16 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Presidente: - Antes de ser tomada essa resolução, já a Câmara tinha votado a urgência para a discussão da proposta de lei a que se refere o parecer n.° 40. Foi por isso que eu pus êste à discussão.

O Sr. José Domingues dos Santos: - Como não pretendo levantar dificuldades ao andamento dos nossos trabalhos, peço a V. Exa. que submeta à apreciação da Câmara o projecto de habeas corpus, logo a seguir à votação do parecer que vai discutir se.

O Sr. Presidente: - Sim, senhor. Tem a palavra o Sr. Delfim Costa.

O Sr. Delfim Costa: - Sr. Presidente: a proposta do lei que acaba do ser posta em discussão justifica-se plenamente, nas circunstâncias ocorrentes, cuja gravidade se concretiza no teor de um telegrama que recebi de Moçambique, datado de 20 do corrente, que diz: "Transferências 90 por cento com tendência para agravar".

Estas simples palavras dão bem a nota de quanto é grave a situação da nossa colónia de Moçambique.

É uma situação miserável para todos. Todos que queiram transferir alguma cousa das suas economias têm de perder 90 por cento do que tenham conseguido amealhar. É uma situação altamente perturbadora.

Não haverá possibilidade de sossêgo emquanto êste estado do cousas se mantiver.

De dia para dia tem-se agravado a situação. Quando a nossa espectativa era de que no mês corrente as cousas melhorassem é que exactamente aparece o agravamento das transferências.

Sr. Presidente: não basta dizer-se que a situação daquela nossa colónia é aflitíssima. É necessário que se conheça a razão por que se chegou a um tal estado.

Há um ano as transferências eram feitas com o desconto de 20 a 25 por cento.

Estas percentagens têm sido agravadas e tanto que hoje o desconto é de 90 por cento.

Há-de haver uma razão e a Câmara deve conhecê-la.

Sr. Presidente: sou daqueles que atribuem uma parte apenas dos motivos dêste

agravamento à acção nefasta do Banco emissor das colónias. Nós temos um organismo ao qual concedemos privilégios de grande monta - todos V. Exas. sabem que o monopólio de emissão de notas e o monopólio da Caixa do Tesouro somam valores importantíssimos; - êste organismo que nós criámos para facilitar a acção das nossas colónias, e a sua vida comercial, industrial e agrícola, não cumpre a acção para que foi criado, e a prova de que não cumpre é que houve possibilidade de a depreciação da moeda de Moçambique chegar a 90 por cento do seu valor. Ora, desde que êste organismo não desempenha a função para que foi criado, eu só digo ao Govêrno que lhe devia retirar aqueles privilégios que lhe concedeu.

Apoiados.

Bem sei que não é só êsse o facto que trouxe um agravamento tam grande, mas são principalmente dêsse organismo as maiores responsabilidades.

Senão vejamos: primeiro, fez facilidades de crédito absolutamente incompatíveis com a sua situação; toda a gente sabe, e é facílimo prová-lo, que tem milhares de libras perfeitamente perdidas, distribuídas sem aquele critério que deve presidir a um organismo que não tenha um capital ilimitado; depois, e como se isso fôsse pouco, o Banco Nacional Ultramarino cassou em Moçambique, colónia onde vigorava a moeda-ouro, toda a sua moeda: o ouro para poder abrir filiais em toda a parte do mundo, e a prata para a vender na índia a pêso, dando-lhe em troca uns papéis a que pôs o pomposo nome de libras, mas que hoje apenas valem dois xelins. Também não tem as reservas necessárias, nem crédito, como está provado; de forma que disto tudo derivou um factor de desorganização em toda a colónia, e mais um elemento que contribuiu para a desvalorização da moeda subir a 90 por cento.

O Estado, porém, também tem culpas. Realmente, permitiu que a circulação fiduciária, que pela portaria n.° 233 era de 500:000 libras, podendo pelo contrato com o Banco ir até 50:000 contos, o Estado permitiu, quando deviam estar recolhidas as 500:000 libras, no terminus marcado pela portaria, que existisse em Moçambique esta linda soma: 1.041:000 libras e muitos milhares de contos em escudos.