Assembleia europeia começou em Graz Ecumenismo com desencanto

A segunda Assembleia Ecuménica Europeia (AEE), que reúne cristãos de todas as confissões sob o tema "Reconciliação - dom de Deus e fonte de vida nova", começou ontem à tarde, em Graz, (Áustria), sob o signo do desencanto, provocado pelas consequências inesperadas, no diálogo entre as igrejas, das mudanças vividas na Europa desde a queda do Muro de Berlim.

As orações e os cânticos entoados em conjunto pelos 700 delegados e cerca de 15 mil observadores representando católicos, ortodoxos, anglicanos e protestantes da Europa, pretendiam constituir uma mensagem de esperança no diálogo entre igrejas, mas a tonalidade dos discursos de abertura foi menos luminosa.

"Verificou-se que a euforia do primeiro período [que se seguiu ao fim da guerra fria] não era justificada", afirmou o patriarca ortodoxo de Moscovo e todas as Rússias, Alexis II. Com algum azedume, o líder religioso russo evocou "as novas divisões e os novos problemas", entre os quais as guerras, o desemprego, a criminalidade, e a "cortina de dinheiro", que ameaçam substituir, segundo ele, a antiga "cortina de ferro".

Alexis II apelou então a todos os cristãos da Europa para que se oponham "às divisões e às injustiças e testemunhem perante as potências que detêm o poder e perante a sociedade que é possível e necessário construir uma Europa sem barreiras e sem discórdia".

Mas de discórdia falou também o patriarca ao referir-se ao diálogo entre igrejas: "Actualmente, os países da Europa Oriental vêem a situação ecuménica piorar", considerou Alexis II. Isso deve-se à chegada maciça de missionários de países estrangeiros que se lançam num "proselitismo desenfreado", acusou, numa alusão aos novos movimentos religiosos, sobretudo de inspiração americana, mas também à Igreja Católica e às igrejas protestantes que pretendem actuar livremente nos países ex-comunistas.

Esses missionários, disse o patriarca russo, "levam os seus esforços junto das pessoas que são quer baptizados ortodoxos, quer enraízados historicamente na ortodoxia". Esta "invasão, que dura há seis anos, criou uma tensão extrema dentro da Igreja", o que torna o trabalho da estrutura eclesiástica russa "muito difícil".

Alexis II considerou que esta situação "constitui um desafio dirigido às igrejas da Europa e de fora dela, porque foi a partir do seu território que essa invasão foi desencadeada".

Já o cardeal católico Carlo Maria Martini, arcebispo de Milão - que falava em nome do Conselho de Conferências Episcopais da Europa, que organiza a AEE, a par com a Conferência das Igrejas Europeias, que reúne mais de 300 denominações protestantes e ortodoxas -, evocou "uma espécie de desilusão" que se instalou nas relações entre as diferentes confissões, depois da "alegria e esperança" do início da década.

Apesar disso, Martini considerou que as novas clivagens que têm vindo a surgir "contribuem para desenhar o rosto de uma Europa que necessita e está sequiosa de reconciliação". "A nossa assembleia é uma provocação a uma verdadeira reconciliação", acrescentou.

O patriarca ortodoxo é que poderá deixar, dentro de pouco tempo, de ter razões para se preocupar: nem de propósito, a Duma, câmara baixa do Parlamento russo, adoptou ontem, por 300 votos contra oito, um projecto de lei sobre a questão religiosa, limitando os direitos das pequenas confissões perante as grandes religiões (que são, segundo o texto legal aprovado, o judaísmo, o islão, o budismo e o cristianismo ortodoxo).

O texto, criticado pelos defensores dos direitos religiosos, mas que deverá ter deixado Alexis II muito satisfeito, endurece muito a lei adoptada em 1990, depois de 70 anos de ateísmo oficial. A Igreja ortodoxa é considerada "parte inalienável da herança histórica, espiritual e cultural russa", e as outras organizações religiosas devem provar que existem em determinado território há mais de 15 anos.

A nova lei tem que ser ainda aprovada pela câmara alta do Parlamento antes de entrar em vigor. AFP