Abel Xavier e o rigor
O que terá levado a UEFA a encurtar as suspensões de Paulo Bento e Nuno Gomes e a manter inalterada a suspensão de Abel Xavier que até já era a maior das três?
A resposta só poderá ser dada pela própria UEFA, em comunicado que talvez já seja conhecido quando esta crónica surgir em público (terça-feira, como sempre) mas que ainda desconheço neste momento em que escrevo. E é desejável e de esperar que esse comunicado possa ser (como deve) bem mais elucidativo que aquele que deu conta das punições iniciais, pois então faltou explicitar com clareza as razões pelas quais Abel Xavier começou logo por ser o mais duramente punido e, agora, alguns extractos (em O Jogo) do faxe enviado pela UEFA aos promotores do recurso (jogadores, seus clubes e advogados e FPF) foram interessantes e algo permitiram entender, sem dúvida, mas não puderam fazer inteira luz sobre a aparente falta de coerência do Júri de Apelo.
Sabe-se, no entanto, que todos os três casos foram analisados em simultâneo, o que obriga a concluir que o de Abel Xavier voltou a ser considerado o mais grave. Tanto ou tão pouco que o respectivo castigo ficou ainda mais distante do aplicado aos dois colegas também punidos. E, sendo impensável que órgãos altamente responsáveis tomem estas e outras importantes decisões sem grande ponderação e bom senso ou por força das tais razões obscuras que mentes doentias não se cansam de inventar e invocar, torna-se ou parece evidente que o Júri de Apelo decidiu em face de entender que, naquele fatídico momento do histórico Portugal-França, Abel Xavier falhou ao não reconhecer (de imediato) a existência do penalty que acabara de cometer (honesta atitude que travaria os impulsos dos companheiros de equipa mais exaltados) e, pior que isso, voltou a falhar no modo como contribuiu para o deplorável sururu com o seu próprio comportamento perante a equipa de arbitragem.
Sei que corro o risco de errar, antecipando-me ao comunicado da UEFA. Bem mais cómodo e seguro seria aguardá-lo. Mas não vejo alternativa na decisão do Júri de Apelo que por alguma coisa só no respeitante a Abel Xavier coincidiu com o que fora decidido pela Comissão de Disciplina e Controlo. Obviamente, nada a ver com o concreto cometimento do penalty (pois, aí, apenas o árbitro errou, ao não exibir o cartãozinho vermelho) mas sim com tudo o que veio depois. E, não havendo claras diferenças entre o que então fez Abel Xavier e o que então fizeram Nuno Gomes e Paulo Bento (pelo menos, dentro do campo felizmente as únicas imagens consideradas e analisadas), só resta o que resta, o óbvio falta de coragem (até hoje, aliás) e com a agravante de incendiar os colegas e de com eles molestar quem tinha a razão pelo seu lado.
Lamento. Não apenas o sucedido (no jogo) mas também as suas consequências. Sobretudo em relação a Abel Xavier que, no entanto, não tem razão ao dizer que a UEFA esqueceu os prejuízos que a punição lhe causa, gorando a perspectiva de transferência para um bem cotado clube europeu. Era ele próprio quem devia ter-se lembrado disso no momento em que fez o que fez. Mas a questão levantada em relação aos clubes (no recurso) é pertinente, pois não faz sentido que também eles sofram os efeitos do que de errado aconteça ou possa acontecer nas selecções nacionais.
De qualquer modo, fica a lição.
Do respeito pela disciplina e do exercício do rigor. E este é um tema que, no futebol português, tem grande actualidade e enorme importância, pois as competições oficiais já estão aí à porta e, pelo andar da carruagem, a antevisão não pode ser risonha.
Refiro-me aos jogos particulares até agora realizados. Nalguns deles, rudeza e mais rudeza, quando não coisa pior. Dizem os treinadores que é bom. Até nos treinos entre colegas de clube ou mesmo de equipa. Não me parece (de todo) mas é lá com eles. Não me meto nisso. Mas há o outro lado: a arbitragem. E pergunto: nos c asos de excessos deve haver rigor ou deve deixar-se andar por ser jogo considerado (curiosamente) amigável?
Houve das duas coisas. Rigor e falta de rigor. Pareceu que tudo dependeu do critério pessoal de cada árbitro. E não creio que esteja certo. Mesmo nos jogos particulares será conveniente uniformizar-se o caminho. Mas também reconheço que não é muito fácil. Pelo menos, fácil de entender quem comenta ou comentou o percorrido até agora. Criticou-se o árbitro por ser rigoroso e criticou-se o árbitro por o não ser. E, assim, não há árbitro que resista nem quem consiga perceber o que, afinal, se pretende...