A indecisão dos marroquinos
Muitos eleitores não sabem em que partido político votar nem conhecem os programas. O analfabetismo de quase metade da população não os deixa sequer identificar os símbolos ou cores
Lumena Raposo
Em Rabat
CAMPANHA. Os partidos marroquinos continuam a tentar convencer os eleitores indecisos, a dois dias da votação
A dois dias das eleições legislativas, muitos eleitores marroquinos continuam sem saber em que partido votar, desconhecendo mesmo o programa das forças políticas. E em muitos casos não se trata de indecisão por desencanto, mas pela ignorância que advém do analfabetismo que atinge cerca de metade da população, sendo mais gritante - 60 por cento - no mundo rural e entre as mulheres. É o caso de Naima. Funcionária num hotel da capital, Naima, de 53 anos, casada e mãe de seis filhos (cinco raparigas e um rapaz), orgulha-se de ter conseguido dar às filhas o que a ela lhe foi negado: o acesso ao ensino. "Com muito sacrifício e com a ajuda de Sua Majestade, que Deus o proteja", afirma, interrompendo o trabalho para colocar as mãos em gesto de oração. "Conheço os números, posso utilizar o telefone e consigo falar francês, mas não tão bem como os meus filhos", diz Naima, como se estivesse a pedir desculpa pela ignorância que a sociedade lhe impôs, e adianta: "No meu tempo, o meu pai decidiu que só os rapazes deveriam ir à escola, as raparigas tinham de preparar-se para serem esposas e mães de família. Não quis que isso acontecesse com as minhas filhas. Duas já acabaram a universidade. A mais velha formou-se em inglês, já casou e está grávida, mas não conseguiu emprego, tal como a irmã, que ainda está solteira. No próximo ano, outra filha acaba também a universidade e não há esperanças de arranjar emprego", afirma com ar preocupado.
O problema do desemprego entre jovens que terminam cursos universitários tem sido uma tónica da campanha que arrancou no dia 1 de Novembro. Todos os partidos o referem - alguns colocam a fasquia dos universitários desempregados em 150 mil, outros vão até aos 200 mil - e prometem pôr cobro à situação. Como? "Através da criação das regiões, de administrações regionais fortes, capazes de absorver toda esta mão-de-obra especializada", disse ao DN um responsável marroquino.
Mas voltemos a Naima, que não resiste a falar da família e, especialmente, do mais novo que, com 13 anos, revela qualidades que deixam os pais orgulhosos. Para Naima, é ponto assente: "Ele tem de estudar. Como futuro chefe de família, tem de poder arranjar um bom emprego." E consegui-lo-á? "Não sei. Parece tudo tão difícil. Inch Allah." A pergunta sacramental guardamo-la para o fim: vai votar? É quase escandalizada que responde: "Claro. Sua Majestade, que Deus o proteja, pediu que votássemos todos e se Sua Majestade pediu é porque o devemos fazer e porque é bom." E em que partido vai votar? "Não sei", confessa Naima, que não identifica os jornais nem reconhece as cores e os símbolos dos 16 partidos em liça. Até à data do escrutínio, Naima - provavelmente com a ajuda do marido e das filhas - acabará por fazer a sua escolha. No entanto, todas as forças políticas reconhecem que o analfabetismo e as dificuldades económicas com que se confronta a maioria dos cidadãos são terreno fértil para a corrupção eleitoral, nomeadamente através da compra de votos. Hassan II sabe isso bem.
Na mensagem ao país no dia 6, por ocasião do 22.º aniversário da Marcha Verde, o rei fez questão de afirmar que um homem não é livre de bolsos vazios e convidou os eleitores a libertarem-se de toda a pressão que possa falsear a sua vontade. Partidos e Governo assinaram mesmo uma carta de ética, na qual se comprometeram a realizar uma campanha honesta e a não "poluir" o acto eleitoral. No entanto, partidos e imprensa têm denunciado situações menos correctas. Ontem mesmo, o secretário-geral da USFP afirmava ter tido conhecimento da "mobilização de pessoas habituadas a trabalhar discretamente e cuja função é zelar pela segurança das pessoas do Estado, utilizadas para orientar o voto dos eleitores mais influenciáveis", para além da "utilização de dinheiro" na compra de eleitores.