teceu que eu vinha lá do Porto, homem desconhecido, e ao chegar ao Clube Oriental recebi a informação de que não se podia tratar de nenhum tema onde se falasse da ideia de fascismo. E para desgraça minha, eu, lutador antifascista, levava pode dizer-se assim os bolsos. e a alma cheios de ideias antifascistas.

Fiquei, como é natural, perfeitamente desorientado, porque nestas sessões, se às vezes o improviso pode dar um resultado agradável num ou noutro ponto, é muito difícil nesses improvisos juntar os pés com a cabeça. 0 corpo da intervenção praticamente desaparece

Mas também aconteceu um outro problema: é que, felizmente para nós, eu era o último orador e então, com o comissário do povo...

... - perdão, comissário do Governo- sentado numa cadeira, depois de ter ouvido uma série de intervenções onde todos se tinham curvado, de certo modo, para falar em democracia e não tocar o tema do fascismo, eu, frontalmente, tomei a atitude de começar exactamente enfrentando o fascismo, os problemas do fascismo, as atitudes miseráveis do fascismo, o que era ser fascista, o que era não ser fascista, e daí, rolando em argumentação, acabei por dizer num grito: «Sr. Comissário do Governo, Portugal é um país fascista, é a única conclusão que posso tirar das minhas próprias palavras.»

E a sessão não se interrompeu porque foram tantas as palmas - não pelo que eu disse, mas pelo atrevimento das minhas palavras- que o comissário do Governo, ali sentado, não teve coragem de me interromper. E a sessão realizou-se na sua totalidade.

Ora, tive ocasião, nessa altura, de falar também com Bento Caraça. Era, na verdade, um homem admirável, e era um homem tão admirável, tão bom e

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra 6 Sr. Deputado Oliveira Dias.

qualquer tipo de pressões.

Nessas circunstâncias, emocionadamente e sinceramente, em nome do meu grupo parlamentar desejo associar-me à homenagem que é prestada ao Prof. Bento Caraça, no trigésimo aniversário do seu falecimento.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar por terminada esta discussão. Ainda darei a palavra ao Sr. Deputado Cunha Simões que a pediu. para a utilizar durante cinco minutos regimentais.

Eu também não poderia deixar de dizer uma palavra, embora muito simples, - extremamente, comovida, neste intervalo antifascista a que acabámos de assistir e que me pareceu tão útil e tão contagiante.

Fui dos que tiveram o privilégio de ser amigo de Bento Caraça, acompanhei a sua trajectória luminosa como professor no antigo Instituto Superior de Comércio, depois Faculdade de Ciências Económicas e Financeiras, colaborei com ele nas iniciativas da Universidade Livre, li com muita emoção a sua Cultura Integral do Indivíduo, uma extraordinária conferência que ele proferiu e que hoje devia ser reeditada, e até me iniciei nas, matemáticas, de certo modo conformando-me com elas, com aquele estudo pequeno mas admirável, percuciente, que é a Iniciação Matemática da Colecção Cosmos.

É, portanto, uma figura extremamente complexa, ia a dizer quase que uma figura renascentista, dada a sua multiplicidade de apetências e de qualidades. Homem da rua, na medida em que mergulhou na própria rua as suas ansiedades e proeurou de dentro dela extrair o denominador comum da vontade do povo português, um atento intemerato em todas as campanhas eleitorais fora e dentro da sua Universidade, essa Universidade extraordinariamente reaccionária onerada das poucas luzes que animavam o coração e a inteligência dos jovens. Mais tarde veio a pertencer à falange dos grandes intelectuais desta Pátria que procuraram estruturar a democracia em moldes modernos. Era, efectivamente, uma figura excepcional, Bento de Jesus Caraça, um grande amigo, um grande companheiro, um grande camarada.

Recordo-me que, na última vez que o vi, procurei-o em sua casa em Campo de Ourique, onde então morava, para lhe pedir um conselho sobre um livreco que eu desejava inserir na Colecção Cosmos. Encontrava-se já desgraçadamente doente, mas ainda se levantou com muito entusiasmo e, dando-me um abraço, disse-me: «Pois com certeza, iremos pensar