Cientistas tentam compreender como podem as condições de falta de gravidade afectar os tecidos do esqueleto e músculos
Helen Phillips
Depois de uma temporada recorde de 14 meses no espaço, o cosmonauta russo Valeri Polyakov vai conhecer melhor do que ninguém os efeitos da imponderabilidade no organismo.
As viagens espaciais provocam perdas importantes de músculo e de tecido ósseo, mesmo quando os astronautas fazem exercício regularmente. Agora, pela primeira vez, tecido dos músculos e do esqueleto, sujeito a manipulação genética, foi cultivado no espaço, numa tentativa de compreender o que as condições de falta de gravidade fazem aos tecidos de cultura. Esta investigação poderá aproximar-nos do objectivo de produzir tecidos orgânicos totalmente sintéticos.
A tecnologia exigida para completar este estudo pioneiro é fantástica - usando técnicas de alta tecnologia na biologia celular, investigação da ciência dos polímeros e evolução dos medicamentos, para não falar num laboratório a bordo da estação espacial Mir.
Lisa Freed, do Massachusetts Institute of Technology, e colegas, isolaram células de tecido cartilagíneo de uma vaca adulta, fizeram sementeira delas numa malha de polímero especialmente desenhada, juntaram-lhes nutrientes para começar a cultura num tecido tridimensional na Terra, e seguiram-no de um período de cultura a bordo da estação Mir.
A equipa de investigadores parece ter identificado efeitos interessantes do ambiente de gravidade no crescimento das células. As suas técnicas e conclusões vêm descritas no último número de Proceedings of the National Academy of Sciences.
Células cartilagíneas de cultura na Terra e na Mir mostraram-se igualmente viáveis e activas. Mas as de cultura da estação orbital Mir tendiam a ficar mais esféricas em vez da habitual forma discóide.
As condições de microgravidade na Mir significam que as culturas no espaço vogam livremente, por isso era igualmente provável que crescessem em todas as direcções, enquanto em Terra o tecido crescia radialmente.
As culturas da Mir eram mais leves, e teoricamente inferiores, do que as suas congéneres da Terra em termos de rigidez e permeabilidade, reflectindo a deterioração dos músculos e ossos detectados nos astronautas depois da viagem espacial.
Estudos mais detalhados, ainda em marcha, poderão, talvez, corrigir estas alterações e eventualmente ajudar os astronautas a suportar os rigores de missões espaciais mais prolongadas.
Os investigadores esperam que os seus estudos continuados permitam identificar os efeitos individuais do lançamento, descida e das condições de radiação no espaço, bem como os efeitos da imponderabilidade.
A compreensão dos efeitos de imponderabilidade tem aplicações mais vastas do que simplesmente a viagem pelo espaço.
Os mesmos princípios se aplicam às condições "pseudo-imponderáveis", contribuindo, assim, para se compreender o desenvolvimento dos tecidos durante períodos de prolongada imobilização, hidroterapia e crescimento fetal.
Talvez os progressos mais importantes nestes estudos sejam conseguir que as culturas de tecidos sobrevivam de todo - sem falar no espaço. Estudos anteriores interessaram-se por simples camadas de células crescendo em laboratório por períodos de até um mês, mas estes não reflectem a maneira como o tecido se desenvolveria naturalmente no organismo.
A utilização de um polímero biodegradável para dar forma a um tecido de cultura tridimensional, e fazer as células crescerem, dividir-se, funcionar, segregar proteínas e organizar-se no que parece normal tecido cartilagíneo, é um progresso notável.
As experiências no espaço mostram de que forma as condições de crescimento que alteram a estrutura também alteram as propriedades dinâmicas de um tecido.
Em última análise, manipulações como esta serão necessárias para produzir e dar forma aos tecidos adequados à transplantação humana.