viragem espectacular, ouso dizer, na defesa do sector empresarial do Estado, assim como neste momento há uma viragem espectacular em relato ao que se estava a fazer. Portanto, Sr. Deputado, a afirmação de que passados seis meses nem mais um acordo foi assinado e que a política feita pelo II Governo Constitucional é a mesma do 111 ou do IV é uma afirmação que, no mínimo, só poderei classificar de menos verdadeira.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para uma intervenção o Sr. Deputado António Arnaut.

O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Hoje não venho falar do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Venho simplesmente chamar a atenção da Assembleia e do Governo para a grave, angustiante e escandalosa situação dos doentes de insuficiência renal e falar-vos de um "negócio" que envolve muitos milhares de contos, multinacionais, médicos portugueses e espanhóis e o mais que adiante se dirá ...

Há tempos, haviam-me chegado informações fidedignas alertando-me para o facto de se preparar a abertura em Portugal de uma "rede" privada de estabelecimentos médico-comerciais de diálise. Essa suspeita, que na altura transmiti ao Ministro dos Assuntos Sociais, foi confirmada por um artigo publicado no Jornal de Noticias de 7 de Janeiro, que tenho aqui, com o titulo "Doentes renais: esperança renovada em Coimbra" e o subtítulo "Mais 20 rins artificiais a partir de Fevereiro". Ali se informa que um novo centro de diálise, equipado com vinte monitores, entrará em funcionamento em Coimbra no corrente mês, centro esse montado com capital privado português e espanhol e orientado clinicamente por um professor daquela cidade. A notícia refere ainda que os vinte rins artificiais custarão cerca de doze mil contos e que o centro ficará instalado numa antiga igreja evangélica, já adquirida para o efeito.

O tom do artigo, a começar pelos títulos, faz inocentemente crer que se trata de uma oportuna e feliz iniciativa, norteada pelo mero espirito do bem-fazer e de largo alcance médico-social, que evitará que muitos doentes sejam obrigados a procurar no estrangeiro cura ou lenitivo para os seus males por falta de condições de tratamento em Portugal.

Convém, no entanto, levantar um pouco o véu e denunciar o que se esconde por baixo do manto diáfano da "filantrópica" iniciativa.

Quem, como eu, viveu seis meses de experiência amarga das caixas de previdência e dos hospitais não poderá jamais calar a sua indignação perante o espectáculo mais de mil contos por ano. Os tratamentos no estrangeiro excedem dois mil contos por doente/ano, no caso de Espanha, e ultrapassaram os dois mil e quinhentos contos nos casos da França e Alemanha. Os encargos são ainda maiores quando o doente, por razões justificadas, tem de ser acompanhado por um familiar.

Como se sabe, estas despesas são totalmente pagas pelo Estado através dos Serviços Médico-Sociais. Não possuo dados exactos, nem sei se os haverá, mas tenho a informação de que o número de doentes em tratamento no estrangeiro ronda os duzentos. Feitas as contas, é fácil concluir que o Estado despende actualmente meio milhão de contos em pagamentos no estrangeiro. Essa verba tendei á a aumentar, pois os estudos existentes mostram que, em cada ano, surgem mais trezentos e cinquenta casos e que os nossos serviços, se não forem melhorados e ampliados, só poderão absorver menos de metade.

O que pessoalmente me choca nesta matéria não é tanto o seu aspecto financeiro e a correspondente sangria de divisas, nem sequer o cariz mercantil dessas clinicas que vivem da "exportação" dos doentes portugueses, mas sim os seus aspectos sociais e morais.

Um doente de insuficiência renal precisa, para sobreviver, como se disse, de ser ligado três vezes por semana a um rim artificial. Se não encontra vaca no nosso pais e se consegue vencer as dificuldades burocráticas e o de um "passaporte" dos Serviços Médico-Sociais para uma clinica estrangeira, o doente è obrigado a expatriar-se - salvo se residir na fronteira - e só difícil e raramente pode voltar à sua terra; se é casado leva consigo a mulher e, por vezes, os filhos; se è jovem, velho ou inválido, precisa de um acompanhante; se vai só ou não tem família despede-se da pátria madastra, pois voltará apenas depois de morrer. Inditosa pátria é esta que não