O infindável drama dos deslocados
Poucos viram milícias, mas o medo leva muitos timorenses a abandonar as casas. Militares portugueses apelam à calma
João Pedro Fonseca
em Same
MEDO. A actividade das milícias leva muitos timorenses a abandonarem as suas casas. Tropas portuguesas atentas
A história está a repetir-se. Começou nos últimos dias um movimento de populações. Gente que foge com medo das milícias, mesmo que a grande maioria não tenha visto nada. Na terra dos rumores, um povo traumatizado reage de forma emotiva. Alas é agora o coração das milícias. Em volta está tudo em fuga. Same é o refúgio, onde estão os militares da PKS, zona de responsabilidade das tropas portuguesas.
De Díli a Same, atravessado o maior conjunto montanhoso da ilha, não se vê um militar português. É verdade que muitas povoações não estão junto à estrada e que os militares podem estar a actuar no mato, onde não são vistos. Mas para as populações não ver militares aumenta os receios.
Em Same estão já organizados vários locais de acolhimento de deslocados. São já cerca de oitocentos, uns em casa de familiares, outros em campos improvisados, e outros ainda junto ao campo de aviação porque aí têm espaço suficiente para os animais de criação que trouxeram.
O povo amedrontado chega a Same vindo de Alas, de Aituha, de Manos e de Lurin. Os funcionários da UNTAET e militares do PKS estão convencidos que a grande maioria das pessoas não viu nada. Só no povoado de Lurin é que se conseguiram depoimentos de pessoas que juraram ter visto milicianos e que estes lhes pediram comida.
Contam-se estórias de intimidação. Que os milicianos terão dito aos aldeões que deveriam fugir porque senão matavam todos. O povo, depois do que já sofreu, não fica para ver se é verdade.
Em Same o ambiente é tenso. As pessoas andam calmamente nas ruas mas percebe-se que a situação não é a melhor. As duas professoras portuguesas receiam que a situação piore.
De concreto não sabem nada mas o que lhes é permitido ver é que há uma população amedrontada. De uma turma de trinta alunos chegam a aparecer só cinco.
Alguns dizem que não foram porque não lhes foi permitido, em virtude da insegurança. O sistema de vigilância familiar, vinte e quatro horas, voltou a funcionar, como nos piores tempos.
Há mesmo um pelotão alargado de militares portugueses sedeado em Same, mas os receios das populações vão aumentando à medida que mais pessoas vão fugindo da zona de Alas, uma zona já muito castigada durante 1999 por uma das milícias mais sanguinárias: a Mahidi.
Não é difícil compreender que aquela gente, sabendo que andam grupos de milícias por ali sinta que é melhor fugir. São oito os grupos de milicianos identificados pelos militares portugueses, que insistem que a situação não é assim tão má.
Os militares continuam a fazer patrulhas no terreno e por várias vezes têm chegado a contacto visual com os homens. Ontem, garantia um militar, estiveram a cerca de cem metros de um grupo armado de quatro indivíduos, que acabou por se esconder num terreno acidentado e florestado.
A solução para este problema, na perspectiva dos militares portugueses, era insistir nas acções no terreno de forma a levar os homens a integrar-se, mas sabem que não é fácil e que pode levar muito tempo. Por outro lado, para acções violentas de caça ao homem seria necessário tomar medidas drásticas com prejuízos para as populações. Por exemplo, cortar estradas, bloquear o acesso de apoio alimentar, de médicos, de professores e as ONG ficavam impedidas de trabalhar.
Mas para uma acção destas tinha de ser alterado um mandato da Força de Manutenção da Paz de forma a permitir autorização para matar. Sem limitações. O que não acontece no mandato definido pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.