vida humana pode constituir embaraço para outros tipos de aborto, não o constituiria jamais para o aborto terapêutico, em relação ao qual teria então de pôr-se esta questão elementar:

«É inviolável a vida humana» - muito bem. Mas qual vida? A da mãe ou a do filho?

Em caso de conflito excludente de uma delas, ha que fazer prevalecer uma sobre a outra, a menos que, no pressuposto de uma criação providencialmente assistida, se deixe a opção aos desígnios de Deus.

Quero dizer que adiro instintivamente a que se salve a mãe, mesmo que seja outra a sua amorosa vontade. Respeitá-la, equivaleria, de resto, a legitimar, no mínimo, esse caso de suicídio.

Tenho aliás a veleidade de supor que é este o sentimento prevalecente na generalidade das consciências.

A própria Igreja Católica, implicitamente, admite que assim seja, ao aceitar o sacrifício do feto, quando não directamente querido, mas consequência indirecta - ainda que de antemão conhecida- de tratamento clínico necessário à salvação da mãe.

Para quê ir mais longe? É o que diariamente acontece nos nossos hospitais, sem reprovação de ninguém.

Não creio, no entanto, que a afirmação cons titucional da inviolabilidade do direito à vida deva ser interpretada como abrangendo a vida intra-uterina, por forma a retirar-se daí a inconstitucionalidade da despenalização de qualquer tipo de aborto.

No mesmo sentido se pronunciou a Procuradoria-Geral da República em doutíssimo parecer que dispensa reforço.

Outro entendimento levar-nos-ia a recordar que idêntico dispositivo constitucional vigora nos países em que ainda se aplica a pena de morte ou em que o aborto é mais ou menos livre.

E talvez me não levem a mal os moralistas encartados da defesa do direito à vida como supremo bem que lhes lembre estas pequenas incoerências: Até bem recentemente, o marido que encontrasse a esposa a praticar adultério, e matasse os adúlteros, não era um homicida, mas um turista. A pena aplicável era a de residência por curto período fora da área da Comarca.

Quantos dos que agora invocam o direito à vida o invocaram então?

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

rídico poderá justificar que aos males da violação e da gravidez indesejada se some a repulsa de parir e criar na solidão, no ódio ou na vergonha, um filho do próprio violador?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não aceito a fatalidade da pobreza, nem a indiferença do Estado em face dela. Mas gostaria de não me comprometer, também agora, com indicações não rigorosamente tipificadas.

Conceitos tão fluidos como os de «grave carência económica», «condições razoáveis de subsistência e educação», ou «situação social ou económica incomportável», utilizados não só lá fora, mas como no projecto do Partido Comunista, ilustram alguns dos meus receios, designadamente o de, por largueza de motivos ou imprecisão de conceitos, se vir a cair em situações na prática equivalentes à indiscriminada liberalização do aborto.

Não é que situações daquele tipo não possam vir a revelar-se de extrema gravidade. Só que a averiguação desta ocorrência teria então de ser objecto de decisão algo menos subjectiva.

Dito genericamente o que penso quanto às indicações, forçoso é que faça o mesmo quanto aos prazos.

A necessidade da fixação de limites temporais parece-me indiscutível. Ela decorre, desde logo, do facto de que não haveria em regra ponta de lógica no isentarmos de pena a mãe que, na véspera do parto, destrói um nascituro já susceptível de vida própria, e condenarmo-la a pena grave se, imediatamente após o parto, por acção ou omissão lhe tira a vida.

Aliás, os que fundam na defesa do direito à vida a punição do aborto, não escapam à contradição que há na diferença abissal entre a pena aplicável ao aborto um dia antes do parto e ao infanticídio um dia depois!...

Tudo isto para significar que nem juridicamente, nem ontologicamente, nem em termos de sensibilidade, confundo óvulo acabado de fecundar, ou mesmo feto de apenas algumas semanas, com nascituro já formado e viável, capaz de subsistir em caso de parto prematuro.