14 Diário da Câmara dos Deputados
O Orador: - V. Exa. assina-se Roiz.
O Sr. Daniel Rodrigues: - É abreviatura de Rodrigues. Aprende-se isso na escola.
O Orador: - V. Exa. é um bom mestre-escola. Já sabia isso há muito tempo...
O Sr. Daniel é uma pessoa que gosta de sacrificar-se pelo seu partido; e, então, assume sempre atitudes de sacrifício. Como toda a gente anda a gritar contra o Parlamento, acusando-o de ser um "Solar dos Barrigas", um "águas mortas", S. Exa. resolveu-se a prestar um serviço ao seu partido e veio então provocar aqui um conflito com o fim evidente de elevar o nível - S. Exa. o disse - da Câmara.
Creio que S. Exa. terá pertencido àquela geração académica de Coimbra que em certo momento, não tendo mais que fazer, se lembrou de levantar o nível da academia e andou estudando a forma de levantar êsse nível. Pensou, estudou, correu as ruas da baixa, entrou nas ruas da alta e por fim teve de desistir. A academia de então não encontrou o nivel.
Também aqui S. Exa. quis levantar o nível, cerceando a um parlamentar o direito de crítica que lhe assiste.
Felizmente a Câmara, consciente dos. seus direitos, não quis fazer a vontade ao Sr. Daniel.
Ainda bem!
O partido que lhe agradeça o sacrifício, mas a Câmara terá de reconhecer que S. Exa. não andou com muita inteligência. Emfim, cada um vai até onde pode.
Sr. Presidente: reatando agora o fio das rainhas considerações, lembro que eu vinha dizendo que a Esquerda Democrá-ca havia sido roubada lá fora e esbulhada cá dentro.
Sôbre o roubo de que fomos vitimas lá fora posso apresentar o caso eloquente de eleição de Tôrres Vedras. Do esbulho cá dentro é prova a eleição de Évora.
Apoiados.
Em duas palavras se conta o caso da eleição de Évora.
Em Portel apareceu uma acta atribuindo ao Sr. Manuel Fragoso 316 votos. As duas actas atribuiam-lhe apenas 216 votos.
Bastava esta diferença de votos para que entrasse na Câmara o Sr. Luís Gomes ou o Sr. Manuel Fragoso.
Nos termos da lei eleitoral bastaria a certidão passada pela Mesa da assemblea; eleitoral, para se ficar sabendo que o Sr. Manuel Fragoso tinha apenas 216 votos.
Foi então proclamado sem protesto o outro candidato que veio à Câmara, mas foi esbulhado do seu lagar de Deputado pela comissão de verificação de poderes, mandando repetir a eleição de Portei, visto o Partido Democrático estar certo de que ali, com o auxílio dos nacionalistas, conseguiria uma eleição em detrimento do adversário.
Há ainda o caso da eleição de Lisboa, eleição que não se repetiu. Se fôsse repetida certamente à Câmara viriam, dois esquerdistas: o Sr. Sousa Júnior, grande, democrata e grande homem de sciência, e o Sr. Maver Garção um dos maiores-jornalistas republicanos do nosso tempo.
Veja-se se tenho ou não razão para dizer que a Esquerda Democrática foi roubada lá fora e esbulhada cá dentro.
Não é em tem de lamúria pedincha que faço estas reclamações. Nada pedimos!
Não nos queremos apresentar perante a Câmara, nem perante o País, em ar de? vitimas. Nós não queremos ser vítimas, nós o que queremos é acusar.
Apoiados.
As minhas afirmações são para acusar aqueles que, desconhecendo os deveres de um democrata, falsificaram a vontade do povo.
Apoiados.
A proposta apresentada pelo Sr. Manuel José da Silva não tem outro fim que não seja o de remediar mais um esbulha feito cá dentro.
Emquanto as vítimas foram apenas os esquerdistas, tudo estava bera. Quem se importava com êles?
Em certa altura poderíamos repetir aqui a frase do velho democrata, o ilustre Presidente da República: "Tudo de acordo... contra nós!"
Depois, numa ânsia de obterem mais Deputados e não tendo já possibilidade de sacrificarem mais a posição da Esquerda Democrática, entraram pelas posições nacionalistas e foram desalojar do seu lugar um Deputado nacionalista. Então é que ardeu Tróia! Os representantes nacionalistas abandonaram as comissões e ficaram lá os democráticos. E êstes por sua vez também não se entenderam.