sorte do Sr. Domingos Pereira ser seu antecessor, e se êste homem público não tem feito esta obra um tanto atrabiliária e ditatorial, se porventura não se tem levantado toda esta celeuma em volta de um Govêrno que já findou, eu pregunto: como poderíamos nós ter ocupado êstes longos dias de sessão que decorrem desde 2 de Dezembro até agora?
O Govêrno ainda não trouxe uma proposta, ainda não nos disso o que queria; e assim teríamos de estar todo êste tempo sem podermos discutir qualquer diploma.
Emquanto nos entretemos em volta da obra do Sr. Domingos Pereira, o Sr. António Maria da Silva e o seu Govêrno vão dormindo à espera que os dias decorram, contando no seu carnet mais um dia de Govêrno, certo de que não faz nada nem tem oposição a temer.
Disseram-me há dias que certo Ministro, que ainda não doa um despacho, tinha sido assediado por um dos directores gerais que lhe pedia um despacho ao menos, e o Ministro respondeu: "Nem um emquanto não der despacho, tenho a certeza de não fazer asneira".
E nós estamos discutindo assim a obra do Govêrno que passou e não do Govêrno que está.
Sr. Presidente: já lá vai mais de um mês depois que êste Parlamento se constituiu.
Já lá vão não sei quantas sessões a discutir o projecto de lei que o Sr. João Luís Ricardo mandou para a Mesa; pregunto a V. Exas., ao fim de todo êste tempo de discussão, o que lucrámos.
Várias moções estão sôbre a Mesa e, por fim, a que há a resolver?
Essa cousa é simples: se os projectos devem ser suspensos nos termos do projecto de lei do Sr. João Luís Ricardo ou se os projectos vão para as comissões, nos termos de várias outras propostas.
Quere dizer: não resolvemos nada e gastámos mais de um mês a discutir.
Longos discursos se fizeram, mas pregunto: o país que lucraria?
Êste problema, se os decretos dovem ser suspensos ou ir para as comissões, dizemos em boa verdade, discutia-se em boa meia hora.
O problema vital ficará por resolver.
Teremos de o resolver depois, pois na melhor das hipóteses, indo os decretos para as comissões, estas estudá-los hão; e, ao fim de longos dias de discussão, êles virão novamente e a discussão recomeçará.
Não lucrámos um dia de trabalho; perdemos tudo, numa ocasião em que devíamos aproveitar todos os minutos.
Sr. Presidente: eu conheço como V. Exas. a brisa que vai por êsse mundo fora, contra o parlamentarismo.
Digamo-lo sinceramente: o parlamentarismo está em crise.
A crise não é portuguesa, é mundial.
Em todos os países da Europa que eu conheço, o único Parlamento que conserva o seu prestígio é o inglês.
Todos os outros estão em crise.
Em toda a parte, quer os adeptos das doutrinas conservadoras guiados por Maura, aqui brilhantemente representados pelo Sr. Pinheiro Tôrres, quer os adeptos das doutrinas mais avançadas, todos atacam o parlamentarismo que eu devendo, apesar de insinuações de bolchevista que me têm feito.
Êsse Parlamento começou mal, demorando as questões demasiadamente e não as discutindo com aquela elevação que era indispensável.
Andamos aqui enrodilhando há tantos dias as questões, só porque dentro do Partido Democrático se levantou uma teima entre correligionários.
Sr. Presidente: dir-se-há que desde que me expulsaram do Partido Democrático a harmonia que lá reina é celestial.
Ainda há pouco, vi dois correligionários dizendo cousas bem agradáveis um ao outro, e há longos dias que aqui se vem repetindo o mesmo fenómeno.
Tudo isto vem a propósito do seguinte: nós temos um Govêrno que não nos diz qual o seu pensamento, e urna maioria que quero resolver o problema da forma que melhor lhe convenha.
Por que não dizer toda a verdade, se estamos a ver que isto é incontestável?
O projecto de lei do Sr. João Luís Ricardo tem um defeito: mistura muito as questões, do forma a agrupar à volta do seu, projecto todos os descontentes.
É uma velha tática; e assim junto com o seu projecto vem um outro projecto que concilia os votos de várias outras correntes políticas aqui representadas.