Contudo para orientar o meu espírito, em face dêste problema, com a maior sinceridade republicana, não precisei mesmo de entrar em detalhes numéricos, embora êles sejam muito elucidativos e corroborem o meu ponto de vista. Para nos inclinarmos para o sistema que mais convém aos interêsses do Estado, é suficiente não desconhecer e ter acompanhado o que se tem passado com a evolução das indústrias em Portugal, a orientação seguida pelos nossos industriais e que os grandes detentores das fortunas e das mais lucrativas indústrias estão desintegrados da vida colectiva da Nação, não desempenhando a alta e nobre função social que noutros países os potentados da indústria e da finança desempenham com a consciência das suas responsabilidades perante a Pátria e a humanidade. Em Portugal os industriais e os grandes capitalistas são profundamente egoístas; exploram o trabalho, o Estado, o povo consumidor e guardam avaramente o dinheiro ou depositam-no em Bancos estrangeiros, desfalcando a economia nacional. Se há excepções, elas apenas confirmam a regra. A actual Companhia dos Tabacos é um potentado financeiro: capital acumulado durante êstes anos de exploração do negócio dos tabacos. Em que se tem feito sentir a sua acção em obras de interêsse colectivo e patriótico? Quem poderá demonstrar que êsse potentado que se tem locupletado com a maior parte de um dos maiores rendimentos do Estado, tem tido iniciativas benéficas para a economia da Nação?
O mesmo podemos dizer de outros potentados financeiros e industriais do País.
E é nas mãos da finança e dos industriais divorciados da nossa vida colectiva que devemos entregar a mais lucrativa indústria, de maior rendimento fiscal?
Permita-me V. Exa. Sr. Presidente, e a Câmara que ou conduza o meu raciocínio de uma maneira simplista, abstraindo mesmo de quaisquer teorias ou princípios económicos, porque, o problema apesar de complexo pode ser apresentado de uma forma simples. Também não é difícil, seguindo teorias económicas, concluir que nas actuais circunstâncias não há outro caminho indicado ao Govêrno senão adoptar o regime de régie.
Em princípio, podemos formular a pregunta: É defensável o direito ao Estado de explorar, privativamente, uma indústria como a dos tabacos?
O Sr. Pinheiro Tôrres defendeu a doutrina do que o Estado não tem a função de criar riqueza. Para S. Exa. o Estado devo apenas dirigir, neutral e superiormente a vida económica da Nação, policiar e administrar justiça. E possível que noutras discussões encontremos S. Exa. a defender outros pontos de vista. S. Exa. é um espírito brilhante, é um artista, e os artistas comprazem-se muitas vezes no paradoxo.
Diz o Sr. Soares Branco no seu relatório que "não é próprio de qualquer Parlamento discutir teórica e doutrinàriamente um problema". Acrescenta depois o ilustre relator: "Mas é seu dever indeclinável escolher entre as doutrinas consagradas aquela que melhor permita uma aplicação prática no meio económico e social a que só dirige. E não pode o estudo do regime de exploração do uma indústria alhear-se da situação de facto criada e existente à data em que o novo sistema comece a vigorar".
O Sr. Pinheiro Tôrres pretendeu servir-se destas palavras para defender o monopólio privado. As interpretações que se dão às palavras são, muitas vezes, conforme as ilacções que se pretendem tirar.
Não é êsse o significado das palavras do ilustre relator. A situação de facto criada e existente é uma indústria e um comércio funcionando normalmente, perfeitamente experimentados, de grande e seguro rendimento; quatro fábricas pertencentes ao Estado com o material necessário para poderem fabricar todo o tabaco que só consome no País, um pessoal técnico muito adestrado e o Estado sem encargos financeiros com a Companhia concessionária. São estas as condições excepcionalmente vantajosas em que se encontra o Govêrno em face de tam importante problema financeiro, no termo do monopólio privado.
No dia 1 de Maio próximo, é obrigada a Companhia dos Tabacos a entregar ao Estado as quatro fábricas em plena laboração, com todo o material existente e com 800:000 quilogramas de tabaco manipulado, que o Estado lhe pagará nos termos