Gostaria, portanto, que essa lição ficasse registada por todos nós.

E creio que também todos teremos a ganhar quando todos nos convencermos de que nenhuma situação financeira, por mais preocupaste, por mais aterrorizaste mesmo que ela se apresente, pode pôr em causa os fundamentos da liberdade e da democracia.

Quer dizer que quando uma proposta se apresentar como flagrantemente inconstitucional nós estaremos já a ultrapassar uma barreira. E essa barreira não deve ser transposta.

E, julgamos nós, havia meios - e alguns deles surgiram ao longo do debate - pelos quais o Governo poderia conseguir os mesmos objectivos, enquadrando de modo diverso a sua proposta.

Não estamos, neste momento, a discutir o fundo da questão. Portanto, não tratarei de nenhum aspecto concreto dos impostos em causa - amanhã teremos ocasião de fazer isso -, mas direi que se o Governo nos tem apresentado a situação e os objectivos que pretendia, se o Governo tem justificado as medidas propostas, se o Governo tem apresentado, inclusivamente, uma proposta de modificação do orçamento ou uma proposta de modificação do enquadramento destas medidas, aí boa parte dos problemas constitucionais levantados teria sido resolvida.

Gostaria, no entanto, de deixar aqui algumas questões que permanecem em aberto.

Não ficámos esclarecidos, mesmo ao longo destas intervenções, sobre quando o Governo tomou conhecimento deste défice. Quer dizer, há um momento temporal em que o Governo soube que o défice previsto no Orçamento do Estado estava excedido. Poderá não ter tido conhecimento de que estava excedido nesta dimensão, mas soube que havia um excesso, um excesso qualquer. Penso que mandavam as boas regras que, nesse momento, o Governo tivesse disso informado a Assembleia da República. Assim, todos teríamos tido ocasião de, sobre o assunto, pensarmos com alguma clareza e com alguma profundidade.

Mais ainda: quando o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares reconhece que ao longo da prática de execução orçamental - e aí direi que não, com certeza da responsabilidade do actual Governo foram excedidas as verbas orçamentadas nos Ministérios do Equipamento Social, da Educação, dos Assuntos Sociais, da Saúde, do trabalho, se a nossa informação é exacta, então eu gostaria de saber

Portanto, Sr. Ministro, nós esperamos que em relação a essa situação surjam, efectivamente, as medidas rigorosas que se impõem.

Estaremos dispostos a aceitar que essas medidas sejam temperadas com aquela justiça - que também o é - de compreensão pelas situações em que elas se verificarem.

Mas exigimos que sejam tomadas medidas, porque de outra forma os défices ir-se-ão acumulando, os impostos continuarão a ser retroactivos, todos nós nos lamentaremos muito, mas nada corrigiremos em relação ao futuro.

Há ainda dois últimos pontos que me parecem de salientar.

Em relação ao argumento que foi levantado da unidade do orçamento, disse o Sr. Ministro que a lei-travão não impede a criação de receitas. E é verdade, assim é. Só que, o que não permite é a criação de receitas fiscais fora do enquadramento orçamental, de tal modo que a regra da unidade do orçamento implica .que exista um orçamento e um só orçamento, com uma repartição das receitas e das despesas, essa especificada. Isso resulta claramente da Constituição.

E tanto assim é que, se V. Exa., Sr. Ministro, quiser ter o cuidado de procurar a lista que há bocado começou a ler a esta Câmara, não encontrará aí nenhum diploma que não tenha sido em execução de um orçamento ou de uma lei orçamental, porventura ao abrigo de uma autorização legislativa, ao abrigo da votação de um orçamento, mas nenhuma medida desgarrada e, com certeza, nenhuma lei desgarrada.

Por último, refiro-me à diferença de rendimentos entre as profissões livres e as por conta de outrém. É eviden passar a jurisprudência da Comissão Constitucional e, em relação a essa mesma Jurisprudência, não foram invocados nenhuns argumentos que permitissem ir confrontar-se com uma simples verificação, que é esta: todos os autores, toda a corrente jurisprudencial da Comissão Constitucional, consideram que há limites que não podem ser superados na retroactividade de imposto, sob pena de ele ser inconstitucional.

E o que não ficou demonstrado por parte do Governo foi que esses limites, para os quais há critérios