A falta de confiança nas autoridades e o total descrédito nos tribunais
são a consequência de uma Justiça inoperante, morosa e cara.
São muitos os factores que contribuem para instalar este estado de espírito,
nomeadamente o facto de se acumularem milhares de processos
nas secretarias judiciais.
J. Paulo Coutinho
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Outro factor que contribui para o desapontamento generalizado, tem a ver com as operações "espectáculo". Isto é, muitas vezes, a PSP dirige-se para zonas críticas, detém uma série de indivíduos mas, horas depois, eles estão em liberdade. Isso acontece, com maior frequência, nas situações de posse de estupefacientes, já que muitos agentes policiais são movidos pelo sindroma das "estatísticas", ou seja optam por fazer um maior número de detenções, mesmo sabendo que, com provas ténues, os suspeitos são libertados, mal sejam ouvidos no Tribunal de Instrução Criminal (TIC).
A reacção do cidadão, que mal conhece os meandros da Justiça, é deixar de acreditar no sistema. E a sensação de impunidade alastra-se.
Porém, se a Polícia poderá pecar por excesso, neste aspecto, enfrenta também inúmeras dificuldades. A lei salvaguarda, de tal forma, a presunção da inocência, que não permite qualquer atropelo aos "direitos dos cidadãos", mesmo que sejam suspeitos de crimes graves. E combater, dentro dos limites da lei, os autores dos actos criminosos, torna-se extremamente difícil.
Poderá o agente policial provocar o crime? E infiltrar-se numa rede, para capturar o criminoso?
Alguns professores de Direito consideram que não. Em primeira instância, por uma questão de princípio. "Na concepção democrática da sociedade, não há cidadãos que por natureza sejam bons e cidadãos que sejam maus; não é por isso admissível a estigmatização colectiva, de grupos, raças ou classes de pessoas, em razão da sua maior ou menor apetência para o crime, porque é pressuposto que a capacidade para praticar o bem e mal está "democraticamente" repartida (...) Se assim é, ou pelo menos é pressuposto, é de excluir liminarmente, como método de investigação criminal, a provocação do crime", pode-se ler, num texto do jurista Germano Marques da Silva.
No que se refere à figura do agente infiltrado, Germano Marques da Silva tem uma posição menos dura: "Os agentes infiltrados não participam na prática do crime, a sua actividade não é constitutiva do crime, mas apenas informativa, e, por isso, é de admitir que, no limite, se possa recorrer a esse meio de investigação".
Opinião diferente tem Eduardo Maia Costa, procurador-geral adjunto. Para este magistrado, são perigosos quer os agentes provocadores, quer os infiltrados: "Criam um território contíguo entre a lei e o crime, propiciando a fácil passagem de um lado para o outro da fronteira. E agora que se ouvem vozes, vindas de organismos policiais, que reclamam a necessidade de medidas mais gravosas de investigação, em nome do reforço da eficácia, é essa mesma eficácia que, desde logo, deve ser contestada. E, mesmo que demonstrada, há que avaliar se os perigos referidos e os danos às liberdades individuais não impõem, em todo o caso, a sua rejeição".
No que se refere à luta contra o tráfico de droga, uma das causas da generalizada sensação de insegurança, Eduardo Maia Costa lembra que é precisamente nesse campo que funciona o "vale tudo". E é também aí que se devem repensar os meios de combate. "As vitórias registadas nesta luta não têm evitado o constante aumento da droga em circulação. Há anos apreendiam-se gramas ou quilos, agora confiscam-se toneladas ou dezenas de toneladas. Mas por cada tonelada apreendida, muitas mais escapam ao controlo policial. Se se quer "ganhar a guerra", não se pode manter uma estratégia que reproduz e multiplica o inimigo incessantemente".
Outro factor que contribui para a inoperacionalidade da Polícia tem a ver com o elevado número de elementos policiais, afectos aos serviços administrativos. Tribunais, secretarias, notificações são algumas das funções para os quais são desviados agentes da PSP, em prejuízo da efectiva acção policial.
Os números apresentados pelo Comando Metropolitano da PSP do Porto são exemplificativos. De entre os 2.700 efectivos que prestam serviço naquele Comando, cerca de 25% são administrativos.
Além disso, embora a PSP admita integrar nos quadros, ainda este ano, 900 novos agentes, as carências são maiores. Este número não chega, tão pouco, para substituir os que, todos os anos, abandonam a instituição, por atingirem o limite de idade.