Nesse sentido, podemos afirmar sem rodeios que a parte introdutório do projecto, em que se afirma que todos os cuidados primários deverão ficar totalmente integrados no «centro comunitário de saúde», que se destina a desenvolver uma política coordenada, com objectivos bem determinados e que tenha simultaneamente em conta uma rápida resposta aos problemas; prioritários, às dificuldades económicas do País e aos anseios dos profissionais do sector, mereciam todo o nosso apoio, porque nos parece correcta e adequada.

Entendemos, no entanto, a este propósito, que nos objectivos do projecto se deveria ter tornado mais explícita a circunstância de que estes cuidados primários constituem efectivamente um sistema prioritário, já que sem a sua organização e institucionalização nunca haverá possibilidade de se poder falar em qualquer país de um Serviço Nacional de Saúde eficiente, e muito menos num país que disponha de estruturas de saúde como aquelas que presentemente existem entre nós.

De facto, só a criação e o funcionamento de um sistema de cuidados primários permitirá o descongestionamento dos nossos hospitais centrais e distritais e a sua reconversão e encaminhamento para as funções específicas de cuidados diferenciados, em que os mesmos se devem empenhar.

Pelo que se refere aos princípios gerais contidos no artigo 1.º, mereciam estes, também o nosso apoio, na medida em que aí se definem, a nosso ver correctamente, os cuidados primários de saúde como os diversos aspectos de ordem física, mental e social do indivíduo, em que se envolve a promoção da saúde, a prevenção e tratamento da doença, a reabilitação, a orientação no acesso aos cuidados diferenciados e o acolhimento depois de cessar a sua prestação.

Para abreviar, direi que a universalidade dos cuidados primários, proclamada no artigo 2.º, a unidade de prestação desses cuidados (artigo 3.º) e a liberdade de escolha do médico por parte dos utentes (artigo 10.º) são aspectos des te projecto que considerávamos inteiramente positivos e que, por isso, mereceriam igualmente a nossa aprovação.

O nosso partido, que tem sobre os problemas da saúde uma posição muito clara e definida, teria, certamente, algumas sugestões a fazer e uma ou outra reserva a apontar, no domínio da especialidade. Tais sugestões e reservas incidiriam muito especialmente ao nível dos artigos 7.º, 18.º, 21.º e 27.º Mas isso só teria cabimento se, efectivamente, a aprovação deste projecto pela Câmara viesse a encaminhar as coisas nesse sentido.

A nossa posição limitou-se a assinalar tão-somente, portanto o carácter altamente positivo deste diploma, no qual, além dos aspectos aqui apontados, as intenções profilácticas e integradas sobressaem como um sistema de prioridades indispensáveis a todo e qualquer serviço de saúde actualizado.

Não deixamos de acentuar nesta declaração de voto que consideramos os problemas da saúde como extraordinariamente complexos e susceptíveis de controvérsia em muitos dos seus aspectos filosóficos de base.

Mas a verdade é que a saúde passou a ser considerada, desde há muito, um direito inalienável para uma grande maioria dos cidadãos de todo mundo. E, nesse caso, um Estado como o nosso fica na obrigatoriedade de lhe dar solução.

Não será fácil a este governo e a esta maioria parlamentar encontrarem uma melhor oportunidade do que esta para poderem ter assumido uma tal obrigatoriedade, qual seja a de apoiar e executar a institucionalização de um dos aspectos menos controversos da saúde que é justamente o dos cuidados primários.

Estou quase certo de que o Sr. Secretário de Estado da Saúde, que ocupa o lugar pela segunda vez, aliás agora num governo cujo programa é muito diferente do primeiro de que fez parte, concordaria com esta minha posição.

Invoco, em favor desta convicção, a circunstância de este mesmo Sr. Secretário ter sido, há vinte anos atrás, um dos meus companheiros de luta na defesa do Relatório das Carreiras Médicas, no qual a institucionalização dos cuidados primários já então era apresentada como uma das mais urgentes e inalienáveis prioridades no campo da saúde.

O Deputado do PS, Fernandes da Fonseca.