16 Diário da Câmara dos Deputados
Portugal na posse da indústria particular era trigo nacional, pois essa indústria vê-se agora agravada pela superior qualidade do trigo importado.
E justo que o Estado seja concorrente a uma indústria a quem vai cobrar uma grande parte das suas contribuições?
Mas então o que é isto? Que trabalho é êste?
E é a indústria particular, que tem capitais de que paga juros, que tem empregados e maquinismos que lhe acarretam encargos grandes, que tem compromissos sem nome com a aquisição de trigo: que tem de pagar contribuições pesadíssimas - e o Sr. Ministro das Finanças sabe bem quantos milhares do contos paga a indústria moageira - e é a indústria particular, repito, que se vê prejudicada por um estabelecimento do Estado, que não paga contribuições, que tem a mão de obra quási do graça, que se vê assim agravada!
Por êste modo defrauda-se o próprio Estado, obrigando muitas indústrias a fechar as suas portas, fazendo com que deixem de entrar nos cofres do Tesouro importantes verbas resultantes dos impostos que sôbre elas são lançados. Esta concorrência é verdadeiramente vergonhosa.
Eu não sei se V. Exas. sabem que estava estabelecido um diagrama, que era de 52 quilogramas de primeira para 26 de segunda. Ha aqui lavradores, homens que conhecem, portanto, o que é trigo e que sabem que no passado ano cerealífero a colheita, foi baixíssima em geral. l Como é que se pode fazer em Dezembro, depois dum período do humidade grande, uma extracção de 78? A moagem particular não pode fazê-lo. O povo, o desgraçado que tem fome, nem êsse pode comer o pão de segunda.
A indústria particular era obrigada assim a um diagrama sem poder ter colocação para parte da sua farinha. Mas a Manutenção Militar tinha colocação corta para esta farinha. Tem um armazém infalível, onde pode metê-la sem que haja qualquer direito para repontar: é a barriga do soldado. E o desgraçado soldado ou tem de levar êsse pão intragável; e então gasta as poucas economias que consegue com o sen trabalho para obter outro, ou escreve do quartel, todos os dias, aos seus irmãos, aos pais que deixou em casa, arrancando-lhes um bocado do pão da sua boca, para assim poder comer qualquer cousa que o alimente de íorma razoável. E consente-se nisto! E possível que em Portugal, que quere estar à altura das nações civilizadas, que está (ao que parece) para cá de Marrocos, se dê a um soldado, cujo primeito dever é a disciplina, um incentivo cotidiano de indisciplina, como é êste?
Eu tenho aqui um exemplar curioso. Está aqui a gritar há mais de um mês. Depois de lhe tirar uma abundante vegetação que o cobria, ainda se apresenta como V. Exas. vêem.
(Mostra um pão).
Pausa.
E êste o pão do soldado! Eis o grande fruto da Manutenção Militar e que a indústria particular não pode consumir!
Mas a Manutenção Militar importa, e importa à vontade, o que quiser, porque pode importar.
Àparte do Sr. Pires Monteiro que não se ouviu.
O Orador: - Para demonstrar a V. Exa., visto que está receoso de que a aparência que êste pão tem seja dos anos, para demonstrar a verdade das minhas afirmações, vou ler à Câmara a análise feita num estabelecimento que deve merecer todo o crédito, análise feita por ordem do próprio Ministério da Guerra, e que, segundo me consta, lá não existe. A análise que vou ler foi feita a requerimento dum oficial que se indignou contra isto, que fez a devida participação para o Ministério da Guerra, e em virtude da qual foi feita essa análise, do que tenho aqui urna cópia.
Leu.
Não compreendo como, tendo ido esta análise para o Ministério da Guerra, de Já desaparecesse sem que se tomassem quaisquer medidas sôbre êsse facto!
O Sr. Ministro da Guerra (José de Mascarenhas): - As minhas mãos não chegou.
O Orador: - Faço a justiça do acreditar que V. Exa. não tivesse conhecimento dêste caso.