éramos capazes de ouvir a acusação, essa sim, de que éramos reaccionários ou de que éramos contra-revolucionários.

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

O Orador: - Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o nosso objectivo não é um objectivo de divisão nacional, mas um objectivo de convergência. Nós não desejamos que os portugueses se dividam entre si de forma irreconciliável, como inimigos. Nós não desejamos que se cavem fossos entre os portugueses, quando esses fossos são muitas vezes irreais e sem fundamento. Nós desejamos aprofundar, através do diálogo, através da democracia, através do livre debate político, a necessária conjuntura para que em Portugal possam existir instituições democráticas, porque a democracia funda-se necessariamente num consenso, e repito as palavras de um outro dirigente político, Álvaro Cunhal, que no seu livro O Radicalismo Pequeno-Burguês de Fachada Socialista, dizia o seguinte: "Com, tantos jogos de palavras, acabam por se ferir uns aos outros." Nesse texto ele citava os radicalistas verbalistas pequeno-burgueses, mas estas palavras, que "com este jogo de palavras ainda acabamos por nos magoar uns aos outros", "magoar", tem fundamento para toda a parte.

Eu desejava dizer que o marxismo é um método de análise, mas desejava também dizer que só um louco é que admite que o marxismo é uma panaceia universal. E desejava dizer também que a maneira como nós interpretamos muitas, vezes o marxismo é uma maneira nominalista, apesar das palavras usadas já pelo António Reis, é uma maneira perfeitamente dogmática e é, sobretudo, uma maneira que se funda na crença universal das palavras. Pensa-se que basta dizer que fulano de tal é burguês, que fulano de tal é antiburguês, que fulano de tal é revolucionário, e neste jogo perfeitamente delirante de palavras vamos nós aqui assim pensando como o general Kurson, que atravessava as fronteiras entre a índia e a China, vamos nós aqui pensando os destinos da Nação.

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

Aplausos.

O Orador: - Não se veja nestas palavras qualquer espécie de, crítica destrutiva em relação a esta Assembleia. Só pessoas mal-intencionadas é que podem ver na capacidade de crítica e de auto crítica qualquer intenção de desprestigiar o órgão mais alto deste país.

Nós somos todos ou fomos todos vítimas do fascismo, da incapacidade da base e das ausências de estruturas democráticas e e9tamos aqui também a fazer, devo dizer com dedicação, com firmeza e até com brilhantismo, o nosso aprendizado de democracia, ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -... mas acho que chegou a altura também de dizer claramente o seguinte: que não somos contra-revolucionários, que pôr o problema em termos de revolução e contra-revolução talvez seja certo em alguns momentos, mas não é certo nesta Assembleia; de um modo geral, a nossa preocupação tem sido procurar soluções de convergência, que queremos o socialismo, mas que querer o socialismo não nos obriga a repetir constantemente, como se se tratasse de um credo ou de uma jaculatória, que queremos o socialismo, porque querer o socialismo não é uma palavra mágica que modifica a realidade. É, sim, uma prática política constante e quotidiana, ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- ... e essa prática política é que permitirá corrigir os nossos erros e as nossas opções fundadas na ideologia pura, que nada tem a ver com qualquer análise científica da realidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desejaria que estas palavras fossem as últimas que tivesse de pronunciar nesta Assembleia sobre este assunto e que o diálogo que aqui se travasse começasse a travar-se sobre casos concretos, problemas concretos, em que as palavras sem sentido, cedessem lugar à análise da realidade.

É que as objurgatórias desnecessárias e as acusações estarão talvez certas, mas em determinados lugares que nunca existirão em Portugal, estamos todos de acordo, e que seriam os tribunais populares.

Tenho dito.

(O orador não reviu.)

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Pediu a palavra o Sr. Deputado Francisco Miguel. Pode fazê-lo como segunda intervenção ou como pedido de esclarecimento.

O Sr. Francisco Miguel (PCP): - É um pedido de esclarecimento. Eu pedia ao Sr. Deputado que esclarecesse se a sua ideia de unidade dos portugueses refere à unidade possível entre trabalhadores e capitalistas que nos exploraram,