10 Diário da Câmara dos Deputados

mós sempre uma grande reserva nos nossos juízos, pois, em geral, são meia dúzia de indivíduos que, em nome de associações, se dirigem à metrópole, exagerando determinada situação, procurando embrulhá-la para com essa escuridão lançada sôbre a questão poderem mais fàcilmente servir os seus interêsses. Ainda há dias um telegrama dirigido ao Sr. Ministro das Colónias, queixando-se de determinado governador, vinha assinado por um vendedor de macacos, porque aqueles que promoveram êsse protesto não conseguiram encontrar alguém de categoria que o assinasse. Êste telegrama produziu na metrópole a repercussão que desejavam aqueles que o enviaram e que não tiveram a ombridade de arrostar com as responsabilidades dele.

Não quero alongar-me mais, Sr. Presidente, porque vejo bem que à Câmara não interessa êste assunto. O paleio, a conversa é muito mais agradável do que as questões que tanto interessam à nacionalidade.

Ao terminar, faço apenas os meus votos para que a Câmara se interêsse mais pelos assuntos coloniais do que até agora tem demonstrado.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Sr. Presidente: confesso a V. Exa. e à Câmara que uso da palavra neste debate, cansado, direi mesmo até, enjoado, da matéria em discussão. O caso do Banco Angola e Metrópole está-se tornando entre nós numa espécie de trágica-grotesca canção da Alma de Dios. A propósito de qualquer questão política, a propósito de qualquer problema administrativo, porque é uma preocupação constante dos espíritos, porque anda nos nervos de todos nós, revive o caso do Banco Angola e Metrópole. E assim farto já da conhecida ária, eu não usaria da palavra neste momento se não fôsse preciso fixar com nitidez, que se não prestre a más interpretações, qual a posição do Partido Socialista perante o assunto.

Bem sei. Sr. Presidente, que não será a opinião socialista e muito menos o voto socialista que vão triunfar no debate. Bem sei que, a respeito dêste assunto, poderia concretizar a minha situação na fórmula de uma canção vulgar espanhola, cuja letra diz:

"Vivo mal de lo que como,

Pues como lo que me dan,

Y es que me dan ciertas cousas

Que no las puedo tragar..."

É que por muito que a gente seja de qualidade de não falar, e receie ser acusada de demorar demasiadamente a discussão dos assuntos da Câmara com prejuízo da nação, há certas questões, certos problemas, que se apresentam perante os nossos olhos e inteligências com tal aspecto que não podemos tragá-los, pelo menos sem protesto.

É uma dessas cousas difíceis de tragar o projecto em discussão. Mas se outra razão não tivesse o Partido Socialista para intervir no debate pela minha boca, seriam fortes razões para fazê-lo as palavras do Sr. Cunha Leal que na Câmara já foram apreciadas pelo digno Deputado Sr. Carlos de Vasconcelos.

O ardente e inteligente Deputado Sr. Cunha Leal, que eu sinto não me esteja ouvindo nas minhas considerações, está dando a impressão ao Parlamento de que na última viagem que fez a Paris se filiou na seita religiosa a que os jornais franceses se vêm referindo agora, conhecida sob a denominação "La secte de Notre Dame dês Pleurs". A seita dos flageladores.

Os flageladores, como toda a Câmara sabe, formaram na Idade Média uma seita que fazia consistir o seu principal rito nos castigos recíprocos que os seus filiados davam uns aos outros. Com a moderação dos costumes, a seita, no século XX, está transformada num sentido prático. Os filiados já não batem nos seus correligionários; batem nas pessoas estranhas.

O nosso talentoso colega Sr. Cunha Leal tem efectivamente, a especialidade de bater nos outros e há 7 ou 8 anos que constato que S. Exa. assim procede, agravando nos últimos tempos, com agradecimento e satisfação, ao que parece, dos que apanham a sua conta. E eu porque vejo as vítimas agradecidas ao flagelante Deputado, sinto-me - devo dizê-lo - muito grato à providência por pertencer, pelo nascimento, a uma qualidade de gente que não foi habituada ao chicote, não agradece pancadas, e sabe retribuí-las.