"O embriologista é como um crítico de arte"

A capacidade de se maravilhar perante a beleza da vida é um elemento central da embriologia, na opinião de Scott Gilbert, biólogo do Swarthmore College (Pensilvânia, EUA), que proferiu uma conferência na sede da Federação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), ontem à tarde, em Lisboa.

Gilbert, que para além da sua formação em biologia do desenvolvimento também é especialista de religião e de história das ciências, é principalmente conhecido pelo seu livro de texto "Developmental Biology", considerado como a "Bíblia" na matéria.

Durante a conferência, intitulada "Olhando para o embrião: a estética visual e conceptual da embriologia", Gilbert disse que a noção de estética tem sido ignorada pela maioria dos historiadores e dos filósofos da ciência e é quase considerada tabu. No entanto, é um facto que as considerações estéticas são essenciais para perceber porque é que um cientista decide dedicar-se a um disciplina científica e não a outra ou porque é que se decide estudar um dado organismo ou sistema e não outro. "Os embriologistas têm conservado a capacidade de se maravilhar. Em muitos casos, o facto de uma pessoa se dedicar à embriologia tem a ver com o aspecto estético do embrião", salientou. "O embriologista observa o embrião da mesma maneira que o crítico de arte olha para um quadro". A estética da embriologia tem duas componentes, segundo Gilbert: uma componente puramente visual - que tem a ver com a emergência das formas, com a simetria, com a ordem e a estrutura - e uma componente conceptual, que, entre outras coisas, "celebra a diversidade e retira um imenso prazer da complexidade".

Gilbert também fez notar que muitos conhecidos embriologistas se interessaram pela estética japonesa e asiática em geral, pois esta, sendo baseada na noção de mudança e não de permanência, correspondia mais fortemente à sua sensibilidade. "A embriologia fala de transformação. No pensamento ocidental, a noção de mudança sempre foi considerada menos digna do que a noção de permanência".

Para Gilbert, foi o facto de a embriologia e a genética terem adoptado atitudes estéticas diferentes que impediu durante muito tempo a emergência de uma genética do desenvolvimento. "A genética era uma ciência dura, cheia de estatísticas e de medições. Celebrava a universalidade, a uniformidade subjacente das coisas, e frequentemente partia do princípio que tudo era simplicidade. Era reduccionista, considerando que o todo pode sempre ser explicado através da análise das suas partes. Privilegiava o ser". Por seu lado, a embriologia, para além de ser uma ciência da diversidade e da complexidade, da individualidade, "tinha uma visão organicista, na qual as partes definem o todo e o todo define as partes". E privilegiava os processos de transformação.

É bem sabido, com efeito, que uma célula embrionária de uma dada espécie só pode dar origem a um organismo da mesma espécie. Ao mesmo tempo, a certa altura do desenvolvimento, o tipo de tecido a que essa célula dará origem no organismo depende da posição que ela ocupa no embrião.

Recentemente, porém, essas atitudes começaram a sofrer uma saudável convergência, disse ainda Gilbert - através da estética da homologia, uma noção "que permite apreciar as diferenças quando elas são importantes e as semelhanças quando são elas que contam".

Voltando à ideia do embriologista enquanto crítico de arte, Gilbert fez notar que talvez fosse mais adequado equiparar o embriologista ao crítico de cinema, visto que a crítica de pintura incide principalmente sobre objectos estáticos. Tal como os embriões, "os filmes tem um objectivo final em cuja direcção se desenvolvem". O cineasta russo Eisenstein, por exemplo, falava da montagem dos seus filmes explicando que duas imagens podiam, ao serem justapostas, dar origem a uma terceira coisa, totalmente diferente das suas componentes iniciais. "Eisenstein poderia perfeitamente ter sido um biólogo do desenvolvimento!", diz Gilbert.