3 - A generalidade «versus» especialidade: qual ó então a proposta?

A gravidade do tema e a ligeireza do seu tratamento de origem (para utilizar expressão benigna) fizeram surgir, como tábua salvadora para o agitado percurso, um novo princípio: o de que a votação na generalidade não interessa, uma vez que a discussão na especialidade tudo modificará, para descanso de consciências críticas. Ninguém, decerto, terá esquecido ser a discussão e a votação na generalidade algo de decisivo que tem por objecto os princípios e o sistema de cada proposta de lei e que do exame e votação na especialidade não deve nem pode resultar algo de diferente quanto aos princípios e ao sistema aprovados na generalidade. Por mais que se deseje ser o fim do percurso algo de diferente das estações iniciais ou intermédias (é o meu caso, se a «inevitabilidade»- se concretizar), a distinção generalidade especialidade não admite outra formulação, além da que deixei enunciada.

Mas, enquanto alguns se esforçam por afirmar que a proposta se modificará na especialidade (a firmação também feita, pasme-se, por alguns membros do Governo responsáveis pela proposta em exame), outros, ao mesmo nível de responsabilidade, disseram já que nada pode alterar os princípios fundamentais da proposta. A confusão e a imprecisão são, assim, grandes, impróprias em matéria tão delicada e impróprias em qualquer processo legislativo transparente.

Daí que a questão generalidade versus especialidade se tenha transformado, à revelia de sãos princípios do exercício do poder legislativo democrático, numa espécie de «atractivo» ou «chamariz» a que se terá, penso eu, de responder por uma clara negativa. Se, como julgo, estão em causa os princípios, o sistema e também as medidas concretas da lei, há que saber com clareza quais são os princípios e o sistema que se vão votar na generalidade e se, quanto a eles, sobretudo após tão esclarecedor debate público, se regista ou se propõe alguma alteração por parte do Governo proponente. Não será, repito, o anúncio d e eventuais e modificadas medidas concretas (embora nunca desprezíveis, claro está, para quem não sucumba à emoção legítima) que altera o sistema que nos é proposto e os princípios em que se alicerça. E estes não têm salvação possível no estádio actual da questão. Esta não é compatível com a ideia de que a votação na generalidade seria uma espécie composta promessa mas com a irrefragável evidência de que se desconhece o objecto do contrato prometido.

4 - A coligação, as razões de Estado e as doutrinas redutoras

quotidiano uma prática democrática e parlamentar. Hoje como ontem.

Vive-se assim o «teste» pela negativa e pela invocação emocional dos chamados «altos valores», como se a estabilidade desejável, a eficácia e a clareza e autoridade da actuação do Estado democrático e do seu governo pudessem compaginar-se, em sociedade aberta e plural, com as adesões pela negativa ou pelo silêncio, e não, como seria imperioso, com o engenho, a criatividade e a capacidade de diálogo que implicam a descoberta de alternativas sãs e o mais possível consensuais. Sobretudo em matéria de liberdades.

Aqui chegado, e realizado por estas semanas o meu próprio percurso nesta vasta questão e observada que está a recusa incompreensível perante tantas diligências e vias alternativas por aí propostas, não surpreende que tenha de concluir estar cada um de nós perante a solidão retemperada de uma resposta individual e clara. A minha, quanto à proposta, é negativa.

«Felizmente, as reacções que já se fizeram sentir, em particular no interior do PS, dão-me a esperança de que a proposta de lei não passará», declarou a O Jornal, em entrevista conduzida por J. Grego Esteves, manifestamente preocupado com o projecto governamental sobre segurança interna, o ex-deputado e prestigiado constitucionalista Jorge Miranda.

O Jornal. - Afastado das lides políticas desde 1982, o Prof. Jorge Miranda considera-se definitivamente retirado ou admite que novas circunstâncias o façam regressar em breve?

Jorge Miranda. - A minha intervenção política centrou-se em dois períodos, o de 1974 a 1976, para a defesa da Revolução e preparação da Constituição, e o de 1980 a 1982, para defesa da lei fundamental e preparação da revisão constitucional. Fora