Fábrica de farinha de peixe poderá encerrar Câmara de Olhão rompe com industriais

Idálio Revez

A fábrica de farinha de peixe Safol, em Olhão, deverá encerrar nos próximos dias, em consequência de uma deliberação da câmara relacionada com as descargas de esgotos na ria Formosa. O problema arrasta-se há vários anos, é do conhecimento dos responsáveis do Parque Natural da Ria Formosa, mas só agora se deu a ruptura entre a autarquia e os industriais.

Termina hoje o prazo de três meses concedido pela Câmara de Olhão à Safol para resolver o problema dos efluentes poluentes. A ordem não foi acatada e, anteontem, na reunião do executivo autárquico, foi deliberado "interditar a Safol de lançar os efluentes industriais poluentes no colector pluvial, que drena para a ria Formosa", o que, na prática, se traduz na inviabilidade de funcionamento da fábrica. Contactado pelo PÚBLICO, o administrador da empresa, José Folque, disse não desejar pronunciar-se sobre o assunto enquanto não for notificado.

A poluição produzida pela fábrica faz-se sentir há décadas, com o lançamento dos efluentes na ria e a emissão de vapores malcheirosos para atmosfera. Os organismos públicos têm silenciado o caso, por não saberem que destino dar aos desperdícios das fábricas de conserva de peixe e por causa da importância económica e social que esta indústria tem no concelho.

Embora nos últimos seis a sete anos o problema tenha passado a ser encarado com mais seriedade, tanto pelos industriais como pelos responsáveis autárquicos e do Parque Natural da Ria Formosa, a poluição continua a atingir diariamente os viveiros de marisco. Daí que o presidente da câmara entendesse terem tido os industriais "tempo mais que suficiente para resolver o problema" e passasse das palavras aos actos. Em simultâneo, anunciou a entrada em funcionamento da segunda estação de tratamento de águas residuais do concelho, uma obra que custou cerca de 200 mi contos.

O problema, segundo o administrador da Safol, estava "em vias de solução" e tem vindo a ser acompanhado pela edilidade e pelo Parque Natural da Ria Formosa, mas o responsável não adiantou qualquer data para a entrada em funcionamento do sistema de tratamento de efluentes. Sublinhando não ser sua intenção entrar em conflito com a autarquia, José Folque não deixou contudo de dizer que a Safol não é "o único" poluidor da ria Formosa.

A zona onde está instalada esta fábrica, à entrada da cidade, poderia, dada a localização, ser considerada como seu "cartão de visita", mas o espaço em redor, votado ao abandono, mais parece uma lixeira. Os moradores do Bairro 16 de Junho, situado ao lado, queixam-se de que, com o aumento das temperaturas, "os vapores e o mau cheiro entram por todos os cantos da casas". O pescador Manuel Barão é um dos que se consideram "vítimas", não só porque mora ao pé da fábrica, mas também porque os "esgotos matam a ria Formosa" e "há menos marisco", sendo dele que retira o seu sustento.

A Safol (fábrica de farinhas e óleos) foi criada pelo Instituto de Conservas de Peixe, em 1939, como forma de os industriais se aproveitarem dos resíduos das inúmeras conserveiras que laboravam na zona, criando uma mais-valia económica. Atendendo a este passado histórico, o edil de Olhão considera ter sido "tolerante" com os industriais, mas entende ser chegada a altura de os agentes económicos privados "acompanharem o esforço que a câmara está a fazer para resolver o problema dos esgotos".

Vítor Lourenço, o presidente da Associação de Viveiristas e Mariscadores (Vivmar), recordou que este assunto tem servido de "jogo de empurra" entre o Parque da Ria Formosa e câmara, sem que ninguém assuma responsabilidades. Quando as questões da poluição envolvem autarquias, acusa, "a Direcção Regional do Ambiente e o Parque da Ria Formosa fazem de conta que o assunto não lhes diz respeito".

António Viegas é outro dos muitos mariscadores de Olhão que se queixam da poluição na ria Formosa: a terra "está podre, os viveiros estão mortos". No Verão, diz, sai muitas vezes da ria "com a pele toda vermelha, cheia de bicos e com comichão". A seu lado, João dos Santos conta que, num viveiro seu perto da Culatra, as amêijoas morreram todas devido à poluição das águas.