este, de questionável ortodoxia constitucional - comportamentos que transformam o núcleo do debate político numa disputa de competências, em vez de o deixar ser, como deveria, selecção, decisão e check-up de conteúdos práticos de direcção política e alta administração.

Por outro lado, a verdade é que, se o Governo fosse maioritário, a violação da competência da Assembleia em que proventura ele incorresse teria mais o carácter de uma mera violação formal das regras da divisão de trabalho entre órgãos constitucionais, de violação formal das regras da publicidade do trabalho legislativo e da garantia constitucional, do que propriamente o carácter de violação material da regra da maioria como fundamento permanente e actual das decisões em democracia. Quer dizer: se o Governo fosse maioritário e tivesse procedido da forma como procedeu, haveria apenas uma violação formal da Constituição. Assim, houve uma usurpação do princípio da direcção política da maioria, que é um princípio fundamental da democracia. De facto, sendo o Governo minoritário, a Assembleia que perante ele reivindica a sua competência está a agir em nome de uma maioria viva, e não apenas em nome de um sistema de normas, para defender um órgão e uma competência perante outros órgãos e outras competências.

Este elemento material de tipo político-constitucional não pode deixar de contar na interpretação de normas como as constitucionais. Numa disputa entre o Governo e a Assembleia, como a do caso vertente, só se poderia reconhecer ao primeiro destes órgãos alguma legitimidade material se o Governo fosse a voz da maioria! De outro modo, não!

De resto, face à nossa Constituição, em nenhum caso o Governo pode ser considerado um comitido natural da Assembleia. Muito menos sendo minoritário.

E num esquema de governo minoritário o respeito integral da Constituição apontaria até, como compensação do carácter minoritário, para as seguintes acomodações funcionais: A redução do Governo, sobretudo, à condição de órgão executivo; A transformação da Assembleia no órgão legislativo normal, e não apenas principal.

Só assim se tornaria praticável a regra de "direcção política de maioria", que constitui a alma do Estado democrático.

Enquanto isto não se compreender, os atritos recíprocos entre os dois órgãos políticos centrais e as consequentes perdas de tempo serão permanentes e inevitáveis. Dir-se-ia mesmo que, enquanto o Governo for minoritário, é necessário que a Assembleia seja, numa certa medida, Governo - na medida em que em democracia todas as decisões políticas (ou não especificamente administrativas) precisam de ser democratizadas, no sentido de ser garantida permanentemente a sua correspondência à vontade da maioria.

É de esperar que o conceito de "democracia avançada" com que Mário Soares tem acenado ao País não constitua o pretexto de qualquer especialidade sobre este ponto. É que, quando o princípio da maioria cede uma vez, pode introduzir-

-se o princípio dinâmico da minoria e começar a avançar-se de minoria em minoria.

Aliás, no que diz respeito ao caso em raciocínio dialéctico - "criação" é o contrário de "execução" - caia no goto do Deputado José Luís Nunes...

Clarificaríamos ainda mais o problema se considerássemos que, de acordo com a linha lógica desenvolvida, o Governo tem competência para aquilo que se poderia chamar administração dos impostos em sentido lato, abrangendo questões técnicas atinentes, mas não para qualquer aspecto de política fiscal, como é, sem dúvida, o caso, quando, como agora, está subjacente às medidas tomadas a vontade de agravamento da carga fiscal. Há aqui, evidentemente, um aspecto de política financeira e não de mera administração financeira. Também neste caso, porém, foi com o "polegar" e não apenas com o "mindinho" que o Governo mexeu nos impostos.

É também evidente que, em termos reais ou materiais, isto é, em termos de resultado económico e político, em termos, afinal, de acção sobre o conjunto da sociedade, a violência económica, a margem de imposição, a excepção à propr iedade ou