Ta Mok será julgado no Camboja

Governo recusa tribunal internacional para líder dos khmers vermelhos, alegando que isso relançaria a guerra civil no país

O Governo de Phnom Penh decidiu, ontem, que Ta Mok - conhecido como "o Carniceiro" - será julgado no Camboja e não por um tribunal internacional recomendado pela ONU. Detido sábado, o primeiro dirigente khmer vermelho a ser levado a tribunal, encontra-se numa prisão militar da capital.

"Ta Mok será julgado no país", garantiu Om Yienteng, conselheiro do primeiro-ministro Hun Sen, sublinhando que o "Camboja é um país soberano, dotado das suas próprias leis e de um sistema judicial".

O antigo chefe do Estado maior da guerrilha incorre numa pena de prisão perpétua, uma vez que a pena capital não está prevista no Código Penal cambojano.

Em Janeiro de 1979, quando da queda da ditadura de Pol Pot (1975-79), um tribunal popular do Governo pró-vietnamita de Phnom Penh condenara, à revelia, a pena capital as hierarquias khmers vermelhas por terem cometido "genocídio". Entretanto, Pol Pot - julgado pelos seus pares num simulacro de processo - faleceu e os seus antigos partidários e colaboradores ligaram-se, de alguma forma, ao Governo de Phnom Penh.

"Preparamo-nos para estudar o processo, para saber se o julgaremos em tribunal civil ou militar, assim como todas as queixas que existem contra ele", afirmou Om Yienteng ao referir-se ao julgamento de Ta Mok.

Tudo indica que o Executivo de Hun Sen quer resolver a questão rapidamente.

Detido sábado de manhã no Norte do Camboja, perto da fronteira com a Tailândia, Ta Mok, de 70 anos, foi transferido de helicóptero para Phnom Penh, segundo afirma o Executivo de Hun Sen embora as circunstâncias exactas da sua detenção não sejam conhecidas e a Tailândia já desmentiu ter desempenhado qualquer papel na mesma.

"Parece muito cansado, muito fraco e, obviamente, afectado pela sua detenção. Neste momento, está obviamente algemado e deveremos mantê-lo ainda durante dois ou três dias para o interrogar", disse fonte militar no final do interrogatório a que, ontem, foi submetido Ta Mok, situação que é filmada por oficiais dos serviços secretos cambojanos.

A comunidade internacional deseja que os dirigentes khmers vermelhos ainda vivos, como é o caso de Ta Mok, sejam julgados por crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura de Pol Pot, entre 1975 e 1979. Assim, uma comissão da ONU advogou a criação de um tribunal internacional e uma síntese das suas recomendações deverá ser publicada, hoje, em Nova Iorque.

Opinião contrária tem o primeiro-ministro cambojano que, em carta enviada à ONU, alertou contra a criação do referido tribunal, afirmando que - a acontecer - iria desestabilizar o país, recentemente pacificado. Hun Sen afirmou mesmo preferir, à semelhança do que ocorreu na África do Sul, que se crie uma "Comissão de Verdade e Reconciliação".

Anteriormente, Hun Sen afirmara-se favorável a um proceso desde que este tivesse em conta as responsabilidades e cumplicidades da comunidade internacional face à antiga guerrilha khmer.

Antigos rebeldes fizeram saber, entretanto, não aceitar que os seus chefes fossem julgados por genocídio e ameaçaram relançar a guerra civil se os incomodassem nos seus feudos semiautónomos de Paillin (Ocidente) e Anlong Veng (Noroeste).

É neste pano de fundo que surge a detenção e se estuda o processo de Ta Mok, um responsável sobejamente conhecido da didatura de Pol Pot e das atrocidades dessa época. Primeiro vice-presidente da Assembleia Popular, depois comandante militar dos rebeldes khmers vermelhos - vencidos na última Primavera pelo exército governamental -, Ta Mok adquiriu a sua reputação de crueldade e o seu apelido ("Carniceiro") durante as purgas sangrentas que caracterizaram o regime polpotista que vitimou dois milhões de pessoas à fome, por doenças, exaustão ou simplesmente por execuções sumárias.