Governo ameaça castanha
A actividade do sector já conheceu melhores dias, quando a doença não abatia castanheiros, mas os produtores transmontanos não poupam críticas ao Ministério da Agricultura pela situação
Carlos Carvalho
Como o segredo é a alma do negócio, números e dinheiro são palavras tabu para os produtores de castanha do distrito de Bragança. Saber volumes de vendas ou o preço do saco ou do quilo do fruto é entrar num labirinto sem saída. "A castanha é como a bolsa. Tem anos de alta e anos de recessão." A concorrência é tão aguerrida que nenhum produtor autorizou ver o seu nome nas páginas do DN. Sabemos, apenas, que a produção e exportação de castanha tem um grande peso na economia transmontana, apesar de se tratar de uma actividade temporária, que dura cerca de trinta dias antes, durante e depois do São Martinho. "Cerca de 90 por cento das nossas exportações fazem-se para fora da União Europeia. Os restantes dez por cento destinam-se, fundamentalmente, a Espanha e França", assegura-nos um produtor de Bragança. Do país vizinho virá, em termos comunitários e internacionais, a principal concorrência. Que somente se parece fazer notar quando a qualidade da castanha se assemelha à transmontana. "Normalmente, eles têm mais quantidade", asseveram-nos. A criação de um certificação de denominação de origem poderá significar o passo decisivo na dignificação, qualidade e genuinidade da castanha de Trás-os-Montes.
Mas há espinhos a debelar. Este ano, a procura é bem superior à oferta. Desta vez, porém, não se equacionam os tradicionais problemas de escoamento dos produtos. As dificuldades surgem na origem, no castanheiro, assolado, nos últimos anos, por uma doença - a tinta -, que tem secado e obrigado ao abate de centenas de árvores.
Os produtores exigiram a intervenção no Ministério da Agricultura, mas a actuação governamental em nada melhorou a situação. "As árvores continuam a morrer porque a estratégia está errada. Em vez de os técnicos do ministério virem para o terreno tentar debelar a doença e preparar os agricultores para o combate à tinta, o Governo prefere plantar mais castanheiros, que saem dos viveiros já infectados", criticam.
Os produtores já não vão na conversa do dinheiro pelo dinheiro, mesmo que a fundo perdido. "Em vez de subsidiar o abate dos castanheiros, deviam comparticipar no tratamento da doença", defendem. "Há explorações reduzidas a um terço", avisam. Não espantam, portanto, as quebras na produção. Valha o facto de este ano a qualidade da castanha ser das melhores dos últimos tempos. As reivindicações não se ficam por aqui. Nos últimos dez anos, os produtores de castanhas de Bragança, Chaves e Valpaços obtinham os certificados de origem, fitossanitários e fitopatológicos nos serviços competentes do Ministério da Agricultura sedeados em Mirandela. Um local centralizado, que diminuía, consideravelmente, os custos burocráticos da actividade. Hoje, segundo denúncia dos produtores, o actual Governo decidiu dar um passo atrás, transferindo aqueles serviços para Vila Real. "Já reparou no dinheiro que gastámos para alugar um táxi para ir à pressa a Vila Real levantar os certificados?"
A vindima deste ano, estimada em cerca de seis milhões de hectolitros, faz advinhar um vinho de excelente qualidade. Mas, se o vinho é bom e se aconselha os mais "cautelosos" a guardarem algum deste precioso nectar, nem todas as regiões vitivinícolas tiveram a mesma sorte. Designadamente na zona dos verdes e dos vinhos do Douro o clima destruiu parte das vindimas, mas a produção situou-se na média do decénio, tal como previu o Instituto do Vinho e da Vinha.
Com a produção assegurou-se, e bem, as necessidades de consumo interno e assegurou-se a hipótese de satisfazer alguma da exportação para mercados de qualidade. Quanto à água-pé, por excelência a bebida de eleição em época de S. Martinho, cumpre-se a regra: em bom ano de vinho, tem-se sempre bom ano de água-pé.