Jornal americano admite "falhas" na história explosiva De como a CIA não viciou os negros no "crack"

O director do "San Jose Mercury News", um jornal diário da Califórnia, escreveu no domingo um longo editorial a reconhecer que a polémica série de artigos sobre a implicação da CIA na disseminação de "crack" nas comunidades negras de Los Angeles tinha várias "conclusões falsas".

A 18 de Agosto do ano passado, a manchete do "Mercury News" foi "Praga do "crack" tem origem na guerra da Nicarágua" e, em subtítulo, explicava-se que nos anos 80 a CIA decidira injectar droga nos bairros negros de Los Angeles para, com os lucros, aumentar o financiamento americano aos "contras", os guerrilheiros que combatiam o então Governo comunista.

A história, explosiva, publicada no jornal durante semanas e na Internet, caiu como uma bomba na comunidade negra norte-americana, passou a ser referida por vários políticos negros, citada por líderes comunitários como prova de que há um "plano dos brancos para destruir os negros", transformou uma congressista de Los Angeles, a democrata Maxine Waters, numa porta-voz dos críticos da CIA e desencadeou várias investigações federais, uma das quais da própria CIA.

Na altura da publicação, o director do jornal, Jerry Ceppos, defendeu a série (chamada "Dark Alliance", "Aliança Negra", e assinada pelo jornalista Gary Webb) dizendo que "a descoberta-chave de que pessoas associadas à CIA venderam enormes quantidades de cocaína não está em causa - essa é a beleza desta série".

Mas, perante a intensa controvérsia nacional, no Outono, Ceppos acabou por dar ordens para que a história fosse investigada: pôs três jornalistas a analisá-la a tempo inteiro, supervisionados por vários editores. Passaram-se meses, mas Ceppos afastou-se inesperadamente do jornal para ser operado a um cancro. Agora, ao voltar, a equipa apresentou o relatório da investigação e, na sexta-feira, Ceppos convocou uma reunião da redacção. Perante um grupo de mais de 100 jornalistas, apresentou as conclusões do estudo e anunciou que ia publicar um editorial.

Segundo o "New York Times", alguns jornalistas insistiram para que o texto fosse publicado na primeira página e não na secção de editoriais, outros quiseram saber que "castigo disciplinar" Gary Webb receberia, e outros se o jornalista continuaria no jornal. "Isso ainda está por determinar", disse Ceppos.

No editorial, Ceppos escreve que a série tem várias "falhas". Uma das principais acusações era a de que dois traficantes de droga da Nicarágua com ligações à CIA, Oscar Danilo Blandon e Ricky Donnell Ross, que está a ser julgado por tráfico de droga e enfrenta prisão perpétua, iniciaram a venda de "crack" nos Estados Unidos injectando enormes quantidades do produto na zona negra de Los Angeles nos anos 80. O objectivo, escreveu o autor, era ajudar a CIA a financiar os "contras".

Mas agora, nesta autocrítica muito invulgar, o director do "Mercury News" escreveu: "Apesar de membros do núcleo da droga se terem encontrado com líderes dos "contras" pagos pela CIA e de Webb [o jornalista] acreditar que havia uma relação muito estreita entre eles e a CIA, penso que nós não tínhamos provas de que a chefia da CIA tinha conhecimento dessa relação. Penso que parte do nosso contrato com os nossos leitores é sermos tão claros em relação ao que sabemos como em relação ao que não sabemos."

Ceppos dá exemplos do que foi omitido e das conclusões não fundamentadas: a série relata que os dois traficantes foram "a força central da epidemia de "crack" nos EUA", quando as raízes da disseminação "são muito mais difusas e complexas"; que Gary Webb não incluiu o facto de Blandon ter dito que em 1982 deixara de enviar os lucros da venda de droga para os "contras" e que os "milhões de dólares" que os traficantes teriam enviado "era apenas uma estimativa".

Um porta-voz da CIA, Mark Mansfield, disse na segunda-feira que o inspector-geral da agência continuava a investigar a acusação do "Mercury News", mas que "é gratificante saber que um grande segmento dos "media", incluindo o próprio "San Jose Mercury News", fez uma análise séria e objectiva de como a história foi construída e relatada".

Bárbara Reis, em Nova Iorque