O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, desculparão que lhes roube uns escassos minutos antes de entrarmos nos nossos trabalhos, mas entendo que é meu dever assinalar à Câmara uma data que hoje passa e que naturalmente, o que, aliás, se compreende, não será do conhecimento da maior parte dos nossos colegas presentes neste momento, embora seja do conhecimento de alguns. Tenho quase a certeza de que também o País, de uma maneira geral, desconhece o facto. A maior parte dos portugueses decerto não darão conta desta data que eu considero extremamente importante na luta contra o fascismo.

Faz hoje nada mais nada menos que 47 anos que se deu a revolta contra a ditadura na ilha da Madeira e nos Açores com umas incidências, embora frustes, na Guiné e em Angola. Estávamos no ano de 1931, havia cinco anos que tinha sido instaurada em Portugal uma ditadura militar, estávamos já na véspera da sua conversão numa ditadura fascista, o que, depois, acabou por verificar-se, e uma parte do Exército português, de que se encontravam então muitos oficiais com residência fixa na ilha da Madeira e nas ilhas dos Açores, e um destacamento em missão de serviço numa dessas ilhas revoltou-se contra a ditadura. A Madeira foi ocupada pelas tropas republicanas, foi um movimento extraordinariamente viril e interessantíssimo para a época e já nessa altura - é justo dizer-se, até porque muita gente o ignora - nem todo o Exército português esteve ao lado da ditadura ou comparticipou nas suas desgraças.

Antes disso, já se tinham dado os movimentos de 3 e 7 de Fevereiro, com o Exército e com os populares, mas este movimento começou por ser de características militares e acabou por se converter também num movimento popular nas próprias ilhas, que aderiram aos propósitos e aos desígnios revolucionários. Esse movimento foi vencido por circunstâncias perfeitamente naturais na época, dado que ainda não havia uma mentalização revolucionária neste país que fosse capaz de obrigar o London foram entregues pelas autoridades inglesas à polícia política portuguesa. Aí está uma grande novidade que naturalmente estou a dar aos Srs. Deputados e ainda para a novidade ser mais completa digo-vos que nessa altura quem governava a Inglaterra era o Partido Trabalhista. Estou a falar com total imparcialidade. De resto, já critiquei este facto em Londres, em conversa com vários amigos ingleses. É uma página muito triste da história da Grã-Bretanha e do seu Governo.

Ninguém se opôs, o movimento acabou por ser vencido, mas - aqui é que está o ponto e isso é que me importa recordar com profunda saudade e com muita emoção - os únicos que secundaram o movimento fomos nós, os estudantes. É que foi em 1931, que se deu a revolta académica, para secundar o movimento da Madeira, propositadamente para isso há 47 anos! Tomámos de assalto a Faculdade de Direito de Lisboa, entrincheirámo-nos na Faculdade de Medicina, fomos cercados e espingardeados pela Guarda Nacional Republicana e a Polícia de Segurança Pública, um dos nossos apanhou um tiro no pescoço (Roberto das Neves, que, felizmente ainda hoje é vivo e se encontra no Brasil) e começou aí a odisseia de alguns, a começar pela minha, porque fui dos poucos que a Polícia escolheu na «poda» que nessa altura fez. Cinco ou seis estudantes desse tempo foram por eles deportados, entre eles eu, que fui para Setúbal.

Já morreram: Mário de Lima Alves, Manuel Cutileiro, Florindo Madeira, eu sei lá ... tantos são os que já morreram!

Suponho que dos sobreviventes -e reparem na melancolia com que utilizo esta expressão -, dos sobreviventes deste grupo de Lisboa, se encontram nesta Assembleia, além de mim, Teófilo Carvalho dos Santos e Nuno Rodrigues dos Santos.

Esse movimento foi extremamente empolgante, um movimento de juventude, sem armas, suponho que apareceram umas pistolazinhas, mas que não chegaram a fazer fogo, até porque as pessoas não as sabiam utilizar, e acabámos por ser vencidos...

Claro que antes disso já as Academias de Lisboa, Porto e Coimbra se tinham manifestado contra a ditadura, mas o grande impacte, o movimento mais violento foi aquele em que houve uma confrontação