Marte dá mais dúvidas que respostas
Os dados enviados pela sonda confirmam teorias, mas levantam questões que os cientistas levarão anos a esclarecer
PROVAS. As zonas mais claras da foto, obtida pela "Sojourner", indicam que a água foi abundante na região
As fotografias e resultados de análises efectuadas até agora pelo pequeno veículo robótico Sojourner confirmaram as teorias dos cientistas de que Marte possuiu, outrora, vastas quantidades de água, mas os dados enviados para a Terra "suscitam mais interrogações que respostas", segundo o responsável científico do projecto, Matthew Glombek.
Passada a excitação dos primeiros dias da missão Pathfinder a Marte, o estudo dos dados, que poderá demorar anos, está já centrado na calma dos laboratórios, onde planetologistas, geólogos, meteorologistas e outros cientistas começaram a examinar vezes sem conta todas as informações recebidas de uma área de poucas dezenas de metros quadrados a quase 500 milhões de quilómetros de distância da Terra.
A informação porventura mais importante foi a de que existiram em Marte "enormes quantidades de água" e de que uma parte se conservou em charcos e depois se evaporou. Com efeito, as fotografias feitas pelo Sojourner mostram pedras e rochas em configurações características de uma tal situação, bem como os vestígios de charcos.
Estes resultados, de alguma forma, não surpreenderam os cientistas, que tinham já programado a aterragem da Mars Pathfinder no Ares Vallis porque observações anteriores indicavam que aquela desolada planície na embocadura de um antigo rio tinha sido formada por um dilúvio que arrastara terras e rochas das velhas montanhas do planeta.
A teoria foi agora confirmada pela missão Pathfinder, cujos primeiros resultados indicam a presença de água num período entre um e três mil milhões de anos atrás.
No entanto, alguns dados intrigam os cientistas. Por exemplo, o pára-quedas que travou a descida da Pathfinder abriu-se um pouco mais tarde do que o previsto, indicando que a densidade da atmosfera era menor do que o que se supunha. Por outro lado, a natureza do solo e das rochas fotografadas pela sonda e pelo Sojourner também não corresponderam inteiramente às expectativas. "A superfície de Marte "enferruja" e não sabemos como isso aconteceu", disse um cientista da missão, James Bell.
O solo de Marte contém óxido de ferro, o que dá ao planeta a sua coloração avermelhada característica, mas a sonda revelou que as rochas em Ares Vallis possuem uma grande variedade de cores, textura e composição. É uma verdadeira mina de ouro para os geólogos, com o problema de não poderam fazer observações in situ. No entanto, o problema que mais apaixona os cientistas é a existência de água. A sua presença reforça a teoria de que se desenvolveram organismos, outrora, em solo marciano. Mas a prova de que a vida existiu em Marte não pode ser confirmada nem pela Pathfinder nem pelo Sojourner, que não dispõem do equipamento necessário. A existência de água, um factor essencial à vida, poderá ser um indício. Mas a ciência exige mais.
Teologia católica aceita "marcianos"
Marte e outros planetas poderiam ser habitados por seres vivos sem que o facto obstasse à teologia católica, disse à AFP o padre Gino Concetti, teólogo oficial do jornal do Vaticano, Osservatore Romano.
"Deus poderia ter criado mundos semelhantes à Terra, ou mesmo diferentes, habitados por seres inteligentes", disse, acrescentando que "a questão primordial", a que "é difícil responder", seria se esses seres são descendentes de Adão e Eva e, portanto, marcados pelo pecado original, ou se estarão em estado de graça, não necessitando da paixão de Cristo para a sua salvação. O padre Concetti, franciscano, lembrou a tese tradicional da sua ordem, segundo a qual "Cristo encarnou num homem por amor de Deus e para a sua glória". Ora, segundo esta tese, "Cristo poderia ter-se manifestado de outra forma, que não pelo sofrimento na cruz, a outros seres dotados de inteligência e que não sofressem do pecado original".