António Graça
Num curto espaço de tempo o Boavista perdeu duas pedras místicas do clube: o técnico Manuel José e o major Valentim Loureiro. E ambos, neste momento, estão plenamente realizados já que obtiveram os seus objectivos. Manuel José encontrou a sua "arca perdida", e o major tem imposto o seu peso numa ambiciosa carreira política.
Porém, depois desta dupla orfandade, o Boavista nunca mais deixou de viver como uma carpideira, arrastando-se, penosamente, ao longo dos corredores, em busca de uma salvadora porta de saída. Mas, se chegarmos à conclusão que os artistas que compõem o plantel até têm grande categoria, ficamos, perenemente, perante um caso de falta de motivação, de falta de liderança, e sobretudo, de falta de autoridade.
Curiosamente, Zoran Filipovic ainda entrou no clube pela mão do major Valentim Loureiro - e sabia o que se lhe tinha pedido. Uma negra noite de Alfredo a consumar uma tragédia em Milão começou a desenhar o futuro do técnico - e o mau ambiente que se gerou em torno do guardião começava, também, a pressagiar uma grande injustiça, como se fosse natural atirar para o caixote do lixo da história um homem que se dedicou ao clube e lhe proporcionou grandes êxitos durante treze anos a fio.
Aí, Filipovic mostrou a sua sensibilidade - uma característica que nem todos lhe souberam apreender nesta fugaz passagem pelo Bessa. Além do mau ambiente de Alfredo, Zoran sabia que Tó Luís oscilava e que Ricardo ainda não tinha superado nenhuma prova de fogo. E viu-se forçado a sair do clube quando a equipa começava a assimilar os seus métodos e a debitar um bom futebol e (alguns) melhores resultados.
Com João Alves começava a quebrar-se a habitual monotonia do emblema e da camisola xadrez. O major sempre havia dito que no Boavista nunca se passava nada, que o clube não era notícia para os jornais.
Agora, a realidade começava a ser diferente. E, vindo com a cabeça quente de Salamanca, a João Alves terá faltado alguma lucidez, o que o levou a cometer alguns erros. Convicto de que conhecia os cantos à casa, João Alves colocou de lado, completamente, Rui Casaca. Só depois é que reparou que a casa já não era a mesma, e que até a mobília tinha mudado.
E começa aqui, precisamente, a esboçar-se a primeira esperança de que o Boavista retome a sua natural tranquilidade: é que Mário Reis em vez de concordar que Rui Casaca se sente a uma secretária no departamento de futebol, quer que ele compartilhe opiniões e divida a sua experiência, incluído na equipa técnica.
Mas, voltando a João Alves, há que relembrar outras situações: a utilização de jogadores sem ritmo e o afastamento de elementos em grande forma gerou situações dúbias que crisparam os ânimos de uma massa associativa que vive, quotidianamente, os acontecimentos do Bessa. Impor ausências, como castigo, a jogadores que transgridam, resulta tanto como pôr remendo em pano velho e só prejudica o clube - e nem Manuel José foi por esse caminho neste caso particular.
Com os antecedentes que nunca foram esquecidos, com o percurso sempre contestado, e com os acontecimentos à chegada de Vidal Pinheiro, é evidente que a João Alves não restava outra alternativa senão uma saída digna e honrosa, ou seja, por sua iniciativa. Entretanto, o somatório de casos anormais para um clube onde não se passava nada ia crescendo. E quando Rui Casaca parecia ser o eleito para transmitir a almejada tranquilidade à equipa, eis que nova alteração se sucede. A entrada de Mário Reis quase é assimilada como um facto normal: era desejada e, mais dia menos dia, era esperada. Só que para a sua entrada ficou pelo caminho a promessa de que Casaca se manteria até final da época. O "velho capitão" tardou a entender a decisão - mas os ideais axadrezados suplantaram qualquer reacção.
Com um contrato por dois anos e meio, Mário Reis terá tempo para devolver ao Boavista a mística ganhadora, um pouco à sua imagem. O regresso dos grandes jogadores axadrezados, com Erwin Sanchez a pontificar, diz-nos, claramente, que o novo técnico do Boavista poderá embalar muito cedo para o lugar europeu.
E para que tudo regresse à tranquilidade num Boavista que nos habituou ao bom futebol, só faltará complementar a liderança da equipa com a liderança da Direcção.
Tem a palavra o dr. João Loureiro.