Realmente, que descoco! Mesmo as normas que fustigam os abusos de pequena monta? Os 50$ da tal derrama?

É não mostrar a menor sensibilidade à desvalorização do escudo!...

disso constitui embaraço de maior. Onde a proposta justifica algum escarmento é no capítulo da sua concepção de base.

Fez-se a afirmação, dão-se agora exemplos: O primeiro defeito mora logo no artigo primeiro. O Tribunal Constitucional é aí caracterizado como «um órgão jurisdicional do Estado, como tal independente dos Órgãos de Soberania...»

Não é, ele também, um Órgão de Soberania?

Sendo isso que é, e não o que o Governo lhe chama, não é despropositado afirmar-se que ele é o menos, ou seja independente, sendo o mais, ou seja soberano?

O propósito reducionista do Governo traiu-o a começar pela própria definição.

A Constituição apenas exige, para que se possa ser designado juiz do Tribunal Constitucional, a qualidade de juiz dos restantes tribunais ou de jurista.

A proposta reforça as exigências: maioridade de 35 anos, menoridade de 70; licenciatura há mais de 10 anos ou doutoramento em Direito; cidadania portuguesa há mais de 5 anos.

Um pouco mais e escolhia a dor dos olhos.

É claro que tais precisões seriam julgadas inconstitucionais pelo próprio Tribunal Constitucional. A Constituição da República não gosta de discriminações.

E o bom senso de quem designa os juízes é garantia bastante da não designação de quem não mereça ser designado. Há, de resto, trintões escleróticos e septuagenários em boa forma [risos], portugueses de fresca data mais portugueses do que alguns que o são de origem, licenciaturas de ontem mais dignas de crédito do que algumas licenciaturas de antanho.

A Constituição não quer que a função de julgar seja um part-time ou um biscate.

E vai daí proíbe aos juízes - todos eles - o desempenho de qualquer outra função pública ou privada, à excepção da função docente ou de investigação científica, desde que de natureza jurídica e não remunerada.

Neste caso pode acumular funções. Mas não vencimentos.

Que leitura faz a proposta desta precaução constitucional?

Onde a Constituição aufere «funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas», a proposta treslê «funções docentes ou de investigação em estabelecimentos universitários e no Centro de Estudos Judiciários».

Desaparece a exigência da natureza jurídica, surge a exigência do carácter universitário.

A imposição da gratuitidade, essa evolou-se!

É mais uma inconstitucionalidade.

Mas é sobretudo a ideia errada de que um juiz do Tribunal Constitucional pode sem risco dividir o tempo e somar as remunerações.

Exige a proposta, para que o Tribunal possa funcionar, o quórum de 9 juizes e sujeita as deliberações mais importantes à maioria qualificada de 7.

O presidente e o vice-presidente só votariam, por via de regra, em caso de empate.

Seja ou não esse o objectivo, estas previsões conduzem aos seguintes possíveis resultados: o quórum de 9 juízes dificulta o funcionamento normal e praticamente impede o seu funcionamento em férias. E embora a pro

or isso devem votar, embora se admita que o presidente, ou quem as suas vezes fizer, não deva relatar processos.

Dada a composição do Tribunal, esta tentativa de pôr num trono o seu presidente poderia estimular situações de empate e converter esse juiz-árbitro numa espécie de fiel ou de consciência do próprio Tribunal, na prática se confundindo a vontade colegial com a sua própria.

Resumindo: o quórum de 9 juízes sacrificaria em muitos casos o seu funcionamento; a maioria qualificada restringiria muitas vezes a sua capacidade de decisão; a sobrequalificação do presidente tenderia a comprometer a sua feição colegial.

O Governo, em vez de tentar olear a engrenagem do Tribunal, mete-lhe sarrisca no sistema. Sarrisca e burocracia impediente do conhecimento de fundo das matérias.

Assim é que se não exime à exigência, mesmo no domínio da fiscalização preventiva e da fiscalização abstracta, da especificação das razões em que o pedido se fundamenta, não se satisfazendo com a também exigência da especificação das normas cuja apreciação se requer.

E claro o objectivo, além do expresso: a criação de mais um pretexto formal para a rejeição do pedido.