Carolino Monteiro

E que fazemos agora à cegonha?

A ciência avança e avançará sempre. Em todas as áreas existem progressos mais rápidos ou mais lentos, como todo o processo que envolve experimentação. E, a par deles, existe sempre um conjunto de cientistas, filósofos, religiosos, eticistas e algum público que acompanha e discute tais avanços. Às vezes, contudo, sem a melhor e mais precisa informação.

Também a clonagem, como processo de experimentação, tem tido os seus progressos assinaláveis nos últimos 30 anos, com trabalho notável em rãs, e, se falarmos em bactérias, há que ter sempre presente a investigação que levou, por clonagem de um gene humano, a existirem destes microrganismos a produzir uma molécula de importantíssimo valor para os humanos: a insulina.

Chegou a vez da clonagem em mamíferos, há um ano, com a criação da Dolly. Grande celeuma. Má informação do público por parte dos cientistas e, assim, espaço aberto para o fantástico, o medo, a ficção e, pior que tudo, o seu aproveitamento (consciente ou inconscientemente?) para a manutenção de tabus.

Chega a Polly, por clonagem de um núcleo já recombinante, isto é, portador de um gene humano produtor de um factor de coagulação, imprescindível para muitos hemofílicos. Ninguém lhe ligou importância talvez, quem sabe, por ser tão útil.

Mas chegou a vez do homem. E sem qualquer rigoroso esclarecimento por cientistas que entendam do assunto, nomeadamente geneticistas que tenham discussão internacional e regras de funcionamento por si, na globalidade, aceites, o assunto caiu na praça pública. E caiu fulminado por comentários e argumentos que, a meu ver, infelizmente, nada informaram e nada clarificaram. E dei conta que, por essa altura, até passaram uns desenhos animados numa estação televisiva, que envolviam clones humanos e um "cientista louco e mau". Óptimo, num momento quente, de pouca informação e clarificação de qualidade.

Mas, relativamente à clonagem de humanos, ter-se-á de dividir o assunto em três pontos.

Primeiro, a chamada "clonagem de um ser total". Não tem, a meu ver, qualquer interesse nem qualquer razão de existir. Mas há que elucidar. Esse indivíduo (como a Dolly) nunca será totalmente igual ao seu dador de património genético nuclear. Pois há um outro património genético, o mitocondrial, que é sempre da célula receptora. Por isso, a questão de igualdade não é real. E, adicionalmente, dois seres, por muito iguais que sejam, como os gémeos "iguais", são sempre, como seres vivos, indivíduos distintos, pois terão padrões sociais e de educação diferentes, o que fará sempre deles dois cidadãos únicos.

Em segundo lugar, há que ver a importância da clonagem, mesmo a humana, para compreendermos como são alguns mecanismos embrionários e de desenvolvimento. E, ainda, quais são os genes envolvidos em determinadas etapas de desenvolvimento, para se compreenderem também as causas de determinadas doenças e anomalias genéticas. Teremos os genes candidatos e teremos, assim, informação complementar àquela que vamos conseguindo obter com os projectos de conhecimento do genoma, nomeadamente o humano.

Em terceiro, há que ver as eventuais vantagens de ser possível o desenvolvimento, em mamíferos, de determinados órgãos humanos, para transplante, que contenham um património geneticamente modificado de forma a não criar rejeições, ou um património genético o mais compatível possível com o do eventual receptor.

Se a tecnologia o permitir, haverá publicamente uma solicitação para tal. Acontecerá e, a par dela, continuará a existir sempre um conjunto de cientistas, filósofos, religiosos, eticistas e algum público que acompanha e discute tais avanços. E, talvez, uma vez mais, sem a melhor e mais precisa informação.

Antes do ponto final, há que fazer um comentário: estes avanços científicos nada têm a ver com as declarações de Richard Seed, que quer abrir uma clínica de reprodução medicamente assistida, ou a do médico sul-africano que talvez também venha a abrir uma. Não precisam de pagar publicidade, pois essa foi já feita de uma forma espectacular e a baixo custo.