Reflexões tempestivas sobre o "Totovoto"
A "política" nefasta do "quanto pior melhor" é a tentação de todas as oposições cegas e sistemáticas, que não têm alternativas a propor, mas visam a todo o custo impedir que os problemas se resolvam, mesmo que para isso recorram a alianças espúrias e contranatura. Nunca se sabe bem aonde leva uma tal "política": mas por certo ela conduz ao impasse e pode, se não for atalhada, criar o caos, na obsessão tão insensata de levantar obstáculos sucessivos à ultrapassagem de uma situação difícil.
A forma mais perversa dessa tentação é a de tentar fingir que se age por princípios e valores éticos, quando a estes se é na realidade alheio, servindo a sua invocação apenas de álibi para justificar a obstrução. É o vício a mascarar-se de virtude, sobretudo quando, sendo-se responsável de tal situação, se procura não só lavar as mãos dela mas obstar a que outros lhe encontrem saída, desejando-se secretamente que ela se agr ave, mesmo que se declare o contrário.
Trata-se, como já aqui tivemos ocasião de mostrar, de um dos comportamentos que configuram o ressentimento político, tal como o estudou Max Scheler. Ele exprime nomeadamente o ciúme dos partidos, que tendo sido incapazes de resolver uma dificuldade não podem conceber sem rancor que outros a tentem superar. Por isso, em desespero de causa, reincidem na sua renitência a qualquer solução construtiva.
Eis o caso típico das peripécias a que estamos a assistir, no triste episódio parlamentar do "totovoto". Para lá do fundo da questão, é preciso compreender que ele faz parte de uma estratégia do "quanto pior melhor", em que por razões tácticas se conjugam momentaneamente interesses opostos, no mesmo objectivo do "bota-abaixo". A esse episódio não será difícil prever que outros se seguirão, devendo o país ficar para eles alerta.
O que é mais grave, em tudo isto, é que se pode estar a minar a credibilidade da representação democrática, lançando a suspeita sobre as motivações dos que a exercem. Será bem que os que conjunturalmente se uniram numa "santa aliança" parlamentar pensem a sério nas consequências da sua obstinação, que se pode voltar contra eles como um boomerang. Mas Zeus enlouquece os que quer votar a perder...
Q uando se atinge a "cota de alerta" é porém ainda tempo de arrepiar caminho. Para além das paixões imediatas, que servem de pretexto para lançar a confusão nos espíritos, há questões de método a ponderar, para evitar o pior. A responsabilidade de quem enveredar por um impasse será grande. Sendo obstinado e não recuando acabará por bater com a cabeça no muro, com os traumatismos inerentes, de que se não poderá depois queixar.
Perante a situação até agora criada, aqueles que têm a consciência tranquila devem manter toda a serenidade, aguardando que a poeira levantada pelos obstrutores sedimente e que a confusão reinante as clarifique. Aquela parte da opinião que se deixou impressionar por falsos argumentos acabará por se dar conta do logro e o feitiço voltar-se-á contra o feiticeiro, como em casos tais sempre acontece.
Essa é a sabedoria das nações. E em democracia não há lugar para o pânico, quando se respeitam as suas regras. Por certo que os custos - e não apenas financeiros - de todo este imbróglio fiscal são elevados. Os cidadãos de bom senso e bem formados verão onde residem as responsabilidades deles e aperceber-se-ão das suas incidências. E a razão dos homens de boa vontade impor-se-á em última instância.
Mas só um esclarecimento cívico poderá contrariar a insensatez da "política" do "quanto pior melhor", que alguns de cabeça ligeira erigiram sistematicamente, neste e noutros domínios, como se vai vendo, em estratégia, com diferentes tácticas. É certo que estas, por mais hábeis, acabarão por pô-la à mostra. Mas será preferível, em termos preventivos, desmontá-la antecipadamente para minorar os seus efeitos para o país.
Perante as grandes questões que Portugal tem de enfrentar, numa Europa e num mundo com graves problemas de fundo, é tempo de a política entre nós ser tratada como uma coisa séria e não como uma sucessão de episódios que se situam na periferia de coisa pública, como epifenómenos com que certos políticos medíocres nos querem distrair do essencial. É para melhor e não para pior que é preciso mudar, como é vontade democrática da nova maioria.