No segredo dos comunistas

A proposta do Governo continua nas mãos do PCP. Cravinho avisou que uma "coligação negativa" poderá abrir crise política

Suspense. Os comunistas fazem questão de o manter. E só hoje revelam o seu sentido de voto quanto à proposta de lei das Finanças Locais. Um voto que pode levar à rejeição da proposta do Governo.

Ontem, o ministro do Planeamento foi perempório: "Se houver uma coligação negativa (da oposição) que force o Governo a aumentar os impostos ou o défice, essa coligação terá de assumir a responsabilidade pelo enorme sarilho!..." João Cravinho respondia, desta forma, a Manuel Monteiro, durante o debate da polémica proposta de lei, sobre a possibilidade de eleições antecipadas.

"Mantém-se tudo na mesma!" O líder parlamentar do PCP saía com esta resposta ambígua da conferência de líderes parlamentares, que decorreu em paralelo ao debate em plenário. Octávio Teixeira pediu aos parceiros de conferência "tempo para reflectir" sobre a proposta de calendário de discussão da revisão constitucional apresentado pelo presidente do Parlamento e aceite pelas outras bancadas. Calendário do qual o PCP tinha feito depender o seu sentido de voto da proposta de lei de finanças locais.

Octávio Teixeira garantiu ao DN que uma decisão definitiva ainda não está tomada. Apenas deu a entender que a proposta de calendário de Almeida Santos também não era do agrado do PCP, visto diminuir o número de sessões plenárias, tanto para o debate da revisão constitucional como das restantes matérias parlamentares.

Só hoje, ao meio-dia, numa conferência de líderes que decidirá a agenda da revisão em plenário, o PCP tomará a sua posição. E, ainda que discorde do calendário apresentado, é pouco provável que arrisque o voto contra a proposta de lei de finanças locais. Sabendo que o PSD e o PP votarão contra. E que o Governo, depois das ameças de demissão que fez quando da aprovação dos projectos de lei da oposição sobre a mesma matéria, dificilmente poderia resistir.

Aliás, quem ontem introduziu a temática "crise" num debate sem novidades de maior foi o líder do PP. Manuel Monteiro questionou Cravinho, relembrando os cenários de uma crise política: "Se a proposta não for aprovada o que é que o Governo faz? Demite-se? Não apresenta o Orçamento de 1998? Ou apresenta a esta câmara uma moção de confiança?"

O ministro do Planeamento não se mostrou muito disponível para abordar o assunto. Mas acabou por responder de forma também ambígua. "Somos um partido e um Governo de estabilidade. Não queremos eleições antecipadas, mas não as tememos se as provocarem."

Monteiro, pouco satisfeito, voltou à carga: "Retiro a ilação de que o Governo não se demitirá se a proposta não for aprovada. Se outra for a interpretação do primeiro-ministro, quem se demitirá é o ministro João Cravinho." O visado rejeitou liminarmente a "ilação". E foi neste momento que evocou a "coligação negativa" da oposição que poderia conduzir a eleições antecipadas.

Embora nunca tenha de sua lavra ressuscitado o cenário de crise política, Cravinho foi bastante cáustico, tanto para o PCP como para o PSD. Ao primeiro acusou de "chantagem". Ao segundo de "hipocrisia" ao defender um projecto que, na sua opinião, iria provocar um aumento de impostos na ordem dos 150 milhões de contos. Cálculos que a deputada social-democrata Manuela Ferreira Leite bem se esforçou por contrariar.

Na votação de hoje, uma voz importante do PP será dissonante. A líder parlamentar vai votar contra, mas com uma declaração de voto com críticas implícitas ao presidente do partido.

Constituição votada a 3 de Setembro

PS, PSD e PP aceitaram a proposta feita por Almeida Santos, na conferência de líderes, para que a discussão da revisão em plenário comece no dia 11 e termine a 30. E que a votação global final transite para 3 de Setembro. Só o PCP pediu tempo para reflectir. Hoje, em nova conferência, mesmo que os comunistas não acedam, o calendário será aprovado por maioria. Esta agenda reserva para a revisão constitucional 19 sessões plenárias, intercaladas com outras com temas diversos. Um dos motivos para as reticências do PCP é o facto de ainda se restringir mais o número de sessões reservadas à revisão e aos agendamentos dos partidos e do Governo.