Só alguns raros museus e arquivos dispõem de segurança eficaz contra roubos, incêndios e danificação pela humidade, variações térmicas, acções humanas intencionais ou não e desenvolvimento de fauna e flora.
Por todo o País, muitos museus, particulares, municipais ou nacionais, sobrevivem graças à «carolice» dos seus responsáveis, sejam estes associações de protecção de património, técnicos camarários, conservadores escolhidos por ligas de amigos de museus, assembleias e câmaras municipais ou pelos diversos sectores do Estado com responsabilidades sobre conjuntos patrimoniais a proteger.
E dizemos sobrevivem porque sofrem a pressão constante e delapidante da falta de apoios económicos e técnicos, das carências de e nos laboratórios de restauro (nos principais), nos armazéns e mesmo salas de exposição, sem controle dos factores de degradação atrás descritos.
Vastas colecções de imóveis e de elementos patrimoniais móveis, considerados já como núcleos museológicos, sofrem danos anuais irremediáveis devido a esses factores, aos quais se junta o contrabando de antiguidades, incentivador de roubo de objectos e documentos religiosos e profanos por todo o País!
Mas uma multiplicidade de outros, não classificados, desaparecem para sempre também, sejam eles edifícios únicos, painéis de azulejos, estações arqueológicas, fotografias, filmes, livros, objectos relacionados com funções religiosas, laborais, militares, musicais, lúdicas, etc.
Contentores com rendas, roupas regionais antigas e muitos outros objectos alentejanos de valor etnográfico saíram pelo aeroporto de Lisboa no ano passado; dispersam-se por leilão raras colecções privadas, por morte dos seus proprietários; conjuntos de instrumentos e recolhas musicais esperam ano após ano ser adquiridas, enquanto estas últimas vão sendo afectadas pela perda de qualidade magnética das fitas de gravação ou poderão sair do País, compradas por quem lhes dá o real valor, como pode vir a acontecer com a preciosa e única colecção de gravações musicais feitas por todo o País ao longo de muitos anos, por Michel Giacommetti.
Jogos tradicionais perdem-se para sempre, por desaparecerem dos locais adequados para a sua prática e chega-se mesmo ao ponto de pôr à venda o conjunto da Peninha, em Sintra, que se encontra ao cuidado da Universidade de Coimbra!
E que dizer dos casos em que verbas destinadas a museus são deslocadas para outros fins, como é o caso do Museu do Mar, em Cascais, projectado para fornecer um apoio pedagógico aos estudiosos da fauna e flora marinha e aos muitos milhares de professores e alunos dos estabelecimentos de ensino que seriam assim sensibilizados para o estudo e defesa do mar, no seu papel fundamental para a sobrevivência da vida na terra.
As vastas colecções de animais já preparados para exposição, assim como os locais a ela destinados, além dos equipamentos, laboratórios e a própria equipa de técnicos merecem ser divulgados e apoiados. Desde há vários anos que esta equipa, além dos perfeitos trabalhos levados a cabo sobre os espécimes recolhidos, que vão dos grandes cetáceos aos mais pequenos moluscos, tem publicado igualmente textos de relevante conteúdo científico e divulgados a nível nacional e internacional.
Pois bem, a verba inicialmente atribuída ao Museu do Mar parece ter sido agora canalizada para fins relacionados com outro tipo de opções politico-culturais. As pequenas verbas atribuídas aos museus nacionais vão fazer com que tenham de ser dispensados muitos dos técnicos que trabalhavam no levantamento de materiais arqueológicos acumulados durante décadas em condições precárias de catalogação e conservação nos fundos de museus nacionais, como é o caso do Museu Leite de Vasconcelos, em Belém.
Recordando-nos dos gastos vultuosos efectuados em 1983 para a espalhafatosa «XVII Exposição» e perante estes exemplos que evidenciam a falta de uma sensibilidade governamental e nalgumas autarquias para a conservação e divulgação do nosso património cultural, e sentindo nós a sua fragilidade perante a especulação económica e a falta de um programa nacional que vise a sua protecção, propomos este voto como sinal de que, pelo menos, a Assembleia da República reconhece o empobrecimento cultural que o povo português sofrerá se medidas urgentes não forem tomadas.
Os Redactores: José Diogo - Ana Maria Marques da Cruz.