18 Diário da Câmara dos Deputados

como procedeu, tinha, na verdade, uma disposição legal que tornava harmónico êsse procedimento com o mais alto respeito aos princípios. A lei n.° 1:773 deu ao Govêrno uma autorização pelo que se vê do seu artigo 22.°

Não procedeu o Govêrno legalmente? Parece-me que será difícil demonstrar o contrário.

Portanto, meus senhores, na questão das deportações os meus princípios de respeito absoluto pela legalidade estão de acordo com os actos praticados pelo Govêrno.

Pelo que respeita aos julgamentos, e mantendo o mesmo princípio de respeito pela lei, é desejo dêste lado da Câmara que êles se façam.

Mas eu lembro ao Govêrno que o caso é deveras melindroso, e, se eu quero o cumprimento estrito da lei, quero que ela se cumpra de maneira que a situação que motivou a deportação dos "legionários vermelhos" se não repita. Há, portanto, que acautelar, fazer o julgamento ràpidamente dentro das normas legais, mas pensando sempre no futuro.

Todos sabem que a onda do terror foi tam grande que não se limitou, como disse o Sr. Cunha Leal, a Lisboa.

Quando foi anunciado que os julgamentos iam ser feitos nas comarcas da província, lá se repercutiu êsse terror e dizia-se, talvez com razão: se os juizes e jurados de Lisboa não querem correr o risco de serem amanhã assassinados por cumprirem o seu dever, nós também não estamos dispostos a corrê-lo; todos temos interêsse na defesa da ordem social, mas tanto nós como êles.

Eu deveria, talvez, terminar aqui as minhas considerações, mas há um ponto que ainda não foi frisado e que não deixa de ser oportuno.

O caso de que estamos hoje tratando aqui não será, infelizmente, só de hoje, há-de ser, talvez, de amanhã, e, apesar de o Sr. Amâncio de Alpoim não precisar de indicações de quem não tem os conhecimentos técnicos para lhos poder dar, S. Exa. que,, se me não engano, noutro dia declarou que se para isso o convidassem estaria pronto a fazer a defesa, nos tribunais, dos deportados...

O Sr. Amâncio de Alpoim : - Não fiz essa declaração.

O Orador: - Se não fez esta, fez uma declaração semelhante.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Não a fiz, mas fica feita agora.

O Orador: - Ora ainda bem, porque assim dá-me V. Exa. oportunidade para continuar nas minhas considerações.

Dizia eu que, como é natural que V. Exa. ponha nessa defesa todo o cuidado que costuma pôr nos seus trabalhos, procurando invocar em defesa dos legionários tudo quanto ao sou alcance esteja, lembro que na lei há uma disposição que a meu ver muito lho favorecerá essa defesa, e é a da justificação do facto. Diz a lei:

Leu.

Como é natural que esta disposição legal seja invocada, será fácil a V. Exa. demonstrar que realmente êste medo, se não em todos, em alguns existia, porque, por várias vezes, verificámos que alguns legionários foram liquidados por não terem cumprido as ordens recebidas, por não terem cometido os crimes a que se tinham obrigado; mas então teremos de ir descobrir os verdadeiros autores, e isso seria interessante descobrir, porque, se hoje estão quietos e calados, amanhã aparecerão novamente.

Para se provar que havia medo é preciso procurar de onde vinha. Se se provar a coacção, é preciso averiguar quem a exercia, e, então, não deixará de ser interessante saber-se quem são de facto os verdadeiros autores, que, para mim, não são tanto aqueles que executam o crime como aqueles que ao crime incitam e do crime fazem propaganda.

É preciso, pois, que todos nos convençamos de que não é só nas mãos do Govêrno que está a defesa da actual organização social; nós todos devemos contribuir para essa defesa, sendo bom que a sociedade com medo que a matem se não deixe matar.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Amâncio de Alpoim não fez a revisão dos seus "àpartes".