Ir buscar à prisão o que faltou lá fora

"Pede-se muito à prisão, sobretudo aquilo que a família e a sociedade não deram". Conceição Santos, directora do Estabelecimento Prisional de Custóias, conta histórias de primeiras visitas ao dentista ou ao oftalmologista já em idade adiantada. E, com mais orgulho, refere o início de uma carreira profissional, que tem garantido a muitos reclusos o começo de uma nova vida e a não reincidência no crime.

Naquela prisão nortenha, o curso de Talha e Embutidos é dos mais concorridos, devido à fácil empregabilidade na região.

Nas oficinas da cadeia, os reclusos aprendem a conhecer as diferentes madeiras. Com a prática, das suas mãos começam a sair verdadeiras obras de arte, fruto da engenhosa combinação de raiz de nogueira com mogno e pau santo, em tonalidades diversas.

João tem 30 anos e está preso há quatro. Fora das grades, era afinador de máquinas circulares. A frequência do curso de Talha é uma experiência nova e acredita que poderá vir a seguir a profissão.

"É um trabalho bonito e que parece que está a acabar", disse.

Ao lado, o colega Joaquim, de 40 anos e preso há 10, confessou que descobriu na prisão o gosto pela madeira.

Das suas mãos saía um trabalho de muita paciência: um "pass-partout" todo em talha manual. Considerou, contudo, a arte como uma excelente ocupação para os seus tempos livres, pois, quando sair da prisão, pretende, voltar a ser talhante. Reconheceu, no entanto, que para muitos dos seus colegas é uma boa oportunidade de carreira.

Por seu turno, Manuel trabalha na oficina automóvel do Estabelecimento Prisional de Custóias. Antes de entrar para a prisão - o que aconteceu há mais de três anos -começou por trabalhar na construção civil e, depois, empregou-se como motorista de pesados e ajudante de mecânico.

No aljube, candidatou-se a um curso profissionalizante de Mecânica Automóvel e, mal o concluiu, conseguiu empregar-se na oficina do estabelecimento prisional, juntamente com outros três colegas de curso.

"Gostei muito do curso, pois aprendi a conhecer a fundo o funcionamento de um automóvel e quando sair daqui já tenho um lugar para trabalhar", referiu.

Boa colocação

Carlos é motorista de táxi de profissão e está em Custóias de passagem não sabe bem para onde, já que está em prisão preventiva.

Mesmo assim, aproveitou para se inscrever no curso de Mecânica Automóvel.

"Estou a gostar muito do curso, pois está bem estruturado e tem a ver com o que fazia antes. Acredito que vai-me ajudar a seguir uma nova carreira", salientou.

Amadeu Araújo, formador daquela área há mais de 13 anos, disse ao JN que por aquele curso já passaram mais de 400 formandos.

"Pessoalmente, conheço cerca de 30 que estão muito bem colocados. As melhores marcas de automóveis estão sempre a bater à porta em busca de profissionais, mas não temos formandos em número suficiente para responder à procura", informou.

Também os reclusos que frequentam o curso de Operadores de Máquinas e Ferramentas facilmente encontram emprego na indústria metalomecânica. Trata-se de um curso qualificante, ministrado em parceria com o Instituto de Emprego e Formação Profissional numa sala equipada com maquinaria actual.

"Os reclusos que frequentam este curso facilmente arranjam emprego, já que há muita falta de mão-de-obra", explicou Hernâni Vieira, director daquela prisão.

Aperfeiçoar a arte

Também o curso de Carpintaria conhece muitos candidatos. Ricardo, de 35 anos, era marceneiro antes de entrar na prisão.

"Eu já trabalhava na arte, mas aqui é que vim a conhecer melhor as madeiras e a aperfeiçoar a arte, pois nunca tive uma aprendizagem teórica", revelou.

Dos seis anos de pena, já cumpriu metade. Quando sair da cadeia pretende continuar o seu ofício. "Agora estou muito melhor preparado", salientou.

O êxito dos cursos de formação profissional levam Hernâni Vieira a apostar na criação de novas acções. Para breve, os reclusos de Custóias poderão frequentar formações na área de Artes Gráficas e Panificação e Pastelaria.

"Apostar na formação profissional é um dos caminhos que faz mais sentido para a reinserção dos reclusos na sociedade", concluiu.