tência, mas também a possibilidade de viver melhor e de modo diferente. O funcionamento irracional do sistema traduz-se no desvio de recursos essenciais, beneficiando grupos minoritários - enquanto se encontram insatisfeitas necessidades básicas, nomeadamente no campo da alimentação, da saúde, da habitação, da educação, da segurança social, etc.

Daí a necessidade de se caminhar seguramente para um novo modelo de desenvolvimento da sociedade portuguesa [...], a necessidade de um novo modelo para uma economia de transição rumo ao socialismo no quadro do Estado democrático.

Trata-se de um desafio a que não podemos deixar de responder, Já que representa a vontade inequívoca do povo português expressa nas três eleições livres realizadas após o 25 de Abril e consignada na Constituição da República.»

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A longo citação que acabo de fazer não a colhi -ao contrário do que observador menos atento ou porventura influenciado pelas palavras do Sr. à custa de quê e de quem se ultrapassará a crise.

Isto porque aceitar a Constituição não pode significar apenas aceitar ou recusar o ordenamento jurídico-constitucional dela decorrente, como se afirma no Programa do Governo. Implica aceitar ou recusar o projecto político cujos contornos essa Constituição claramente define.

Não nego a quem quer que seja o direito de manifestar o seu desacordo face àquele documento fundamental, o direito de e contestar nus limites do funcionamento das instituições democráticas. Mas tentar reduzi-lo a um simples ordenamento jurídico-institucional, para justificar uma acção governativa que o não acate na sua plenitude, é negar o respeito que lhe devem os órgãos de Soberania, sejam eles quais forem.

Que o CDS, que não votou a Constituição, o procure fazer compreende-se. Que o PS, que foi, sem dúvida, um dos seus principais obreiros, o aceite, exemplifica bem o longo caminho percorrido por este partido desde que votou a Constituição até hoje.

E se referimos o facto tantas vezes repetido de o CDS ter votado contra a Constituição não o fazemos com o objectivo de lhe colar um qualquer ferrete que o banisse uma vez por todas da vida política

portuguesa. Tem o CDS o direito de discordar da Constituição. Tem esse direito e teve - diga-se de passagem - a coragem de votar contra ela, quando outros lhe terão dado o seu apoio com o propósito reservado, mas nem por isso menos determinado, de se lhe oporem na primeira oportunidade. Mas não como direito, como partido de Governo que hoje é, de fazer da Constituição uma leitura amputadora de muito do essencial que nela está contido.

Que o CDS, que votou contra a Constituição, esteja hoje no Governo explica a natureza do Programa desse Governo e deixa-nos antever a óptica em que será aplicado.

De resto, se dúvidas houvesse, o Sr. Prof. Freitas do Amaral tê-las-á dissipado: «O CDS não aceitaria entrar para o Governo se este viesse a ter uma prática política mais esquerda que o I Governo Constitucional», disse-o ele nesta Assembleia, e de forma clara.

O Sr. Carvalho Cardoso (CDS): - E óbvio!

O Orador: - Quando se compara o que tem sido a coerência de comportamento dos dois partidos da coligação, podemos ficar certos de que o Sr. Prof. Freitas do Amaral está seguro daquilo que afirma.

O Sr. Carvalho Cardoso (CDS): E está!

O Sr. Carvalho Cardoso (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Terá o Sr. Primeiro-Ministro reflectido no que afirmou?

A acreditarmos nos seus argumentos, não existiriam hoje em Portugal condições mínimas para levar à prática o projecto constitucional de transição para o socialismo.

Ter-se-á o Sr. Primeiro-Ministro apercebido que, a ser assim, as suas palavras contêm a mais veemente crítica que um socialista poderia fazer ao que foram

dezasseis meses de Governo do Partido Socialista? Recordar-se-á o Sr. Primeiro-Ministro de ter afirmado, em Agosto de 1976, nesta Assembleia:

O Governo considera que se verificam [...] condições para efectivar em Portugal a construção histórica de uma economia de transição e pretende desde a primeira hora dar início à sua concretização.

O Governo considera que estão reunidas condições potenciais para efectivar em Portugal a construção de uma economia de transição [...].

Se tais condições existiam em Agosto de 1976 e se desapareceram ao cabo de dezasseis meses de Governo de Partido Socialista, a quem a responsabilidade?