prerrogativas de terem servido o regime fascista e terem posto a sua pata sobre o povo português.

(O orador não reviu.)

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Portanto, está em apreciação o n.º 1 deste artigo sobre o qual incidiu uma proposta de substituição. Será esta proposta que neste momento vamos votar.

O Sr. Deputado José Luís Nunes tem a palavra.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu uso da palavra... - Quando os meus camaradas deixarem de falar aqui atrás eu usarei da palavra.

Uma voz: - Muito bem!

Outra voz: - Então fala!

O Sr. Presidente: - Peço aos camaradas do Deputado José Luís Nunes o favor de não conversarem atrás dele.

O Orador: - Muito abrigado, Sr. Presidente.

Eu acho que neste campo devemos consagrar duas ideias. A primeira ideia é a da implacável firmeza. A segunda ideia é a da justa serenidade.

Eu desejava recordar aqui que o meu querido amigo e camarada Dr. Alcides Monteiro, sentado ali naquela bancada e a quem aproveito a oportunidade para render a minha homenagem, há muitos anos ...

Aplausos.

... há muitos anos me contou que um militante antifascista, o Dr. Ferreira Soares, foi assassinado a tiro e que junto dele a sua agonia durou não sei quantas horas e que a polícia estava junto dele até que a sua agonia terminasse, inclusive se recusou a entregar-lhe uma gota de água que fosse.

O Dr. Mário Cal Brandão que, ali está também sentado, foi um herói da resistência antifascista ...

Aplausos.

E que era irmão do nosso camarada Carlos Cal Brandão que foi comandante da guerrilha em Timor e que conseguiu morrer sem experimentar quaisquer sentimentos de ódio por quem quer que fosse, mas tão-só de justiça, também me deu a mim e a todos aqueles que tivemos prazer de com ele conviver a possibilidade de aprendermos ou mesmo expor na teoria aquilo que nós não tínhamos tido possibilidade (felizmente para nós) de sofrer na carne.

Podia citar muitos outros casos; não vale a pena que vale a pena é dizer o seguinte: que houve duas formas de repressão em Portugal; uma forma de repressão dos torcionários da PIDE-DGS, da LP e de outras corporações; uma forma de repressão dos gatunos e dos aproveitadores; mas houve, também, a forma de repressão, Sr. Presidente e Srs. Deputados, daquelas pessoas de boa consciência que entenderam que fechar os olhos era a forma mais correcta de estarem com Deus e com o Diabo.

Aplausos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Houve uma altura em que ser resistente antifascista foi, e certa maneira, um imperativo ético e político para todos nós que nessa resistência, de uma forma ou de outra, tomámos parte.

Mas houve também, para além dos grandes tiranos, prepotência infame dos tiranetes locais. Em 1969 este vosso colega que vos fala foi a um determinado concelho do Porto, em que um democrata, felizmente democrata, desejava pura e simplesmente ou estava suposto a fazer parte da comissão de apoio à Comissão Eleitoral de Unidade Democrática: assumiu Connosco esse compromisso e alguns dias depois veio ter connosco porque o presidente da câmara tinha ameaçado a sua mulher que se ele fosse fiscalizar as urnas, a punha pura e simplesmente (cito no «olho da rua)».

E então o que é que tínhamos? Tínhamos duas espécies de repressão; tínhamos a repressão das mãos sujas e a repressão das luvas brancas; tínhamos a repressão das más consciências abertas e tínhamos a repressão das boas consciências; tínhamos a repressão por acção e a repressão por omissão. E todos nós sabemos quanto trabalho tivemos muitas vezes para podermos fazer circular o manifesto ou, pura e simplesmente, para pedir que se usasse de humanidade, em relação aos presos políticos. Dizia-se nessa altura «eu não estou esclarecido», «eu não pensei bem no assuntou», «os Srs. percebem a minha posição», « eu tenho mulher e filhos para tratar» ou - como uma vez tive ocasião de ouvir - isto é grotesco: «eu não assino porque a minha sogra não deixou».

Este sistema de repressão que se instituiu em Portugal, este sistema de repressão alarvar, este sistema de repressão constante, este sistema de boa consciência e despolitização, este sistema de apontar a dedo os homens da oposição, e de algumas pessoas de boa consciência, que hoje se dizem democratas e até revolucionárias, afirmarem publicamente: «eles estão presos porque se meteram nisso, eu nisso não me meto».