casa e sair rapidamente apenas para efeito da comunicação social ou por descargo de consciência.

Passámos um dia e meio a subir e a descer escadas, ouvindo as pessoas, constatando toda a miséria que por lá existe.

Quando de lá saímos dissemos uns para os outros: «Isto não pode ser. Temos de fazer uma autêntica guerra a esta calamidade. E não há guerra mais justa do que aquela que é travada pacificamente contra a miséria, contra a degradação humana e contra o abandono a que votamos os nossos concidadãos.»

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

uma página negra de ficção, no entanto é verdadeiro. Existe na Sé.

Recordo um outro caso chocante. Entrámos numa casa com todas as características das casas do Bairro da Sé, ou seja, com humidade, lixo e mau cheiro e logo ao franquear a porta, à esquerda, encontrava-se uma porta de madeira muito baixa, com 50 em de altura. Os nossos acompanhantes bateram à porta e eu, convencido de que lá dentro só podia haver uma arrecadação ou lixo, verifiquei que, de gatas, se penetrava por essa porta, desciam-se umas escadas de madeira e num compartimento subterrâneo, onde apenas há humidade e fossas que exalam um mau cheiro irrespirável onde não entra ar nem luz, viviam 10 pessoas.

Este é mais um caso que parece impossível, mas que existe na Sé onde a realidade ultrapassa a imaginação.

Citando mais alguns casos, recordo também que na Rua da Banharia - uma rua que é com certeza um dos símbolos máximos da degradação e da promiscuidade - e entrando numa casa que tinha ruído frequentes.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, esta é uma pequena amostra do que se passa no Bairro da Sé, um bairro onde não há futuro, um bairro que tem o maior índice de prostituição e de casas de jogos, onde as crianças normalmente não vão à escola, e quando vão têm um aproveitamento escolar péssimo, onde a educação especial não dá resultado. As crianças não conseguem passar do ensino básico e quando o fazem, raros são aqueles que prosseguem outros graus de ensino. Resta-lhes o -desemprego, o jogo, formas de vida que não são viver mas vegetar.

Contudo, também há esperanças no Bairro da Sé. Existe uma incomparável solidariedade com as pessoas e mesmo com os animais. Em compartimentos onde se aglomeram 10 pessoas, num espaço reduzidíssimo, lá está o peixinho no aquário e o cãozinho. Muitas vezes nós, em nossos casas, não temos espaço para esses animais. No entanto a ternura daquela gente é grande e o cãozinho vive com eles e o peixinho, que está no seu aquário, é observado e acarinhado pelas pessoas.

A solidariedade daquela gente leva também a que muitos dos isolados do Bairro da Sé nunca o estejam, porque encontram uma comunidade que os ampara. São esses os que mais interessados estão em ficar no bairro. A maioria dos moradores do bairro quer ser transferida para outros locais.

Gostaria ainda de focar, para mostrar a solidariedade, o caso de um jovem com cerca de 17 anos, que nos acompanhava e que faz parte do grupo do projecto Sé. Esse jovem tinha um aspecto fino e delicado que me parecia - perdoem-me esta ilação - um estudante universitário. Esse jovem, que ia tomando apontamentos, que media os compartimentos, a certa altura quis que entrássemos numa casa igual a tantas outras.

Perante a nossa exclamação de que já tínhamos entrado em muitas casas iguais à que ele nos queria mostrar, disse-nos que tinha particular empenho em que entrássemos naquela casa. Subimos as escadas, fomos a um pequeno compartimento onde vivia uma senhora viúva e 3 filhos. Eram os irmãos - desse jovem e a sua mãe. Perguntei-lhe o que é que ele pensava de tudo aquilo e disse-me: «A nossa vida já foi pior. Não temos dinheiro para mudarmos de casa, nas não temos fome. Trabalho na construção civil, assim como os meus irmãos mais novos».

Perguntei-lhe o que é que o movia em nos acompanhar, qual era a sua esperança. Respondeu-me que trabalhava no projecto Sé, porque queria lutar para que aquela situação acabasse.

Na minha opinião, está também reflectida neste jovem a esperança e o futuro de zonas degradadas como as do Bairro da Sé.