neste caso -que apenas se admite por mera necessidade de raciocínio -, como se compreende que o Primeiro-Ministro consinta em tal impertinência? Porque, então, se manterá silencioso e conivente, aceitando que as suas orientações públicas sejam, assim, tão impunemente desacatadas?

Sabendo nós que o Sr. Primeiro-Ministro é um homem firme e determinado, que sabe o que quer e para onde vai, embora o não tenha dito em nenhuma sala do risco, parece-nos legítimo concluir que o Sr. Primeiro-Ministro não sabe que a lei continua em pleno vigor. O que, tratando-se de um primeiro-ministro e de um jurista, nos causa, naturalmente alguns engulhes...

E o governo? Saberá o governo que uma lei tão importante, que bebe no 25 de Abril a sua funda inspiração humanista e progressiva, apesar de estar em plena vigência, é pura e simplesmente ignorada, enquanto os Portugueses continuam a sofrer e a morrer por falta de assistência médica?

E a maioria? Esta maioria parlamentar, tão ciosa da legalidade e do bem comum, que prometeu mudar este país e garantir a saúde aos Portugueses, que pensará ela deste imbróglio político-jurídico?

A conclusão parece-nos, pois, evidente: nem o Primeiro-Ministro, nem o Ministro dos Assuntos Sociais, nem o Governo, nem a maioria parlamentar, sabem que a Lei do SNS está em vigor. De contrário, Srs. Deputados, como poderia admitir-se a ocorrência de acções e omissões tão descaradamente violadoras da sua letra e do seu espírito?

Como pode admitir-se, por exemplo, a falta de medidas que garantam a cobertura médico-hospitalar de todo o país - as crónicas assimetrias na distribuição dos recursos humanos foram agravadas pelos governos da AD -, como pode admitir-se que hospitais distritais funcionem, por via de regra, com metade dos seus quadros, enquanto os Hospitais Centrais de Lisboa, Porto e Coimbra continuam superlotados de médicos?

Como pode admitir-se que unidades de saúde de província -desde o Hospital de Viana do Castelo, ao Hospital de Condeixa, desde o Hospital de Chaves ao Hospital de Penela, que é a minha terra- continuem por abrir?

Como pode admitir-se que um hospital -pasmem, Srs. Deputados!... -, o Hospital de Barcelos, limite o número de partos por falta de médicos, estabelecendo uma espécie de numerus clausus para o nascimento de crianças no concelho, isto quando os hospitais centrais, como disse e venho repetindo, continuam superlotados de médicos, chegando ao ponto de haver em Lisboa certas especialidades que têm mais clínicos que todo o resto do País?...

Como pode admitir-se o estabelecimento da medicina convencionada como base do SNS?

Como pode admitir-se que o governo da AD faça convenções com a Ordem dos Médicos em que se limita a própria intervenção do Estado, chegando-se ao ponto de proibir a abertura de novos estabelecimentos e laboratórios?

O Sr. António Macedo (PS): - Muito bem!

O Orador-Como pode admitir-se a cedência à Ordem dos Médicos do direito indisponível de atribuição de títulos de especialidade e da fixação de idoneidade dos serviços públicos?

Como pode admitir-se a violação sistemática do princípio da gratuidade, na base do slogan -caro à AD e também muito caro, embora noutro sentido, ao povo português- de que «quem quer saúde paga-a? Vamos certamente ter um novo imposto ou um seguro de saúde e vamos, como disse há dias e ontem repetiu na Televisão o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais, pagar directamente os cuidados médicos, isto é, serão os doentes que vão pagar a crise e a desfaçatez deste governo.

A partir de agora, se essa medida for avante - esperemos que não! -, cada doente terá de pagar mais 100$ por cada consulta e cerca de 600$ por cada dia de internamento num hospital.

Como pode admitir-se a entrega dos hospitais concelhios às misericórdias, medida há dias anunciada pelo Sr. Ministro dos Assuntos Sociais? O Governo delapidou o Tesouro Público com indemnizações injustificadas e prepara-se, agora, para entregar às misericórdias os hospitais concelhios, não querendo saber para nada do SNS nem de uma planificação global dos cuidados de saúde.

O Sr. Gomes Carneiro (PS): - Muito bem!