saída da crise?

Analisando os desenvolvimentos futuros do El Niño financeiro que vem assolando o mundo, um reputado especialista concluía há dias: "A única certeza é que tudo está incerto". O mesmo temos que dizer desde logo da actual tempestade político-financeira na Rússia. Escrevendo neste fim de semana - como estará a situação 5ª feira? Talvez nem os próprios actores in loco o saibam. Sublinhamos apenas alguns elementos relevantes.

As raízes do "caos que hoje governa a Rússia" (Ziuganov) são, a nosso ver, bem claras: a destrutiva contrarevolução capitalista iniciada ainda antes de 1991, acelerada quando Eltsine assumiu o poder; os sucessivos desastres do "forcing" neoliberal monetarista imposto à Rússia desde há quase uma década; uma omnipresente ingerência do imperialismo; um Poder pseudo-democrático que vem desgovernando o país; a catastrófica situação social e moral em que foi lançada a massa do povo russo. O presente colapso monetário-bolsista em Moscovo não é, essencialmente, uma mera "réplica" do sismo asiático.As "liberalização dos preços", "privatizações", orçamentos fictícios e outras muitas maningâncias financeiras, como os mirabolantes "títulos de dívida pública", etc., etc., - foram obra fundamentalmente dos muitos "experts" de Harvard, Chicago, FMI, BERD, etc., que pululam em Moscovo e que de facto determinaram a política económica da Rússia, em conluio com os "novos ricos". Mas afundando a economia real, a produção, em abismos que nem os exércitos de Hitler tinham conseguido na 2ª Guerra Mundial: a queda do PNB desde 1990 vai já em 50%!

O total do investimento directo produtivo estrangeiro, efectivo, na Rússia monta apenas à ridícula quantia de pouco mais de 10 mil milhões de dólares - enquanto as estimativas sobre a fuga ilícita de capitais para o estrangeiro vão até 400 mil milhões de dólares, só entre 1990 e 1995. A Rússia tem estado a saque. E todo o actual falatório sobre a moeda, a bolsa, etc., faz pouco sentido (para além do novo roubo feito ao povo com a desvalorização) quando se calcula que talvez 2/3 da actividade económica corrente é feita por "troca directa", sem intervenção monetária. Por isso faz todo o sentido que neste momento especialmente agudo de fracasso, nas conversações em curso para um eventual "acordo de governação", se fale com insistência na ideia que o próprio Chernomirdine expressou nestes termos: "A prioridade será a defesa dos interesses sociais da população (...) e, em segundo lugar, a política industrial do Estado, porque não se poderá fazer sair a Rússia da crise através de medidas unicamente monetaristas". Mas terá esta verdade básica força para vingar agora? A ver vamos.

Na política, Eltsine está de saída, ninguém duvida. Mas a que prazo e em que modalidades, talvez ninguém ainda saiba, nem ele. Seja como for, o "herói salvador" da Rússia, amigo e cúmplice mor do imperialismo, é já um cadáver adiado. Veremos se Clinton ainda vai acordar algo com ele, ou se prefere entender-se com Chernomirdine. Na cúpula da vida política movimentam-se forças heterogéneas, há "aproximações" antes impensáveis, desenham-se "saídas" para a crise aparentemente novas. A única coisa certa é que a correlação de forças está em mudança, e uma plataforma de possível convergência acabará por se fazer, porque o fracasso económico e político é tal que algo terá de ser feito. Os oligarcas buscam entender-se e desmultiplicam-se em contactos em todas as frentes. Mas a Duma acresceu o seu peso, e os comunistas também. As massas trabalhadoras estavam há meses mais activas na luta. As "almofadas" sociais esvaziam-se e o receio de explosão social é real.

Dia 30/8, Summers, secretário adjunto do Tesouro dos EUA, em referência ao "acordo" a gizar-se na Rússia e à visita de Clinton, disse: "Vamos ver o que vai sair daqui". Também eles não sabem. Mas, mais cedo do que tarde, os interesses do povo russo e da Rússia hão-de impôr a saída real da crise. — Carlos Aboim Inglez

«Avante!» Nº 1292 - 3.Set.98