Boinas verdes vão a caminho de Timor
De "Os Lusíadas" extraíram o lema. "Diversos céus e terras temos visto". São os pára-quedistas, quase sempre os primeiros a chegar aos cenários de guerra. Só desde 1994 estão integrados no Exército, o ramo em destaque neste Dia das Forças Armadas, mas estarão hoje em maioria na cerimónia de Lamego, onde receberão o estandarte nacional das mãos de Jorge Sampaio. Motivo: está prestes a partir para Timor-Leste o 2.º Batalhão de Infantaria Pára-Quedista, que vai render as tropas portuguesas há seis meses no território em missão de manutenção da paz.
Baseados na Área Militar de S. Jacinto, em Ovar, os cerca de 700 homens do batalhão já receberam fardas e equipamentos para a comissão de meio ano no outro lado do Mundo. Ensaiaram, também, todas as movimentações para as comemorações de hoje, em que marcharão cantando em uníssono "Pátria mãe". Quase todos têm a Bósnia no pêlo e, além dos pára-quedistas, foi integrada no pelotão uma companhia de fuzileiros e um destacamento de Engenharia, estes por caber também aos militares ajudar à reconstrução do martirizado futuro país independente.
Camaradagem emblemática
Vão em três levas: 7, 14 e 21 de Agosto. Apesar de serem já rotinados em missões de manutenção de paz, tiveram preparação específica para melhor se adaptarem à realidade timorense, particularmente no que respeita às condições de sanidade e à morfologia muito acidentada do terreno. Todos eles são voluntários e, aparentemente, alegram-se com a missão em perspectiva. Apesar de quererem encarar os factos da perspectiva militar, não são alheios ao sentimento colectivo que o sucedido em Timor-Leste espoletou nos portugueses.
Ao que tudo indica, os pára-quedistas são a prova de que algo vai bem nas Forças Armadas, mantendo intacta uma mística de camaradagem algo corporativa, que até junto da sociedade civil é conhecida. E orgulham-se do que têm feito pelas populações, particularmente nos Balcãs.
Carlos Medeiros, cabo adjunto, criou amizades na Bósnia, entre sérvios e muçulmanos. Ainda mantém contacto com habitantes locais, seja por escrito ou por telefone. Tudo porque eles gostaram dos nossos militares.
"Isso tem a ver com o modo de ser dos portugueses. Às vezes, dávamos um biscoito a um miúdo, e os pais estavam a ver da janela. Depois, iam agradecer", conta este praça do Peso da Régua, que aposta em repetir a experiência: "Espero que consigamos criar o mesmo ambiente em Timor. A gente vai para dar o máximo".
"Já conheço algumas coisas", diz o primeiro cabo Artur Costa. Pudera! Desde que é pára-quedista, já teve três comissões na Bósnia. Parte para Timor, portanto, perfeitamente descontraído e "entusiasmado". Só não totalmente descontraído, pois sabe que a lei limita o número de contratos, pelo que terá de voltar à vida civil dentro de três anos.
"Os portugueses dão-se bem em qualquer lado", afirma. E recorda a Bósnia com um brilho especial nos olhos: "Muitos choraram com a nossa partida".
E destaca o seu caso pessoal: "Como voltei duas vezes, fui encontrar pessoas que se lembravam do meu nome. Isso é algo que me realiza pessoalmente".
Sobre Timor, diz que "Portugal tem o dever de ajudar". "Vamos lidar com um povo que, de certa maneira, tem a ver connosco", diz, salientando que a circunstância de se falar lá Português, apesar de os mais novos não o fazerem, "facilita muito".
Portugal no mapa
Menos optimista está o cabo ajudante Álvaro Ribeiro. Comparando Timor com a Bósnia, teme que a menor identificação dos timorenses com a Europa ocidental possa dificultar as coisas: "Em Timor, se calhar, nem sabem localizar Portugal no mapa".
Acompanhou o drama timorense pela televisão, quando estava na Bósnia. "A gente preocupa-se. Também somos cidadãos", salienta. E justifica a especial atenção que tudo isto motivou no seio das tropas: "«O esforço da nossa população dizia-nos respeito, até porque sabíamos que, mais tarde ou mais cedo, teríamos de ir para lá".