Em segundo lugar, sendo certo que a invasão do domicílio, as escutas e intercepções fora das condições do Processo Penal constituem crimes previstos e punidos no Código Penal, o Governo pretende legalizar a prática desses crimes. Não há nenhum exagero nisto! É ler o clausulado que propõe à Assembleia da República as autorizações de buscas e intercepções. No caso das buscas, constata-se que fica ao critério de qualquer das dezenas e dezenas de autoridades de polícia (desde o comandante-geral da Guarda Nacional Republicana, aos subinspectores que chefiam subinspecções da Polícia Judiciária aos chefes de gabinete do Serviço de Estrangeiros), ficariam com poderes para ordenar a medida de busca desde que razões de urgência criem o estado de necessidade dessa medida de excepção (diz o artigo 22.º).

Para escutas e intercepções, o Ministério da Administração Interna e o Ministro da Justiça poderiam autorizá-las quando considerem, eles, por seu critério, haver o estado de nec essidade dessas medidas urgentes.

Esta alusão ao estado de necessidade é, francamente, um expediente diabólico e uma perigosa mistificação. Porque o estado de necessidade, como os Srs. Deputados sabem, é um mecanismo com delibitação técnico-jurídica precisa, através do qual a lei penal permite aos tribunais, e apenas a estes, ou por responsabilidade judicial, verificadas certas condições muito concretas, uma a uma, e cumulativamente, excluir a ilicitude ou a culpa de certos comportamentos que de outra forma teriam de ser punidos. Como sabem, o novo Código Penal chega mesmo a prever o chamado estado de necessidade desculpante, tão falado a propósito do aborto, que alarga ainda mais as possibilidades de não punição.

Mas tudo isto tem que ser verificado pelos tribunais; obedece a requisitos muito precisos.

O que o Governo ao invés pretende é a subversão da própria noção de estado de necessidade em usar uma outra que não tem nada a ver com esta que acabámos de delimitar.

Quer oferecer a forças policiais uma cláusula de verificação administrativa que tome sempre e sempre lícito o que é crime para cidadãos, ou polícias, ou ministros. E para isso basta, no caso das escutas, que haja «indícios de risco de crime». Repito: «indícios de risco de crime».

O que é isto, Srs. Deputados, em termos de tipificação? Alguém sabe explicar o que são indícios de risco de crime?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É uma vergonha!

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Este é um Governo delinquente!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Ë um escândalo!

o de concentração exuberantemente e legalmente exercido pelos trabalhadores naquele dia?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Cremos, Srs. Deputados, que desde os dias e os tempos da insurreição dos pregos ninguém tinha ousado vir à Assembleia da República pôr preto no branco este arraial de restrições que pulverizariam, a ser aprovadas, o conteúdo essencial de um direito fundamental entre os fundamentais.

E isto, Srs. Deputados, é para combater o perigo terrorista, é para proibir manifestações de terroristas e reuniões de terroristas, que o Governo pretende este conjunto de restrições!? Ê preciso responder honestamente que não, e que outros são os intuitos, e abusivos, de quem nos apresenta esta proposta.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - E que não são inocentes!