tugal de hoje que traduza as atitudes possíveis face a uma mulher aflita e angustiada, solicitando a interrupção da sua gravidez.

Todos temos as nossas convicções morais e até religiosas e é importante reconhecer que o aborto acorda em todos nós resistências que podem endurecer o julgamento desta questão. Ele confronta-nos com a nossa própria origem.

É-me, no entanto, profundamente grato reconhecer que, apesar de certas campanhas, conseguimos evitar até agora, entre nós, o estado passional colectivo que se atingiu em outros países. O debate destes dias, nesta Assembleia, é já em si mesmo uma vitória do equilíbrio, da razão, da ciência, sobre o obscurantismo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Façam, ao menos, esta justiça às mulheres e aos homens que nesta Assembleia quiseram intervir em favor da despenalização do aborto.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Quaisquer que sejam, porém, as nossas dúvidas de consciência, ë preciso agir. E preciso sair do impasse actual. Porque a nossa legislação é ao mesmo tempo arcaica, inadaptada, ineficaz, inumana, enfim, injusta.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por definição, o fenómeno do aborto clandestino é mal conhecido e difícil de cifrar. Todos os números são possíveis. O único certo é o número de tratamentos e de mortes por aborto registadas nos hospitais. Enquanto aqui discutimos hoje, 6 mulheres morrem como consequência do aborto clandestino.

Que possibilidades no campo legislativo se oferecem então para combater tal flagelo? Creio ser esta a primeira questão que nos devemos pôr, conscientes que estamos de que todos o condenamos, todos o consideramos intrinsecamente grave e atentatório da vida. Todos lhe queremos fazer face. Este, ouso dizer, é o único consenso de todos os Grupos Parlamentares desta Assembleia.

Que fazer então? Analisemos rapidamente as várias hipóteses:

Uma voz do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Segunda Hipótese - Não despenalizar o aborto, mas consentir implicitamente na sua não penalização em certos casos. E esta, ao fim e ao cabo, a filosofia do Sr. Ministro Meneres Pimentel. É a via em que se não quer comprometer o Estado na «organização»

de serviços da interrupção da gravidez. Tolera-se em certos casos e fecha-se os olhos a outros. É a vida do laisser-faire, com menosprezo completo pela saúde pública. É um apoio evidente ao aborto clandestino.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!

ob o aspecto técnico, mas também na sujeição deste aos valores sociais que representa. O médico ou responsável alivia, assim, a paciente do peso psicológico que representa a decisão que ela toma. Nesta hipótese, o corpo médico serve de alibi à sociedade. E, para aliviar a responsabilização deste, chega-se mesmo a uma via mais mitigada, não clarificada, dir-se-ia uma solução média: a decisão a dois - médico e paciente. Esta via, porém, parecendo rigoroso, está muito mais perto do laxismo. Partindo do princípio de que é possível evitar com a tecnicidade o acto responsável, abre-se as portas à irresponsabilidade de cada um e da sociedade inteira. Tudo é travesti e ninguém sabe a quem pertence a responsabilidade da decisão.

Quinta Hipótese - Tolerar o aborto, única e exclusivamente de acordo com a decisão da mulher, impondo, porém, certas condições. Isto é, optar por organizar serviços de consulta médica de várias especialidades, de consulta social de aconselhamento fam iliar destinados a informar a mulher sobre a sua gravidez, sobre o seu estado e os seus direitos, apoiá-la no seu estado de angústia, evitar que tome decisões irreflectidas, proteger a mulher e o casal, prevenir de imediato outros abortos. Deixar à mulher a decisão final amadurecida.

É esta a hipótese que nos parece mais prudente, mais humana, mais responsável, e que traduz afinal o pensamento e a experiência mais avançada dos países europeus.

Tolerar o aborto sob a responsabilidade da mulher, impondo certas condições de situação e de prazos. Este é o sistema que, se bem aplicado, possibilita uma decisão amadurecida por parte da mãe, facilita a assistência médica, a educação e a informação necessárias para impedir a repetição da interrupção da gravidez. É uma solução responsável do Estado e da Mãe. Tal sistema, porém, impõe a criação prévia de serviços de atendimento e de serviços de saúde, sem os quais se pode deslizar rapidamente ou para a repressão ou par a o laxismo.É esta a legislação que merece o acordo do meu