) é de esperar que eles peçam a agravação da pena somente nos casos em que razoavelmente se justifique. E só quem desconhece a vida forense poderá duvidar de que assim acontecerá, como hoje já acontece. Não raro até, em lugar de pedirem a agravação da pena, pronunciam-se em sentido favorável ao réu. E essa é a sua verdadeira função, já que ao Estado não interessa menos a absolvição de um inocente do que a condenação dos culpados.

Naqueles casos em que o recurso sobe directamente da 1.ª instância ao Supremo Tribunal de Justiça sem passar

55 Fazem excepção os ajudantes do procurador da República, os quais, todavia, só existem nas sedes dos círculos judiciais ou nas procuradorias da República.

À apontada falta de experiência e preparação profissional acresce, por vezes, uma espécie de temor reverencial em relação aos juízes junto doe quais servem - magistrados mais velhos, experientes e sabedores, cujas opiniões são escutadas com respeito e acatamento.

56 Sucede ainda que, desde alguns anos a esta parte, se vive uma crise na magistratura do Ministério Público, proveniente da redução do número de licenciados interessados em ingressar nela ou em nela permanecer e da saída temporária de magistrados para prestarem serviço militar na metrópole e no ultramar (estes, actualmente, em número de 29) Destes factores resulta haver, presentemente, 17 comarcas vagas e estarem providas 64 comarcas com delegados interinos, que são, na maior parte dos casos, simples licenciados sem qualquer experiência profissional.

E a crise a que nos referimos é certamente maior na magistratura ultramarina.

57 Em face da maior eficiência do Ministério Público na 2.ª instância, já é possível admitir a proibição da reformatio em termos amplos, no recurso para o Supremo. Quer dizer, se o representante do Ministério Público junto da Relação quiser afastar a proibição em recurso a interpor pelo réu para o Supremo, terá de recorrer directamente, não se permitindo que o magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal - aliás, com a mesma categoria - possa reparar a omissão de recurso cometida por aquele magistrado.