De novo, em sinal de protesto, deputados do PSD e do CDS abandonam a sala.
O Governo, executivo daquele projecto - abalado, mas não liquidado -, celebrizou-se, em nosso entender, pelo mais descarado e ostensivo desprezo pelos interesses nacionais e populares, por um efectivo e permanente atentado à sensibilidade do nosso povo, por uma agressão brutal às condições de vida dos trabalhadores do nosso país.
Em contrapartida, o Executivo, em que pontificavam Sá Carneiro e Amaro da Costa, foi inexcedível de dedicação na obediência ao diktat dos americanos e monopólios estrangeiros, à política agressiva e imperialista da NATO, foi determinado na liquidação da democracia, das conquistas populares do 25 de Abril, ao serviço dos homens da alta finança e do grande capital, utilizando para isso métodos como o insulto, a manipulação, a alienação das massas e a violência.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Tomé, na reunião dos grupos parlamentares, em que V. Ex.ª esteve presente, estabeleceu-se que esta sessão seria uma manifestação de pesar pela morte trágica de homens públicos que eram nossos companheiros na Câmara e que se procuraria testemunhar esse pesar, esvaziando de conteúdo político-ideológico próprio ou específico de cada partido a intervenção que se fizesse. V. Ex.ª expressará os sentimentos que possa ter que expressar pessoalmente ou em nome do seu partido, mas a Mesa não consentirá que V. Ex.ª faça discursos de fundo de conteúdo político.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Vozes do PCP: - Já foram feitas.
O Sr. Presidente: - Tendo ficado expresso isso, parece-me que ficou praticamente implícito, Sr. Deputado, que seria muito menos uma sessão de censura.
O Orador: - Não é uma sessão de censura, é uma sessão em que a UDP expressa aquilo que pensa desses homens, violentamente desaparecidos num desastre, e peço ao Sr. Presidente para continuar.
O Sr. Presidente: - Peço a V. Ex.ª o favor de continuar, tendo em conta â advertência que a Mesa lhe fez.
O Orador: - E se mais exemplos não houvesse, a forma como decorreu o funeral, em tom de verdadeiro comício, a sua antecipação para o dia reservado para reflexão do eleitorado, entre uma agitada e agressiva campanha eleitoral e o próprio dia das eleições, e a despudorada, encomiástica e interminável cobertura realizada pelos serventuários do projecto AD na RTP, sob a batuta do chefe Proença de Carvalho, evidenciaram os métodos utilizados pelos herdeiros do pensamento político de Sá Carneiro e continuadores da sua obra.
Utilizaram-se, até à violência psicológica, os nobres sentimentos do povo português, naturalmente chocado e afectado pela brutalidade do acidente que vitimou os membros do Governo e seus acompanhantes.
Ao pretender fazer desta sessão da Assembleia da República uma homenagem a Sá Carneiro e Amaro da Costa - como tem sido anunciado em órgãos da comunicação social, à revelia do que ficou decidido na reunião dos grupos parlamentares -, a AD joga, uma vez mais, na expectativa de que a morte dos seus líderes e a forma como foi sentida por grande parte dos cidadãos paralisaria as forças políticas da oposição, levando-as a dar o seu aval a uma homenagem generalizada aos dirigentes políticos da maioria parlamentar, com as consequências políticas que daí adviriam.
Não é este o entender da UDP, que em todas as circunstâncias, e em especial naqueles momentos em que a consciência crítica do povo possa ser afectada pela manipulação sentimental, se impõe como missão sagrada. Clarificar as situações e criar condições para que o combate determinado pelos interesses populares não se dissolva no nevoeiro retrógrado do sentimentalismo.
Os homens definem-se pela sua prática social e política e pelo seu posicionamento na luta terrível das classes em confronto, que só terá fim com a eliminação das condições de exploração. Nesta luta, os membros do Governo falecidos e que agora se evocam tinham um lugar claro e inequívoco: pela explo ração; contra os explorados.