"Gays" portugueses em reportagem hoje na SIC Eles e elas vistos por eles e elas

"Entre Iguais", o documentário da jornalista Cristina Boavida sobre os homossexuais portugueses que os telespectadores da SIC vão ver hoje à noite na rubrica Grande Reportagem (às 23h05), chocará mais pela clandestinidade em que os "gays" nacionais teimam em viver do que pelo tema em si.

"Entre Iguais" mostra-nos uma comunidade "gay" que no fundo não existe, tão fragmentada e pouco solidária ela é. Exceptuando casos quase heróicos, como o assumir de há trinta anos do jornalista e escritor Guilherme de Melo, a peça jornalística faz chegar até nós cada "gay" no seu casulo: as lésbicas militantes, que editam uma revista como se estivéssemos ainda nos piores anos do fascismo e que defendem a libertação debaixo de máscaras; o travesti que é marginalizado e criticado pelo "gay" civilizado; os prostitutos das avenidas lisboetas.

"Entre Iguais" não foi fácil de fazer. Obrigou a lentas e demoradas negociações com muitos "gays", sobretudo com as lésbicas, que queriam a voz deformada, a cara ocultada e não queriam nem ouvir falar dum plano da sala de estar lá de casa. Há uma lésbica militante que tapou a cabeça com uma gorra para não ser reconhecida pelos cabelos.

Durante toda a reportagem, não há comentários, não aparecem sociólogos nem psiquiatras bem falantes. Cristina Boavida optou por fazer uma espécie de "Os homossexuais pelos homossexuais". No fim dos 50 minutos em que vai fazendo desfilar um rol de homossexuais e os seus dramas, não há conclusões moralistas. "A minha ideia", explicou a autora da reportagem ao PÚBLICO, "era pô-los a falar sobre eles e cada telespectador tirar a conclusão que quiser."

A reportagem, uma espécie de mosaico muito bem colado pela montagem de José Ribeiro da Silva, começa com umas imagens do famoso "baile dos bombeiros", as matinés dançantes para lésbicas da discoteca Memorial, em Lisboa. Depois, começam a desfilar, um a um, os clandestinos, de máscara na cara, para não serem identificados. Um empregado de comércio de 30 anos diz que a família não sabe, uma professora diz que tem medo de perder o emprego se souberem que é lésbica, Alexandra, outra homossexual, considera que as mulheres são mais delicadas.

Nem todos se refugiam atrás da máscara. Gonçalo Diniz, gráfico, é o primeiro a dar a cara. Tem tentado criar uma delegação da ILGA (International Lesbian and Gay Association) em Portugal mas só conseguiu 50 adesões até agora - a SIC filmou uma reunião, mas os presentes só quiseram ser captados de costas.

"Os homossexuais têm medo", explica Gonçalo Diniz, "no fundo porque é o mundo inteiro a dizer-nos que devemos ser heterossexuais." Outro "gay" assumido é Miguel Vale Almeida, professor de Antropologia, que explica que a sociedade portuguesa aceita que toda a gente faça o que quiser, desde que seja na privacidade. Depois, surge um dos homossexuais portugueses mais assumidos: Guilherme de Melo. É o único que explica como funciona a sua relação homossexual, o único a apresentar o seu companheiro e o primeiro a criticar os outros "gays": "O homossexual português é conservador. É o primeiro a aceitar que está a infringir regras."

A cantora Dina surge a abrir a segunda parte do programa. Assume a sua homossexualidade naturalmente, tão naturalmente que contrasta com os "gays" clandestinos de máscara na cara.

Em "Entre Iguais", ainda há tempo para se falar dos pontos de encontro "gay" - uma câmara oculta mostra-nos um local de "massagens"; e a SIC acompanha José Carlos Tavares, do PSR, num debate numa escola do Cacém. Fala-se ainda em casamento e na adopção de crianças, mas no fim regressa-se sempre ao mesmo: o medo. "Continuam num gueto", explicou ao PÚBLICO a jornalista Cristina Boavida. "Penso que, se todos se assumissem, a sociedade acharia estranho um mês, mês e meio; ao fim desse tempo, aceitava-os."