fira ao poder regional a necessária autonomia administrativa e financeira.

A minha crítica à comissão administrativa militar da Câmara Municipal do Porto - e que se pode alargar a outros municípios em que porventura se actue de forma semelhante - respeita à maneira, verdadeiramente insólita, como os militares pretenderam institucionalizar o poder na autarquia, através da criação de um pseudo conselho municipal.

Tal «conselho municipal», criado pelos homens a quem o brigadeiro Corvacho confiou os destinos de uma autarquia de centenas de milhares de cidadãos, sendo uma tentativa de manipulação do aparelho do Estado por forças minoritárias, não nos traz nada de novo em relação aos métodos fascistas.

De facto, a pretensa integração da União dos Sindicatos do Porto (Intersindical) nos conselhos municipais era já um processo vigente no velho Estado Novo Corporativo, que designava tal articulação como «democracia orgânica».

Só que os militares camarários foram mais longe: além de criarem um «conselho municipal onde o não havia, como é o caso do Porto, além de o alargarem até aos limites do insólito, à custa de comissões e mais comissões, sem representatividade nem ligação com a gestão camarária, além de tudo isto, dizia, a criação aberrante desta comissão militar mais não representa do que uma construção anti-revolucionária.

De facto, quando se defende à participação do povo na construção da democracia (participação de todos os cidadãos e de todos os grupos sociais è políticos, mesmo que minoritários, como já sustentei neste hemiciclo), deve deixar-se bem claro que a regra básica do jogo democrático é da satisfação da vontade da maioria.

O respeito pela opinião das minorias não significa que se permita a essas minorias a manipulação do Poder, qualquer que seja o número de comissões que essas minorias possam formar para exercê-lo.

As leis - leis revolucionárias, mas democráticas terão de fixar as normas de apu parar.

Talvez apareçam as comissões de estudantes, de médicos, enfermeiros, caixeiros-viajantes, limpa-chaminés e amola-tesouras-e-navalhas (risos) que são profissões tão dignas como as outras.

Se os trabalhadores de Vila Nova de Famalicão, por fazerem parte de «comissões de trabalhadores» de empresas do Porto, vão intervir na vida desta Câmara, Câmara do Porto, onde os bombeiros teriam dois votos (um directo, outro indirecto); se os militares têm um voto a mais que os outros cidadãos o da representação dos ADUs nas câmaras, ou seja, o voto da farda, é caso para perguntar: que democracia é esta?

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Gomes.

Pausa.

O Sr. João Gomes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se fosse vivo, Amílcar Cabral completaria hoje 51 anos. Não fora, com efeito, o crime nefando desferido em Conakry em Janeiro de 1973, e o grande revolucionário estaria agora entre o seu povo, na primeira linha da governação do País, de cuja independência pode ser justamente considerado obreiro clarividente e destemido.

Esse acto horrendo, ocorrido na capital da República da Guiné, misto de selvajaria e de cego desespero, encontra-se ainda por esclarecer completamente. Mas não podem restar grandes dúvidas de que na sua base estão interesses inconfessáveis a que por certo não são indiferentes os próprios interesses do capitalismo e do colonialismo português!

Amílcar Cabral, herói da Guiné-Bissau, honra do continente negro, ficará na história do seu país e da África, pela grandeza do seu espírito, pela largueza da sua visão, pela constância dos seus propósitos e da sua acção. Dotado de penetrante inteligência, os seus escritos revelam a riqueza e fecundidade de um pensamento que se não limitou a assimilar o essencial das linhas forças dos teóricos da revolução e da luta de guerrilhas. Amílcar Cabral foi, ele próprio, autor de trabalhos valiosos que bem evidenciam a solidez de uma cultura, a capacidade de reflexão aprofundada, o realismo de um sentir amadurecido, um entranhado apego ao seu país e à imensa terra africana. De Amíl-