%joão bonifácio
Por muito grande que seja o génio dos Neptunes em transformar objectos desprezíveis em exercícios de minúcia e experimentação, a verdade é que o momento em que eles se tornam um caso à parte é quando mudam o nome para N*E*R*D. O r'n'b acetinado das "fashionable lapdancers" dá lugar a uma viscosidade negra, a algo de sujo, de primário na lascívia, como se cada canção fosse um tratado de domínio da libido. Talvez pela maior presença das guitarras, talvez pelo balanço da voz de Pharrell Williams (entre o áspero e o falsete - o homem sabe-a toda), há algo de mais denso nos N*E*R*D do que em qualquer das tarefas assinadas pelos Neptunes.
Da canção clássica branca à música negra, eles engoliram tudo: George Clinton, James Brown, Prince, Michael Jackson, os Love, a noção de construção por camadas, a pop britânica, a depuração do método brian wilsoniano de colagem de várias canções. Em "Fly or Die" há tudo, mas mesmo tudo, que fez a história da música popular a saltar na cabeça destes putos negros. É que com os N*E*R*D somos todos negros.
Exemplo: aquela que é desde já uma das grandes canções pop (mesmo que seja hip-hop) deste ano, "Thrasher" e que ainda por cima começa com um "riff" pilhado aos Queens of The Stone Age. Há um "ooooooh", sai a guitarra, entra pianada e a voz de Pharrell nos cimos da "coolness" sensual negra, cordas, volta o "riff", coros, a coisa acalma, há uma guitarra com um "eyeliner" a realçar apenas o necessário, e depois "riff" de novo e "ooooh". É mesmo questão para dizer: "oh" - e façam o favor de lhe pôr ponto de exclamação, sim?
É preciso ver que o talento destes tipos resiste até aos convidados: os Good Charlotte (Deus nos livre) e o Jimi Hendrix dos parolos, Lenny Kravitz. Em "Maybe", nota-se a guitarra de Kravitz por ali, e para sermos honestos aquilo até parece Kravitz, com a diferença de que Pharrell sabe sempre o que fazer com a voz. E o que poderia ser uma canção ridícula torna-se um supremo exercício de caminhar na corda bamba do manhoso irresistível.
Há pelo menos mais meia dúzia de temas em estado de graça (e o resto é apenas muito bom), feitos de uma sensualidade viscosa, impregnados de sexo, de linhas de baixo que deslizam e arrepiam a espinha, de guitarras que herdam do funk a capacidade de indução espasmódica da anca. "Fly or die" é obra de laboratório construída com extrema perícia: a cada audição há pequenos sons que sobem à tona, um assobio aqui, um telefone acolá.
"Jump" tem os tendões tensos e a falsa fúria das ruas. Depois, como se fosse normal, há órgãos que parecem saídos de um disco dos Tangerine Dream - e o refrão, perfeito, com coros harmoniosos. E o single de estreia, "She wants to move", obra-prima da predação de corpos ("her ass is a spaceship I wanna ride" - isto é poesia!), parece saído de um disco dos Love e atirado para uma nebulosa de fluidos genitais: batida marcial, voz sibilada, piano, guitarra glam (dito assim não faz sentido, pois não?). São dois acordes e muita tusa de pura pop em subtil ebulição.
Ocorre a palavra "cabaz". É entrar e pilhar, caro leitor, entrar e pilhar, mas para isso há que saber em que prateleira procurar. "Don't worry about it" (magnífica) lambe os calcanhares de Prince (o falsete, o maravilhoso falsete...), por todo o lado Sly volta com a família da pedra (que andarão a fumar estes moços?), há pop britânica a ruminar por aí, alquimia digital. Diga-se: isto está (mais uma vez) milhas acima do que os Neptunes produzem para outros. É sujo, é viscoso, é sexual (e não apenas sensual). Pharrell Williams diz: "just fuck you from behind", Pharrell Williams discorre acerca de "backseat love" (pois...), fala da sua vida de estrela. Chamem-lhe titilanço se quiserem, e não andarão longe da verdade...
Não há meio-termo: é pegar ou largar, a viscosidade sensual de Pharrell Williams e Chad Hugo. Pegar ou largar.
Fly or die
$$$$
o triunfo de uma geração
nostalgia do desenho animado
a pedalada de Madame Souza
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"Kenai e Koda"
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a força do palco em vanessa da Mata