que só se manifestarão dentro de várias décadas
permitem já prever doenças que só se manifestarão
dentro de várias décadas. Mas qual a vantagem
de um jovem saudável
ficar a saber que daí
a uns anos sofrerá
de uma doença incurável?
A genética só surgiu no princípio do século XX como a ciência da hereditariedade e da variação, que procurou saber a razão porque uma criança tem, ou não, os olhos da mãe e o nariz do pai.
Esses motivos foram primeiro encontrados nos cromossomas das células, em zonas localizadas denominadas "genes". A meio do século, os genes foram dissecados até ao ponto de se poder identificar a molécula responsável pela hereditariedade - o ácido desoxirribonucleioco, ou DNA, como é mais conhecido - e caracterizar o seu funcionamento.
Já nos anos 70, a análise molecular dos genes foi levada a tal pormenor que veio a permitir, em combinação com outras descobertas, iniciar a engenharia genética pela qual se veio a conseguir, mais tarde, modific ar geneticamente micro-organismos, plantas, animais e o próprio homem.
Luís Archer, presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), lembra que, a partir daí, "todos estes e outros progressos da nova genética começaram a ter profundas repercussões na filosofia, na ética, na religião, na sociologia, no direito, na economia, na indústria e até na política". E, sobretudo através destas últimas repercussões, "a genética tornou-se poder".
Este poder - disse Archer - manifesta-se de várias formas, nomeadamente através da possibilidade que a genética tem de conhecer o Homem na raiz última dos seus genes, prever o futuro da sua doença e das suas predisposições e mudar geneticamente a sua constituição.
Sobre o conhecimento do Homem, Luís Archer salientou que grande parte das características que cada um apresenta é a expressão final dos seus genes, que se encontram nos núcleos das células sob a forma de DNA. Esse material genético humano (ou genoma) conta com três mil milhões de unidades chamadas nucleotídeos.
A grande aventura deste virar de milénio é, pois, conseguir a sequência integral dos três mil milhões de unidades que constituem o genoma humano. "Será a Enciclopédia do Homem. Poderá então começar a fazer-se a biologia molecular do ser humano e determinar a raiz profunda das mais de quatro mil doenças hereditárias já conhecidas", explicou Archer, salientando que "poderá ir-se mais longe e caracterizar muitos outros genes até agora insuspeitados".
Este conhecimento permite ainda a identificação genética de cada indivíduo. Deixa uma marca identificativa, no local do crime, se aí ficarem umas poucas células.
Através dos testes é também possível predizer (prever) doenças que só se manifestarão dentro de várias décadas, ler no genoma da criança, do feto ou até do ovo microscópico que acabou de se dividir, o destino que lhe foi decretado, para si ou para os seus descendentes. "É a sina que se lê, não à superfície da pele, mas na intimidade do DNA. É a profecia do que há-de vir. Os genes são o futuro escrito já hoje", diz Luís Archer.
Agora, a questão que se coloca é a seguinte: que vantagem tem um jovem de saber que daí a uns anos sofrerá de doença incurável? "Tem os anos contados, tem a sociedade a olhá-lo de soslaio, tem os empregadores a sonegar-lhe trabalho, tem as companhias de seguros a retirar-lhe o apoio. Poderá entrar em depressão ou pensar no suicídio". Teria, então, sido melhor não saber?
Por outro lado, a genética começa a ter já o poder de "mudar", de introduzir no homem genes que ele não tinha, reconstruí-lo por dentro do genoma.
Os limites destes três poderes são resultado dos valores da ética, consequência de um humanismo global. "A pessoa humana e a sua dignidade transcende os seus genes. Sem dúvida que a identidade da pessoa tem uma base genética, mas as características de cada indivíduo devem-se não só aos genes, mas também ao am biente, à educação e aos pressupostos culturais do seu meio", disse.
Por isso, a recente Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos do Homem da UNESCO determinou que a dignidade humana exige que não se reduzam os indivíduos às suas características genéticas.
É por isso, acrescentou Luís Archer, que é necessário "contribuir para o desenvolvimento de uma mentalidade pública esclarecida e consciente que permita a todo o cidadão fazer escolhas e tomar decisões livres e justas".