Quando o Amor É a Liberdade

%São José Almeida

Quem visita o Museu do Forte de Peniche onde funcionou, durante o Estado Novo, a cadeia para os presos políticos (1934-1974) depara-se com um mundo oculto de sombras e terror, com os fantasmas de um dos lados mais negros da ditadura fascista: a privação de liberdade, a tortura, a morte.

Pegar nesse espaço de memória profunda da ditadura e a partir dele e do que ele representa transformá-lo em algo de belo e digno foi o objectivo de Rosa Asneiros, jornalista espanhola, natural da Galiza, em 1976.

"Resistência" é o seu primeiro romance e nasce precisamente de uma visita ao Forte de Peniche quando museu, que serve de palco a um momento decisivo da vida de uma das personagens centrais, Dinis Miranda. Mas o esforço de documentação de Rosa Asneiros é, aliás, memorável. As referências históricas são múltiplas e servem de âncoras ao longo da obra.

A preocupação com o respeito pela história, sobretudo no que se refere à resistência contra o fascismo, levou a autora a manter mais que uma conversa com Álvaro Cunhal, líder histórico do PCP, preso em Peniche quase uma década, de onde se evadiu em 3 de Janeiro de 1961, numa das mais espectaculares fugas de presos políticos portugueses. Talvez por isso o romance lhe seja dedicado, a par de todos os presos políticos do Estado Novo e "a todos os homens e mulheres que deram e dão a vida pela liberdade".

O projecto de Rosa Asneiro é ambicioso: retratar o fascismo, a revolução e a democracia em Portugal através da paixão e dos desencontros dos protagonistas Dinis Miranda e Filipa Rodrigues. Um projecto ambicioso que não se transformou numa obra-prima, mas que pode ser lido com agrado, às vezes com algum entusiasmo, se bem que, de quando em vez, se tropece num ou noutro problema de tradução para o português a cargo de Jorge Fallorca.

Este romance é, assim, uma interessante "história de amor" entre Filipa, uma rapariga de classe média, universitária em Coimbra, onde milita no PCP, e filha de um abastado comerciante de produtos coloniais, e Dinis Miranda, um operário vidreiro da Marinha Grande, militante do PCP, filho de uma mãe solteira e de pai incógnito. Um abismo de classe que é ultrapassado por uma paixão de tal forma sólida que perdurará décadas, sobreviverá à prisão dele por dirigir um movimento de revolta na Fábrica Irmão Stephens, e ao exílio dela, por ser procurada pela PIDE. Mas que sobreviverá também aos desencontros da vida para além da política. Até ao fim.

O livro é, sobretudo, uma história sobre as relações entre as pessoas. Dado através da vida de gerações da família Rodrigues, de Filipa. E da família sem apelido de Dinis, filho de Isaura, filha de Remédios. Uma história sobre encontros, sobre desencontros, sobre o tempo que cada um leva a assumir-se, o tempo que vence e que faz com que muitos nunca o façam, sobre as vidas adiadas, as vidas que nunca o são. Sobre o medo e a busca de felicidade, individual e colectiva.

Uma tentativa de retrato, de leitura agradável, do Portugal do século XX, na sua mesquinhez e na sua grandeza. Que pretende homenagear a luta contra o fascismo. Em suma: um livro que valeu a pena ter sido escrito.

Resistência

Autor: Rosa Asneiros

259 págs., ... euros

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