18 Diário da Câmara dos Deputados

Demonstrei, segundo me parece, que à face da evolução do pensamento económico a nossa atitude é racional e é lógica. Tive e recorrer à descrição dessa evolução, afrontando o perigo de parecer pedante. para mostrar que não estou a tentar uma justificação forçada, indo buscar à imaginação e ao sofisma instigações e processos que a sciência não faculta, nem comporta.

Pode assim mostrar com o próprio conhecimento que as ideas em que nos inspiramos, sob o aspecto scientífico, não foram inventadas para justificar a posição parlamentar que quisemos assumir.

Apoiados.

Mas, Sr. Presidente, se da esfera do conhecimento passamos para a de acção, se do campo da teoria transitamos para o da experiência, a vida continua a facultar-nos o mesmo ensinamento.

De novo sou forçado a defrontar o perigo de ser inculcado em delito de pedantaria, para mais uma vez, expondo agora, em resumo, a evolução da actividade industrial moderna, pôr em evidência a solidez doutrinária da atitude definida pelo meu Partido nesta magna questão.

Como do todos é sabido, com certeza, até o fim do século XVIII, não existia, pode dizer-se, a indústria propriamente dita.

A manufactura das matérias primas estava, no seral, entregue às corporações de mesteres, transformados em regra numa espécie de autênticos monopólios familiares. Na verdade, até então, exceptuadas as zonas livres e as manufacturas régias, só os ofícios organizados em corporação podiam efectuar a transformação das matérias primas em produtos.

A cada corporação correspondia um estatuto, onde estavam regulamentados até os últimos pormenores, todas as modalidades da vida profissional, desde a composição do quadro corporativo, com os seus três graus de aprendiz, companheiro e mestre, às isenções e privilégios que lhe haviam sido outorgados. Era a organização da produção restrita em mercados deminutos e confinados.

Já ao cair do século XIII, ainda em pleno vigor da vitória corporativa, a corporação se mostrou ineficaz, pelo que respeita aos trabalhadores, visto haver dado lugar ao aparecimento de uma categoria de companheiros perpétuos, verdadeiro rudimento do proletariado moderno.

Ao depois, a esta incapacidade de permitir o desenvolvimento dos quadros de mão de obra, impedindo a ascensão das multidões trabalhadoras, somou-se a sua impossibilidade de intensificar a produção para garantir a melhoria dos consumos, impedindo a conservação e o progresso da miséria. Para correcção dêstes defeitos os poderes superiores, comunas, senhores ou reis começaram a conferir a seu talante os privilégios corporativos, foram aumentando o emprego das zonas livres, chegando as coroas à instalação de manufacturas próprias, as celebradas manufacturas régias.

Entretanto o comércio assumiu um desenvolvimento assombroso e os descobrimentos geográficos e as conquistas no Oriente acumularam enormes riquezas na Europa, constituindo fortes disponibilidades capitalistas.

A pouco e pouco, em face da corporação e da manufactura régia, foi surgindo uma entidade nova, o empresário, tradução da palavra francesa entrepreneur, que se tornou clássica para a designação desta entidade. O seu aparecimento efectuou-se na indústria dos tecidos e a sua função consistia em comprar a matéria prima, encomendar a transformação aos trabalhadores e colocar depois os produtos, guardando os lucros destas várias operações.

Como se vê, quando a revolução filosófica do século XVIII se tornou política, removendo os destroços dos quadros medievos de actividade, estavam constituindo os elementos da indústria moderna, ou seja um movimento do proletariado, um capitalismo privado e um núcleo de chefes de indústria.

A referida revolução política coincide com o estabelecimento da aplicação das invenções scientíficas à manipulação das utilidades. Praticamente, na esfera económica, o triunfo da liberdade política foi apenas a vitória do absolutismo capitalista.

Com efeito, a liberdade de trabalho não conseguiu corrigir os excessos dessa realidade brutal, porque a implantação da tecnologia mecânica permitiu o recrutamento de largas disponibilidades de mão de obra, visto haver eliminado as dependências e os embaraços derivados das prévias e demoradas aprendizagens.