A maioria dos produtores e realizadores presentes no MAT 96 queixaram-se da falta de atenção e de meios que as televisões dão ao documentário e à reportagem sobre a natureza. Mas o MAT 96 provou que, como na natureza, o instinto de sobrevivência supera grande parte das dificuldades.

Dos quase 50 filmes em concurso no MAT 96, houve alguns que se destacaram em certas categorias.

Por exemplo, Mar de Crença, da Televisão de Moçambique, destacou-se na categoria dos milagres de produção.

Juma Idrisse, o realizador, disse que o documentário - que fala de superstições relacionadas com o mar - custou cerca de 70 contos.

Sendo que Mar de Crença falha exactamente no que não custava dinheiro: na informação sobre os rituais que mostra.

Vemos duas elaboradas cerimónias à beira-mar e à beira-Maputo, uma aparentemente um exorcismo, outra uma qualquer iniciação.

Mas o filme limita-se a dar as imagens, aliás bastante boas. É falado em crioulo e legendado em português - e, a avaliar pelas legendas, o português já começou a esboroar-se em Moçambique. Com o prémio do MAT, Idrisse poderá fazer mais seis filmes como este.

O Mar da Sardina, da Televisión de Galicia, marcou pontos na categoria «Assuntos de que não queremos saber a não ser que o filme seja bastante bom».

O assunto é a pesca da sardinha nas costas da Galiza.

Um assunto palpitante, decerto, mas não imediatamente para todos os espectadores.

Mas o filme de Ferran Llagostera fez o melhor para nos interessar.

Pôs a pesca da sardinha no contexto histórico, apresentando-a como motivo de intrigas palacianas e conflitos sociais, e berço de técnicas de pesca, e de conservação, avançadíssimas, além de artesanais e artísticas. Enfim, faz da sardinha quase um peixe renascentista.

De qualquer modo, as qualidades de O Mar da Sardina são as qualidades básicas: uma boa história; excelente utilização dos gráficos e dos mapas; duas ou três curtas cenas com actores em roupas de época e empunhando fotogénicas tochas, só para dar o cheiro do século XVIII; e uma noção clara de que um relato histórico, para poder sair da atmosfera rarefeita dos especialistas, necessita da construção dramática.

Tem uma sequência na praia da Torreira, perto de Aveiro - onde se vê os pescadores na faina utilizando técnicas comuns no século XVII na Galiza, e hoje desaparecidas, excepto ali, como o uso de juntas de bois para puxar as redes: «a Torreira parece uma gravura do século XVII», diz o texto em off - que é o melhor pedaço de filme visto em todo o MAT.

Também houve filmes que não se percebia o que estavam a fazer num festival de documentários e reportagens sobre o mar.

Por exemplo, Innovators-Winds of Change, da inglesa Border Television, é uma jeremíada ecologista sobre o efeito de estufa.

Parece um filme promocional - isto é, esgoelado e alarmista - do Greenpeace.

Depois, não tem interesse nenhum. Depois, é uma porcaria.

Depois, é de tal modo mau que nos fez suspirar melancolicamente por outra reportagem sobre a pesca do atum.

O filme fala das ameaças ao planeta e é uma ameaça às plateias; fala do efeito de estufa, mas tem, nas plateias, um efeito de estucha.

Outro filme perdido foi o suíço As Estradas do Reno, que trata de canais, barcaças e outras coisas assim.

O tom é forense, o off parece descrever mazelas num cadáver.

Foram 50 minutos de autocelebração germano-suíça das respectivas auto-estradas aquáticas. Foram 50 minutos de duração real, mas o triplo de duração emocional.

Une Saison en Enfer, de Yannick Charles e Denis Bassompierre, da France 3, o vencedor do Açor de Ouro para a melhor reportagem, é um modelo do filme de aventuras nos mares.

Entre a Escócia e as ilhas Faroe, nas semanas mais medonhas do Inverno, há pequenos grupos de marinheiros-pescadores que enfrentam as águas do Atlântico Norte e ondas de vários metros de altura.

Há uns meses, foi a vez de uma equipa da France 3 fazer a experiência. O resultado, dramático, esmagador, foi Une Saison en Enfer - um filme cuja justiça do prémio nem o advogado do Diabo conseguiria discutir.

Nuno Henrique Luz