Conferência de imprensa no espaço O acidente de Junho na Mir poderia ter sido mortal

O comandante da estação espacial russa Mir afirmou que, quando da colisão da Mir com a nave de carga Progresso, no passado mês de Junho, foram as suas acções que permitiram evitar uma catástrofe muito mais grave, "em que todos teríamos morrido".

O acidente ocorreu a 25 de Junho, quando uma nave Progresso, que estava a aproximar-se da Mir para se reacoplar a ela, fugiu ao controlo manual do comandante Vasili Tsibliev e colidiu com a estação, perfurando a fuselagem de um dos seus laboratórios e destruindo metade da sua fonte de alimentação eléctrica.

"Eu estava a tentar travar a nave para fazer com que ela nos passasse ao lado. Se não tivesse estado a fazer isso, tenho a certeza que a Progresso teria batido directamente na estação", declarou anteontem Tsibliev durante a primeira conferência de imprensa concedida a partir da Mir a jornalistas norte-americanos desde o acidente. "Se isso tivesse acontecido, teríamos morrido ou estaríamos a derivar no espaço dentro de um pedaço de metal".

O que aconteceu em vez disso é que a nave de carga mudou de direcção, não chegou a bater no coração da estação e foi colidir com os painéis solares, perfurando ainda o Spektr, um dos seis módulos que foram acrescentados ao complexo orbital ao longo dos seus 11 anos de permanência no espaço. O Spektr encontra-se actualmente inutilizável, sem ar, e com o seu conteúdo totalmente congelado.

Os observadores no solo têm especulado que a colisão foi devida ou a um erro de pilotagem de Tsibliev, ou ao facto de a tripulação da estação espacial ter sobrecarregado a Progresso com lixo e equipamento descartado na altura da sua primeira acoplagem com a Mir, na véspera do acidente. Quando a colisão ocorreu, Tsibliev estava a guiar a nave de carga novamente em direcção à Mir, de forma a testar um novo sistema manual de acoplagem.

Tsibliev disse agora que as responsabilidades pelo acidente deverão ser determinadas pelos responsáveis do inquérito no solo, mas os seus comentários continham críticas implícitas à própria concepção do sistema. "Vamos ter de examinar o sistema como um todo e perceber o que se passou. É sempre possível apontar um culpado, mas o que importa é que temos aqui uma instalação que não tinha sido totalmente aperfeiçoada".

A última repercussão do acidente foi o repentino cancelamento, pela agência espacial norte-americana NASA, da ida para a Mir da astronauta Wendy Lawrence, que está há mais de um ano a treinar para uma estadia prolongada a bordo da estação russa. Os responsáveis da NASA anunciaram que David Wolf, um médico que faz parte dos quadros da NASA treinados para fazer passeios no espaço, deverá substituir Lawrence de forma a dar apoio aos dois cosmonautas russos que, nos próximos meses, vão tentar realizar um ambicioso programa de reparações na danificada instalação orbital.

Ainda segundo a NASA, Lawrence não tem o treino necessário para realizar passeios no espaço e, com cerca de 1,60 de altura e um peso de 60 quilos, é demasiado pequena para vestir o fato espacial que os cosmonautas russos utilizam quando fazem passeios no espaço. O fato deverá ficar bem a Wolf, que mede mais de 1,75 m e pesa 90 quilos.

Michael Foale, um astrofísico americano actualmente a bordo da Mir, deverá aí permanecer até à chegada do vaivém americano Atlantis em Setembro. Os responsáveis da NASA continuarão entretanto a avaliar a segurança da Mir, devendo decidir, pouco antes do voo do vaivém, se aprovam ou não a estadia de Wolf na estação russa.

A troca de Lawrence por Wolf poderá atrasar em cerca de 10 dias o lançamento do Atlantis, adiando para finais de Setembro a próxima missão de acoplagem do vaivém com a Mir. Isto permitirá a Wolf completar um treino especial sobre passeios no espaço, no Centro Gagarine de Treino de Cosmonautas, perto de Moscovo.

Exclusivo "The Washington Post"/PÚBLICO