Pingue-pongue verbal à volta das finanças locais

Avanços e recuos do PSD e do Governo, com ameaças de eleições antecipadas, animaram vida política dos últimos meses

Aquela que parecia uma banal proposta partidária viria a constituir a razão da mais mediática crise política criada desde que os socialistas foram para o poder. A 30 de Janeiro, o DN dava a conhecer o anteprojecto do PSD sobre finanças locais, que propunha uma transferência gradual de percentagens de IRS para as autarquias até atingir dez por cento em 2002, a começar em 1998, ou seja, com aplicação já no próximo Orçamento do Estado, a discutir em Setembro.

A polémica estava para durar. Só em meados de Abril voltaria a acentuar-se a "guerra" das palavras e das ameaças. Marcelo Rebelo de Sousa, num discurso em Viana do Castelo, troca a regionalização pelo municipalismo. Sem abandonar a proposta de referendo sobre regionalização, aposta agora, em tempo de autárquicas, no reforço dos poderes dos municípios. Uma jogada de sedução para autarcas desejosos de mais recursos.

Só em Maio o Governo passaria ao contra-ataque. Anuncia que vai duplicar as verbas transferidas para as autarquias até ao ano 2001, passando assim dos 250 milhões de contos actuais para os 500 milhões. A ideia é concretizada numa proposta de Lei-Quadro de Transferência de Atribuições e Competências para as Autarquias, que sobe hoje à Assembleia da República para discussão. Simultaneamente, o PS faz saber que a proposta governamental é a única exequível, sendo a do PSD demasiado generosa, pondo em causa "os critérios de convergência para entrar na moeda única". Foi o ministro João Cravinho (não por acaso) o ponta-de-lança que veio à ribalta instalar a polémica. E entrou forte, ameaçando com eleições antecipadas. Marcelo não lhe deu muita importância, considerou "um amuo com o pior pretexto possível" e diz desejar que o Governo cumpra o mandato "até ao fim".

António Guterres vem reforçar a mensagem deixada por Cravinho. Não é ele que lança a polémica, apenas comenta. Como convém. Mostrando não temer eleições antecipadas, afirma que, "se a oposição quiser impor-nos uma política contrária às nossas convicções, ou se junta para governar ou terá de ser o povo a decidir". A crise estava instalada. Com o PS a actuar em várias frentes, é João Cravinho quem dá a outra face da moeda: diz-se disponível para "encontrar formas de melhoria" da proposta governamental.

O PP deita achas na fogueira. Que não aceitará qualquer solução "que não preveja um aumento significativo das verbas para os municípios". O PCP reserva-se para posição posterior.

Quem parece não ter gostado do jogo político foi Jorge Sampaio. Que fez saber, através dos seus assessores, que não queria nem ouvir falar em eleições antecipadas. Como é ao Presidente que compete a convocação de eleições legislativas, Sampaio não terá gostado de não ser ouvido no processo.

O Presidente conversou com Guterres e Marcelo para pôr fim à guerrilha verbal. António Guterres, em Ponta Delgada, nas jornadas parlamentares do PS, abandonou a expressão "eleições antecipadas" e voltou a privilegiar o diálogo com a oposição. "Estendo a minha mão, estendemos as nossas mãos..." Estava feita a desdramatização, mas sempre lembrando que "não será este Governo ou outro Governo do PS a aplicar a lei" (do PSD). E sempre o mesmo argumento. O fantasma de um aumento brutal de impostos, ou, em alternativa, do défice público, e o adeus à moeda única. O pingue-pongue manteve-se. Marcelo respondia: "Foi uma birra de Primavera." Entrou o mês de Junho em tom de rescaldo da crise. Tudo parecia resolvido, até porque Marcelo recuara tanto que mostrava ter medo das eleições antecipadas. Mas Guterres não deixou morrer o tema e, numa visita ao Entroncamento, deu novo passo em frente: que o Orçamento para 98 estava já a ser feito com base na proposta socialista das finanças locais e que, caso não fosse aprovada, não governaria. Ninguém "pode obrigar o Governo a governar com o aumento da despesa pública". Marcelo reagiu em tom consensual, mostrando acreditar que tudo se resolverá sem problemas. Hoje se verá!