ligeireza pelos protagonistas do Poder - dos vários poderes do Estado.

Pressupondo, embora, que o centro último da «soberania legislativa» é esta Assembleia, não creio que ela esteja vocacionada para preparar reformas legislativas na área dos «grandes códigos» nem para emendar, com rentabilidade técnica, aquelas sobre que exerça o seu inderrogável dever de censura sobre os actos e impulsos do Governo. Ás coisas são como são, em Portugal e em toda a parte. Ora é ponto incontroverso que os Parlamentos têm limitações de carácter material quanto aos apoios logísticos com que deveriam contar e daí que, como decorrência, os Governos se tenham tornado o principal actor do processo legislativo (assim, por exemplo, Françoise Mendel, «La compétence legislative dês parlements. Étude compare», na Revue Internationale de Droit Compare, 1978, pp. 947 e segs., e Pierïe Avril, «Le parlement lédislateur», na Revue Française de Sciense Politique, Fevereiro de 1981, pp. 15 e segs.).

P or isso eu diria que, no caso concreto em apreço, esta Assembleia deveria ter funcionado mais como órgão de cassação do que como instância de revista. E digo isto sem prejuízo de registar o esforço desenvolvido na 2.ª Comissão e, dentro das premissas de que partiu para a sua intervenção, os aplaudíveis resultados alcançados.

Expressão significativa das limitações práticas da Assembleia da República em matéria legislativa será, entre outras, a do desenvolvimento da Lei n.º 29/81, sobre a defesa do consumidor. Constituindo predominantemente, e pela sua própria natureza, uma lei de bases, a sua aplicabilidade real advirá, em drástica medida, da vontade política do Governo em lhe dar execução. Não creio que falte essa vontade política; mas o certo é que, pelo menos até ao momento, não surgiu a sua concretização, não obstante nalguns aspectos para esta ter sido definido um prazo (assim, n.º 4 do artigo 15.º da Lei e, sobretudo, artigo 18.º). Daí a grande dificuldade em enfrentar reparos como os que faz Carlos Ferreira de Almeida em Os Direitos dos Consumidores, 1982, maxime, p. 43): «Sob a capa de uma lei exigente quanto à sua latitude e razoavelmente evoluída

no conteúdo, pode vir a acontecer, de acordo com o ritmo e a valia efectiva dos diplomas de regulamentação, que se venham a frustrar na prática as legítimas expectativas que a lei veio despertar.»

Estará neste caso, exactamente no plano dos chamados «grandes códigos», a disciplina legal dos contratos de adesão e, mais amplamente, a urgente reformulação do direito dos contratos, acolhendo a significativa evolução que nos últimos 15 anos nele se verificou.

Regressando, especificamente, ao tema que hoje ocupou esta Assembleia, sublinharei que aspectos há da nossa legislação processual a carecer de substancial reforma. Assim os que se apontam no relatório da 2.ª Comissão. E se é certo que as inovações de fundo a introduzir em áreas como os procedimentos cautelares tenderão, na linha do que expusemos, a ser integrados numa perspectiva global do sistema do Código, outros consentirão um mais imediato tratamento, como é o caso de alguns processos especiais, precisamente porque especiais. Entre eles sobressairá o processo de falência. Tive, acerca dele, ocasião de salientar, em Novembro de 1980: «Tal como entre nós está figurado, o instituto falimentar é uma forma expedita e quase fatal de destruir empresas (mesmo aquelas que merecessem ser conservadas, vencida que fosse a sua situação de crise), de prejudicar os credores, a começar pelos próprios empregados, e de afectar o correcto funcionamento do mercado e o interesse geral da economia.» (Boletim do Ministério da Justiça, 300, p. 9.)

Restará, de novo, insistir na subalternização que ocorre na adopção de mecanismos de arbitragem, quer, como se diz em Itália, de arbitragem «ritual» (ou seja, jurisdicional), quer de arbitragem «irritual» (ou seja, contratual). Neste aspecto, como em muitos outros, não emergimos ainda do ciclo napoleónico, desperdiçando o contributo científico que poderia ser prestado, na fase genética do processo legislativo, pelos notáveis mestres de direito com que contamos.»

O deputado do PSD, Mário Raposo.