As razões de uns e de outros num só projecto

Todos fazem parte do Clube de Prevenção, que vai revolucionar a vida de uma comunidade esquecida há mais de 20 anos

SALTO. De uma vida na mendicidade até à escola: uma viagem a que as crianças aderiram com aproveitamento

Todos fazem parte de um programa que vai revolucionar as vidas de uma comunidade esquecida há mais de 20 anos. Uns por estarem a pô-lo em prática, os outros por aceitá-lo. Começaram por criar o Clube de Prevenção, mas os objectivos são abrangentes e integram formação profissional -que inclui participação no processo de realojamento - e a reestruturação de famílias desestruturadas.

Adelino Antunes é o coordenador do IRS em Alcobaça, a pessoa na qual as crianças se revêem. Foi "o senhor Adelino" que os "apoiou até nos jardins da cidade" e "comprou os gelados e até os livros". Tem 47 anos. É licenciado em serviço social. "Sem ele não teríamos nada", dizem as crianças e os adultos.

Gisela Galo é uma educadora de infância com 37 anos. Foi destacada pelo Ministério da Educação para reforçar a integração das crianças carenciadas que o projecto Fénix de Alcobaça já tinha conquistado. Diz que após esta experiência "não serei mais a mesma pessoa". Falta conseguir que eles cumpram todas as regras, mas aceita que "tem que ser assim". Uma das normas a que deviam obedecer era virem para o autocarro apenas no horário correspondente ao seu grupo. Continuam a juntar-se todos ali, sempre que não têm aulas, como se as normas não existissem. É, no entanto, um bom sinal, indicador do seu interesse e do agrado que sentem por aquele lugar.

Tânia tem 18 anos. É animadora sociocultural e pretende formar-se em psicologia. Integra a equipa o "clube de prevenção", desde o início. Considero as crianças muito difíceis", sobretudo por terem idades bastante diferentes, problemas de todo o tipo e o espaço ser pequeno. Reconhece que "elas se dão todas bem".

Salomé Cesteiro, com 25 anos, é a mãe da menina mais nova do projecto, a Vilma, de cinco anos, e do Eduardo, que tem oito. Diz que já perdeu a esperança de viver numa casa e mostra-se preocupada com a eventualidade de não encontrar trabalho ou de não ter quem acompanhe os filhos em tempo de férias do pessoal do projecto.

Para si "os verdadeiros problemas destas famílias são as casas de madeira onde vivem, as barracas", num bairro sem água nem luz. Em tempo de chuva "fica tudo encharcado", lamenta-se Salomé. Mas o seu caso não é o pior. "Eu tenho dois filhos e a maioria tem cinco ou seis", diz. "Às vezes as crianças andam sujas", reconhece, atribuindo esse facto às condições de vida nas barracas: "Sempre que lhes damos banho ficam doentes devido ao frio que temos nas casas", explica Salomé, adiantando que "às vezes precisamos de os levar ao médico, mas, se é de noite, não vamos, porque nos arriscamos a cair logo ao sair da porta".

À Ana Elisabete falta uma casa. De cabelos claros e olhos vivos, tem o ar voluntarioso de quem não admite que a adversidade a atrapalhe. "Somos seis irmãos, três meninos e três meninas", explica, e esclarece que "para não molhar os livros, mudamos as malas de um lado para o outro, conforme a água entra pelo telhado". "Sei", exclama, "que o meu Natal e o dos meus irmãos não pode ser como o de outros meninos, porque não temos condições." Assim "para mim o Natal é uma data como outra qualquer".

Carina fez 12 anos no dia em que o DN a fotografou. A sua vida escolar melhorou desde a entrada no programa de apoio, mas continua sem a casa que "reclama". Tem quatro irmãos que vivem, como ela, os tempos difíceis do Inverno.

Cândida é uma das mulheres ciganas, mãe de dois filhos, e vive fora do bairro da comunidade de Alcobaça. A casa tem as mesmas condições das casas do bairro cigano. Só o lugar é diferente. Quase puxa pela banda do casaco para que vejam como a sua família se encontra no rol das excluídas.