Contentor radioactivo afunda-se nos Açores
Três embalagens de cloreto de césio, deformáveis a partir dos 200 metros de profundidade, estão a 3000 metros e a 180 milhas de São Miguel
Luísa Botinas
Três fontes de césio 137, sob a forma de cloreto, estão a três mil metros de profundidade no mar, a 180 milhas da ilha de São Miguel. Esta carga encontra-se no interior de um contentor, dentro do porão de metade do cargueiro MSC Carla - a proa do navio que se afundou na sequência do temporal que o partiu em dois o dia 25.
Segundo o Ministério do Ambiente, aquela quantidade de matéria radioactiva não representa qualquer perigo para a população açoriana. De acordo com Marques de Carvalho, assessor da ministra, que promoveu uma conferência de Imprensa, "as três fontes são pastilhas "fritadas" e encapsuladas e estão seladas dentro de um contentor localizado no fundo do porão. O contentor está devidamente marcado e cada uma das fontes está certificada com a classe 7. Ou seja, em termos de radioactividade, duas fontes têm 65 terabecquerel, cada, e uma tem 200 terabecquerel". Para se ter uma ideia: um tera é igual a 10 elevado a 12 e um becquerel equivale a uma desintegração de um átomo por segundo.
A associação ambientalista Quercus alertou para o perigo da carga radioactiva poder "libertar-se do contentor a qualquer momento" e responsáveis do Greenpeace temem que os contentores "não estejam preparados para sofrer a pressão. Podem explodir e libertar o produto, se é que isso não sucedeu já, podendo contaminar os peixes e espalhar-se, influenciando o ecossistema".
As fontes de césio 137 tinham como destino hospitais dos Estados Unidos e, em particular, as respectivas unidades de radioterapia para tratamento oncológico.
As autoridades portuguesas consideram que não faz sentido recuperar a carga a três mil metros de profundidade, hipótese que se admitiria se os contentores estivessem a 1500 metros. Dada a profundidade, é provável, dizem os técnicos, que se verifiquem algumas fissuras nas embalagens e no contentor, dado que a capacidade dúctil (de deformação) só aguenta até aos 200 metros.
"A prazo, a corrosão irá paulatinamente destruir a embalagem e, aí sim, haverá libertação do cloreto de césio, que é solúvel na água do mar. As consequências são insignificantes, pois trata-se de fontes com valores muito inferiores a outros lançamentos feitos anteriormente no mar", explicou.
Para se ter uma ideia, o assessor de Elisa Ferreira afirma que a carga "equivale a um por cento do que se libertou de matéria radioactiva, num ano no mar da Irlanda. Ou ainda, mil milhões de vezes inferior ao que é correntemente aceite em termos de exposição de seres humanos a radioactividade". O Ministério, que já contactou o Instituto de Inovação Tecnológica dos Açores, vai monitorizar a zona, fazendo colheitas de água e peixes. "Mas mesmo o peixe de águas profundas como o peixe-espada preto, não vão aos três mil metros", disse Ortiz Bettencourt do Departamento de Detecção e Segurança Radiológica da Direcção-Geral do Ambiente.
Apesar de se saber do conteúdo radioactivo de parte da carga do MSC Carla antes do afundamento da proa, informação dada pelo porto francês do Havre, as autoridades portuguesas consideraram impossível a retirada da carga antes do afundamento. "As condições de instabilidade da proa e o facto de os contentores se encontrarem presos ao casco tornaram a operação de resgate inviável", disse o assessor.
A proa do MSC Carla deveria ter sido rebocada, à semelhança do que aconteceu com a popa, todavia, aquela parte do cargueiro acabou por se afundar de 29 para 30 de Novembro. Este acidente radioactivo e não nuclear não representa perigo para a pesca. "O césio não dispersa rapidamente. Fica circunscrito a uma área, não sendo por isso necessário condicionar a pesca no local", salientou Marques de Carvalho. O césio levará 300 a 500 anos a desaparecer do fundo do mar do Açores.