Sudão Batalha "com a permissão de Deus"

De súbito - talvez hoje ou amanhã mas decerto não muito depois - o conflito mais antigo de África ficará resolvido a favor do governo de Cartum, que esmagará os rebeldes numa poeirenta cidade fronteiriça. Visto de fora, parece delírio, mas essa foi a promessa arrebatada feita pelo regime sudanês, no mesmo dia em que a nova secretária de Estado norte-americana, Madeleine Albright, assegurou que não vai dar tréguas ao Sudão.

"Esta será a batalha decisiva, com a permissão de Deus", declarou sexta-feira o Presidente Omar al-Bechir num discurso inflamado feito durante um encontro com as tropas governamentais em Damazin, no Sudeste do país, onde as portas da cidade têm um letreiro: "Venham em paz". "Estamos prontos a defender a lei", garantiu Bechir, aclamado por soldados de kalachnikov em punho aos gritos de "Allah Akbar" (Deus é grande).

Tratou-se da primeira visita de Bechir à região do Nilo Branco desde o início, há duas semanas, da ofensiva da Aliança Democrática Nacional (NDA), que reúne o Exército de Libertação Sudanês (SPLA), sulista, com as Forças Aliadas do Sudão (SAF), do norte do país. Os rebeldes, que desde 1983 combatem Cartum, conquistaram desta vez a cidade fronteiriça de Kurmuk.

Cartum tem acusado a Etiópia de apoiar os guerrilheiros e ontem anunciou, através do diário al-Sudan al-Hadith, ter repelido um ataque de forças de Addis Abeba, "matando dezassete tigrinos [soldados etíopes], ferindo outros dez e destruindo peças do seu equipamento".

"Deus seja louvado por nos ter fornecido uma ocasião de "Jihad" [guerra santa] durante o mês sagrado [do Ramadão] para merecer os louros da vitória ou os do martírio", agradeceu Bechir.

Os homens que ouviam o Presidente não eram apenas os do exército sudanês, mas também os das Forças de Defesa Popular (FDP), uma milícia islâmica paramilitar composta de "voluntários" - a universidade de Cartum esvazia-se em alturas como esta -, e os "mujahedin" vindos de diferentes partes do país para desencadear a contra-ofensiva.

Damazin, uma cidade poeirenta onde o gado vagueia por ruas de areia e palhotas, tornou-se o centro das atenções de Cartum por causa da proximidade com a barragem de Roseires, que fornece 80 por cento da energia da capital. Os rebeldes anunciaram que iam avançar sobre esse objectivo estratégico.

"A América é mentirosa. Viva o Sudão!", gritaram os soldados durante a visita de Bechir. Na frente externa, os EUA são o inimigo mais perigoso do regime fundamentalista de Cartum e Madeleine Albright não esqueceu o Sudão quando, sexta-feira, foi nomeada como nova secretária de Estado norte-americana.

"Continuaremos a insistir que o Sudão deixe de apoiar actividades terroristas e acompanharemos a situação em Nova Iorque para tentar obter novas sanções", afirmou a ex-representante de Washington nas Nações Unidas. Desde Maio passado que estão em vigor sanções diplomáticas contra o Sudão por Cartum ter falhado a extradição de três suspeitos implicados na tentativa de assassínio do Presidente egípcio, Hosni Mubarak, em Addis Abeba. Os três homens eram pretendidos para um julgamento na capital etíope, mas o Sudão respondeu que lhes perdeu o rasto.

Em Agosto do ano passado, o Conselho de Segurança da ONU votou para estender o bloqueio aos voos da Sudan Airways para outros estados membros das Nações Unidas, mas adiou a decisão sobre a data de aplicação. Embora o porta-voz do Departamento de Estado, Nicholas Burns, tenha dito logo depois da conferência de Albright que Washington não tinha tomado nova atitude de força com Cartum, outros responsáveis norte-americanos adiantaram que os EUA procuram a aplicação do bloqueio aéreo.

O Sudão está incluido numa lista do Departamento de Estado de países acusados de apoiar o terrorismo internacional. Os outros são o Irão, o Iraque, a Síria, a Líbia, a Coreia do Norte e Cuba. Madeleine Albright negou sexta-feira que Washington tenha ressalvado o Sudão de uma lei que proíbe certas operações financeiras com países da referida lista. Tal medida teria aberto o caminho para a companhia americana Occidental Petroleum negociar com Cartum.

Pedro Rosa Mendes