Vitórias relativas e derrotas absolutas
A. Oliveira e Castro
O Partido Socialista ganhou as eleições do passado domingo - não há volta a dar-lhe nem mistificação aritmética possível. Obteve mais votos, conquistou mais presidências de câmara e de juntas de freguesia e ficou à frente no número de mandatos.
O desconforto de que, apesar da vitória, deu mostras, tem outra explicação, que decorre do facto (incontroverso) de os resultados eleitorais terem ficado bastante aquém das suas expectativas, que o jornal "Público", na edição do passado dia 9 (cinco dias antes da ida às urnas), sintetizava assim: "Maioria absoluta - PS quer embalar dia 14".
Esse objectivo que, no Gavião, António Guterres, definiu como "grande vitória", não o alcançou o Partido Socialista.
Daí que para sublinhar o triunfo eleitoral autárquico (indiscutível), o PS se tivesse socorrido, não das metas que ele próprio estabelecera (e de que a edição de o "Público", do passado dia 9, é um excelente exemplo), mas, sim, das metas estabelecidas pelo... PSD: presidências de câmara, juntas de freguesia, mandatos, etc.
O desconforto de que o PS, apesar da vitória, deu mostras ficou bem patente na necessidade que sentiu de convocar tantas conferências de Imprensa (cinco!) para análise e comparação de resultados.
Só António José Seguro, no espaço de 12 horas, convocou três. António Guterres, como é da praxe, também disse. E quando o país já apreendera tudo (e mais alguma coisa) sobre quem ganhara e quem perdera, o ministro Jorge Coelho não resistiu à tentação de acrescentar explicações.
Este facto, aparentemente sem significado, é, pelo contrário, bem demonstrativo de como o Partido Socialista receou, para além do que seria razoável, que os portugueses, a quem acenara com uma "grande vitória", cometessem o erro de confundir uma vitória relativa (aquela que alcançou) com uma derrota.
Tratou-se de um receio infundado, dado que os portugueses não são facilmente confundíveis. E um receio que acabou, desnecessariamente, por abalar a convicção e o brilho dos discursos de vitória.
Ficou mais claro, assim, que o grande objectivo do PS era esmagar a Oposição; ao não consegui-lo, todo o partido revelou enormes dificuldades em recuperar o alento.
No PSD, sucedeu exactamente o contrário: a euforia (sincera) dos seus dirigentes ultrapassou a valia dos resultados eleitorais.
Nenhum dos objectivos foi verdadeiramente alcançado, embora de todos se aproximasse bastante, suplantando as melhores previsões internas e externas.
Por isso, mesmo não ganhando as eleições, o PSD de Marcelo conseguiu transmitir para o exterior um sentimento de vitória; ao passo que o PS, mesmo vencendo as eleições, não conseguiu libertar-se de um sentimento de derrota.
Os recuos (mais ou menos perceptíveis, mas sempre mensuráveis) de Fernando Gomes, no Porto, de Narciso Miranda, em Matosinhos, de Mário Almeida, em Vila do Conde, ajudaram a instalar, pelo menos no Grande Porto, esse clima geral de insatisfação - porventura injustificado, e que as vitórias de Menezes, em Gaia, de Valentim, em Gondomar, e de Fernando Melo, em Valongo, aprofundou e realçou.
A "grande vitória" que Guterres previu e pediu teve apenas expressão adequada na Área Metropolitana de Lisboa, com a conquista de três importantes municípios à CDU: Amadora, Montijo e Vila Franca de Xira.
A esta "grande vitória" do PS correspondeu, no essencial, a "grande derrota" da CDU, com a curiosidade de ambas terem de conviver, a partir de agora, com mais ou menos tensões, no interior da Câmara de Lisboa.
Cada coligação tem o seu preço. O que o PCP acaba de pagar no Montijo, em Vila Franca e na Amadora foi elevado. Muito mais elevado do que o PP pagou no Porto, apesar de tudo...
No fim das contas, perderam, absolutamente, os partidos mais pequenos - o que não é uma grande notícia para a democracia.
Dos partidos grandes, nenhum esmagou o outro. Pelo contrário, do PS/Porto, é fácil prever que a AMP, daqui a poucos anos, esteja às portas de Bragança ou de Almodôvar.