Um êxito, com algumas ironias
Guterres exaltou na AR os sucessos da presidência. A oposição aceitou o balanço, mas voltou a lembrar os interesses nacionais, a agricultura, o federalismo e as ausências do primeiro-ministro
FIM. Nem as críticas da oposição tiraram a evidente boa disposição de António Guterres (na bancada do Governo com Gama e Castro Caldas)
"Cumprimos o nosso dever. Estamos com a consciência tranquila." António Guterres deu assim o pontapé de saída para um debate de mais de quatro horas em que se passaram em revista os seis meses de presidência portuguesa da União Europeia (UE).
E curiosamente, a tão acidentada e minimizada cimeira euro-africana do Cairo acabou por ser outro dos pontos da agenda considerado "muito importante", só pelo facto de se ter realizado. Mas estas foram as excepções.
Na réplica, Durão Barroso começou por criticar, antes da presidência, o próprio discurso: "Devo dizer-lhe francamente que parecia mais um relatório técnico e burocrático de uma qualquer presidência... esperava hoje que o sr. primeiro-ministro nos dissesse se há ou não um processo de evolução de interesses que não são os nossos." O líder do PSD referia-se à muito mediatizada intervenção do ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Franz Fischler, que defendeu em Berlim uma federação para a Europa, baseada numa vanguarda de países. "Será que estamos na primeira linha da Europa abdicando de deixar a nossa marca?", perguntou. Guterres não perdoou. "O sr. deputado Durão Barroso trazia essa pergunta engatilhada e não ouviu o que eu disse. A sua observação vai contra aquilo que é reconhecido em toda a Europa. Que esta presidência deixou uma marca distintiva."
O pingue-pongue prosseguiria no mesmo tom com a intervenção do CDS/PP que, na voz de Sílvio Cervan, insistiu no "gosto" de Guterres pela presidência da União, alegadamente em detrimento dos interesses do País, notando que só depois de 20 minutos de discurso o primeiro-ministro falou de Portugal. O não levantamento ao embargo à carne de bovino portuguesa e a crise nas negociações da pescas foram os exemplos encontrados por Cervan para criticar o exercício português. As sanções à Áustria foram também trazidas ao plenário pelo deputado do PP, que perguntou directamente ao primeiro-ministro "que violações ao Tratado da UE fez o Estado austríaco nos últimos seis meses". Não resistiu ainda a acenar com declarações de Mário Soares (ao DN) em que o ex-presidente arrasou a presidência portuguesa e, sobretudo, mais subtilmente, António Guterres.
O primeiro-ministro não gostou e levantou-se não só para dizer que Cervan não teve graça nenhuma, mas também para afirmar, já mais sério, que o deputado popular "não faz a mínima ideia do esforço que é hoje assumir uma presidência da UE".
Quanto às sanções à Áustria, Guterres considerou que "o que está em causa é uma questão de princípios e de valores... Não podemos escolher os nossos vizinhos, mas felizmente podemos escolher os nossos amigos".
Nesta questão, Guterres contou com o apoio isolado de Luís Fazenda. "O aviso à Áustria de que não é aceitável a presença neofascista nos governos foi um imperativo. Lamentavelmente, depois de entrada de leão, preparam-se saídas de sendeiro", disse.
O PCP pôs o acento tónico na questão agrícola, criticando sobretudo o desequilíbrio na distribuição dos dinheiros da Política Agrícola Comum e a crise em que está mergulhado o sector.
Quatro horas depois, Jaime Gama recuperou a ironia que marcou o início do debate dizendo que, afinal, "Portugal presidiu, e não foi presidido durante a presidência da União Europeia".
Um hemiciclo com som de estádio
Palhaço! Não percebes nada disso! Sabes lá o que isso é! Hipócrita! Vai-te embora! Está mas é calado...! Não, não são os espectadores do Euro 2000 a reagir contra o árbitro. Não, não são palavras soltas num estádio cheio de gente. Mimos como estes, com os devidos assobios, apupos e pancadas nas mesas, chegam dos lugares mais obscuros das bancadas parlamentares. De deputados que raramente falam mas que, infelizmente, raramente estão calados. Deviam. Prestavam um (melhor) serviço ao País.