Uma esperança para o povo do Sara Ocidental

Luísa Teotónio Pereira*

Dias depois da nona ronda negocial sobre Timor-Leste, sob os auspícios da ONU, o Governo português foi o anfitrião de negociações de paz sobre o território não autónomo do Sara Ocidental. Pela primeira vez, no quadro das Nações Unidas, delegações da Frente Polisário e de Marrocos sentaram-se à mesma mesa, sob a mediação do representante pessoal do secretário-geral, James Baker, e tendo como observadores a Argélia e a Mauritânia.

Às muitas semelhanças que existem entre os processos de descolonização do Sara Ocidental e de Timor-Leste, acaba de ser acrescentada mais uma, da maior importância: o empenho de Kofi Annan em definir novas estratégias que permitam encontrar soluções políticas adequadas e justas para conflitos que se arrastam há mais de duas décadas, sem uma saída para a efectivação do direito à autodeterminação que a ambos os povos assiste. Começa a tornar-se mais viável a concretização do compromisso da ONU em erradicar o colonialismo da face da Terra, até ao limiar do século XXI.

O caso saraui apresenta avanços importantes em relação à questão de Timor-Leste: em 1991 foi acordado um cessar-fogo entre as duas partes, no âmbito do plano de paz elaborado pelas Nações Unidas, que prevê o estacionamento de uma força de capacetes azuis (Minurso) no território e a realização de um referendo. Apesar de tanto Marrocos como a Frente Polisário terem assinado o documento que regula com pormenor toda a preparação do acto referendário, Rabat tem vindo desde então a acrescentar exigências quanto ao número de votantes, com o intuito de garantir um resultado favorável às suas pretensões de integração dom Sara Ocidental no reino de Hassan II.

James Baker que, tal como o embaixador J. Marker, foi recentemente nomeado pelo secretário-geral da ONU como seu representante especial, tornou muito claro, no final das conversações que tiveram lugar em Londres a 11 e 12 deste mês, que não seria considerado nenhum cenário de autonomia para o Sara Ocidental, no âmbito das discussões mediadas pelas Nações Unidas. E reafirmou a necessidade de se chegar a um acordo entre as partes que permita viabilizar o referendo inicialmente marcado para 1992.

A escolha de Lisboa para palco deste relançar do processo tem todo o sentido no actual panorama internacional e representa para o Governo português, simultaneamente, um reconhecimento, uma oportunidade e uma responsabilidade. Não será estranho a esta iniciativa o facto de Portugal ter assegurado com isenção, nos últimos anos, o comando da Minurso no terreno, assim como a circunstância de ter sido eleito para o Conselho de Segurança da ONU (órgão responsável pela aplicação do plano de paz). A presença mais activa e o crescente prestígio da diplomacia portuguesa na cena mundial conferem ao anfitrião deste encontro uma credibilidade que pode jogar um papel significativo, ainda que discreto.

O conflito que opõe a Indonésia à comunidade internacional, no caso de Timor-Leste, não tem impedido Jacarta de contribuir para a resolução de problemas na sua área (como aconteceu relativamente ao Camboja e às Filipinas). Muito melhor poderá Portugal actuar no sentido de colaborar com as Nações Unidas para que uma solução que respeite as justas e inalienáveis aspirações do povo do Sara Ocidental veja a luz do dia, o mais rapidamente possível.

Neste quadro impõe-se o reconhecimento sem ambiguidades da Frente Polisário, como uma das partes que integram directamente o processo negocial (já que, com Marrocos, Portugal mantém há muitos anos relações diplomáticas estáveis). Tal como o Estado português tem defendido a participação de timorenses no formato de conversações que devem levar à definição de uma estratégia para alcançar a paz e a legalidade internacional, também agora é indispensável manter o diálogo com aqueles que são os mais interessados na resolução do conflito - para que a realização de um verdadeiro acto de autodeterminação possa ter lugar e para que o seu resultado, seja ele qual for, mereça o respeito das partes e da comunidade internacional.