Onda de ilegais atinge sul de Espanha
Em barcos ou escondidos em camiões, muitos marroquinos tentam conquistar a Europa. Um sonho que alimenta negócios
Correspondente em Madrid
APANHADO. O momento em que a polícia espanhola detém um dos imigrantes clandestinos do Norte de África
O estreito de Gibraltar, a grande fronteira entre a África e a Europa, está a transformar-se num imenso cemitério de imigrantes ilegais. A obsessão dos jovens marroquinos e argelinos por abandonar a miséria em que vivem não tem limites. Atravessam as águas turbulentas do estreito amontoados em pequenos barquitos ruinosos, suspensos debaixo dos châssis dos camiões ou até na caixa da âncora dos ferries. Só no último ano, a polícia espanhola interceptou e prendeu mais de cinco mil clandestinos. Dezenas deles naufragaram e ficaram no fundo do mar.
Uma das maiores tragédias aconteceu em Outubro de 1996, quando 27 jovens perderam a vida ao virar-se uma destas pateras, quase no início da viagem. O naufrágio ficou a dever-se a uma manobra do piloto, que quis esquivar-se a um navio de grande calado a aproximar-se.
Um só barquito afundado representa vinte ou trinta pessoas que perdem a vida. As pateras, apenas com cinco a oito metros e um motor fora de borda, estão preparadas para levar dez pessoas, mas acabam por transportar três vezes mais. O mar, muito picado, pois ali confluem o Mediterrâneo e o Atlântico, e com um grande tráfego de grandes navios, é um perigo permanente para estes espaldas mojadas que protagonizam na Europa a saga dos seus primos mexicanos, que atravessam o rio Grande.
A aventura de atravessar o estreito para "conquistar" a Europa não é de agora, mas intensificou-se nos últimos dois anos. "É uma avalancha imparável", segundo um responsável da polícia. "Há noites em que se interceptam várias embarcações, a poucos quilómetros umas das outras." As autoridades pensam que os cinco mil ilegais detectados são apenas parte dos que conseguem passar sem ser vistos, que vão engrossar o número de marroquinos ilegalmente estabelecidos em Espanha, que pode atingir os 200 mil, ou mais.
Os barcos fazem a travessia dos 21 quilómetros de noite, o que complica a sua detecção pelas lanchas e patrulheiras da Guardia Civil. Há quem pense que, se os norte-africanos não desistem duma viagem tão perigosa e destinada a gorar-se em boa parte dos casos, é porque estão conscientes de que contam com trunfos para ganhar a partida. Se conseguem vencer o mar e ludibriar a polícia, as suas hipóteses de sucesso são quase de cem por cento. A polícia espanhola enfrenta dificuldades para controlar os ilegais e está quase de mãos atadas para os repatriar, devido às campanhas das ONG, que pretendem uma política de "portas abertas". Um dos truques dos imigrantes clandestinos para não serem repatriados consiste em cometer algum pequeno delito. Enquanto os tribunais não o solucionarem - e isso demora anos -, o imigrante não pode sair de Espanha. O submundo de trabalho ilegal possibilita-lhes a sobrevivência.
A tragédia ocorre quando a polícia está à espera na praia, do lado espanhol. Os ilegais terão que regressar a Marrocos e abandonar os seus sonhos de encontrar trabalho em Espanha. O pior é que todo o enorme sacrifício económico que representa pagar a viagem na patera não lhes terá servido de nada. Atravessar o estreito nestes botes minúsculos custa entre 75 e cem contos, às vezes mais, uma quantia desmedida para uma economia como a marroquina, em que o ordenado médio não ultrapassa os 50 contos.
Com a detenção dum destes jovens pela polícia espanhola, fica desmantelado todo um projecto de vida. Muitas famílias vendem propriedades e casas ou endividam-se para poder pagar a viagem. A outra face da moeda é um negócio florescente que alimenta autênticas redes de mafias. Já foram detectados barcos de pesca com imigrantes no porão. Algumas destas embarcações, não só espanholas mas também, segundo se diz, portuguesas, aproveitam o regresso de Marrocos para aumentar as suas receitas com esta "exportação".