espírito e a letra da Constituição.

Assegurado que estava o controle do Tribunal Constitucional através de uma composição que terá que dar uma maioria AD em tal órgão, esta tinha dado o passo decisivo para, na prática, poder governar sem Constituição ou à margem dela.

Pouco lhe importava, pouco lhe importa, pois, em termos de praxis política, o que a Constituição, ela própria determine ou não.

Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para a AD era necessário ir mais longe.

É que as maiorias, quando são tangentes, artificiais ou escassas, podem rapidamente transformar-se em minorias.

Mormente num campo como este, da jurisdicionalização do político, em que os imperativos éticos, felizmente, ainda contêm força suficiente para fazer despertar consciências adormecidas ou mal informadas.

E foi, essencialmente, para esconjurar tal perigo que apareceu a proposta de lei n.º 130/II.

Com ela pretendem criar-se os mecanismos necessários para que a AD detenha o onformidade com a Constituição, então para quê o Tribunal Constitucional?

O sofisma é, parece-nos, bastante claro.

Na verdade, tal conformidade com o texto fundamental nada tem a ver com o veredicto popular, mas tão-só com a praxis quotidiana de tais Órgãos de Soberania que terá de ser aferida por um órgão jurisdicional pleno e autónomo.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Voltando, porém, àquilo que nos parece serem os vectores fundamentais desta proposta de lei, a saber, controle absoluto pela AD e esvaziamento do conteúdo e funcionamento do Tribunal Constitucional, exemplifiquemos cada um de tais vectores. _ _

Entronca, desde logo, no primeiro a questão da eleição por lista dos juízes designados pela Assembleia da República.

Se efectivamente a eleição por lista abstracta ou anónima obriga, como se diz na memória justificativa, ao negócio entre os partidos da AD e o PS quanto à constituição de tal lista, a verdade, também, é que de tal negócio resultará inegavelmente a partidarização concreta dos juízes indicados, pois cada partido naturalmente quererá sempre impor aqueles nomes que seguramente estejam na sua sintonia ideológica.

O curioso é que é a própria memória justificativa desta proposta de lei, a paginas - quem para defender a votação nominal dos juízes cooptados afirma expressamente que «a exclusão do processo de lista [...] tem na base a ideia de arredar [...] qualquer tentação de participação na escolha dos magistrados».

Quer dizer, são os próprios autores da proposta de lei em discussão que confessam que a eleição por lista leva, inevitavelmente, à partidarização dos futuros magistrados.

E assim é de facto, razão pela qual o MDP/CDE está frontalmente contra tal processo de candidatura referido nos artigos 6.º, n.º l, 8.º, n.º 2, 9.º, n.º l e 10.º da proposta.

Mas além da partidarização clara dos juízes, o que tal processo encerra também, inevitavelmente, é uma maioria AD na composição dos juízes e o consecutivo controle do Tribunal por aquela força política, já que dos dois terços de votos necessários a maioria deles pertencerá naturalmente àquela força política, a qual não deixará que tal maioria se não revele no computo geral dos nomes designados.

Apesar disto, a AD quis ir ainda mais longe, e para absoluta segurança desse controle e prevenindo quaisquer acidentes de percurso introduziu da proposta um princípio de todo inédito em toda a nossa tradição jurisdicional e que vai ao arrepio do próprio funcionamento colegial dos tribunais: o princípio da maioria qualificada para determinadas decisões.

Já aqui foram referidas por alguns senhores deputados algumas hipóteses absurdas a que tal princípio poderia levar, maxime de ter havido uma votação maioritária de 6 contra 3 e, mesmo assim, não poder ser decretada a inconstitucionalidade por lhe faltar a maioria qualificada referida no n.º 3 do artigo 47.º da proposta.

Hipótese tanto mais grave quanto é certo poder ficar preludida a possibilidade de o Tribunal se voltar a debruçar sobre o mesmo caso tratando-se de inconstitucionalidade abstracta, nos termos do artigo 67.º, n.º 5, da proposta.

Estava, por um lado, aberto o caminho para nunca serem declarados determinadas inconstitucionalidades que não interessassem à maioria, bastando, para tal, fazer faltar um dos juízes.

E, por outro, reforçava-se, pela negativa, a livre vivência de normas que apareceriam a todas as luzes como inconstitucionais.