Apresentação Campanhas de Revisão Índice
O LIVRO de Virtuosa Bemfeyturia

Pretende-se aqui analisar os instrumentos de escrita utilizados por Luís Afonso Ferreira nas notas e alterações que foi introduzindo nas revisões deste exemplar privado da tese. Os objectivos que presidem a esta análise são: (1) tentar perceber se se verifica uma eventual padronização da utilização dos diversos instrumentos de escrita; (2) apurar a ordem por que foram usados; (3) determinar em que medida poderão reflectir o processo de escrita de Luís Afonso Ferreira.

É necessário antes de mais referir que o processo de distinção dos instrumentos de escrita foi estritamente empírico, sem que se tenha recorrido a nenhuma análise laboratorial, pelo que os resultados alcançados podem sofrer desta limitação.

Os instrumentos utilizados nos dois volumes são os seguintes:

(a) lápis de carvão preto

(b) tinta preta, que parece ser de uma caneta de tinta permanente (tp)

(c) tinta preta 2, que não será de tinta permanente (ntp)

(d) lápis vermelho

(e) lápis rosa

(f) tinta azul

Os instrumentos descritos são usados em ambos os volumes, com excepção do lápis rosa, apenas usado no volume I, e da tinta azul, usada exclusivamente na capa do volume II. Para além disto, antes de qualquer revisão e, provavelmente, enquanto decorria a escrita do texto, há correcções dactilográficas, praticamente em todas as páginas.

A distinção entre as tintas pretas nem sempre é fácil de fazer. Para além disto, o tipo de papel das folhas de guarda dos dois volumes é diferente do resto do papel do exemplar privado, pelo que a tp parece, nestas folhas, diferente, o que considero resultar apenas de uma absorção diferente que terá tido neste papel e não no resto do exemplar. Este dado não é, no entanto, seguro, e só uma análise laboratorial permitiria confirmar esta afirmação com segurança. As restantes folhas do exemplar privado são cópias carbono, resultantes da utilização de um papel químico. No capítulo “Ortografia e Pronúncia”, é admissível que tenham existido mais folhas intermédiárias entre o químico e esta cópia, pois os caracteres dactilografados estão aqui mais sumidos do que nas demais.

Os três principais instrumentos de escrita, em ambos os volumes, isto é, aqueles que são mais utilizados e que fazem a maior parte das emendas ao texto, são o lápis de carvão preto e as duas canetas de tinta preta. A análise das emendas feita, que é a melhor forma de apurar a sucessão dos instrumentos de escrita, não parece conduzir a resultados claros quanto à sua ordem: por um lado, na página 80, a ordem parece ter sido tp → lápis de carvão, uma vez que é eliminado a lápis um trecho de texto que antes tinha sido alterado com a tp:

Mas nas páginas 7-8 do vol. I terá acontecido o inverso, sendo eliminado com a tp um passo do texto antes corrigido a lápis:


Quanto à sucessão entre, por exemplo, as correcções a tp e a lápis de carvão – que não a eliminação de texto -, que se podem ver, por exemplo, na imagem da página 80, é impossível determinar a ordem da sua ocorrência. Do mesmo modo, é impossível determinar a ordem das correcções na página 8, depois marcadas para ser eliminadas, em que a alteração na expressão “sem exagerarmos” → “que examinamos” é feita a lápis para a primeira palavra e a tp para a segunda.

Quando haja correcções com as duas tintas pretas na mesma página, a ordem terá sido ntp → tp, como resulta da p. 11 do volume I, em que é eliminada, com a tp uma palavra antes corrigida pela ntp.

No capítulo III do volume I, o lápis rosa é também utilizado para introduzir emendas, sem que me pareça claro, no entanto, o momento da sua utilização, uma vez que as emendas que introduz não se sobrepõem às dos outros instrumentos de escrita.

No volume I, a revisão é intensa nos dois primeiros capítulos, obedecendo à descrição feita aqui, e também no capítulo IV, sendo que neste a ntp não é utilizada. O capítulo III é objecto de pouca revisão, sendo o instrumento aí predominante o lápis rosa. Curiosamente, no exemplar de Coimbra há, neste capítulo, a partir da página 100, uma série de correcções, sobretudo de gralhas, que não foram feitas neste exemplar privado. Nos dois últimos capítulos, a revisão é esparsa, cabendo sobretudo ao lápis de carvão.

Quanto às funções desempenhadas por cada um dos instrumentos na revisão da tese, o lápis de carvão é o mais utilizado, sendo usado para o desempenho de funções muito diversas:

(i) correcções e acrescentos no texto

 (ii) considerações estruturais

(iii) considerações literárias ou bibliográficas


As tintas pretas (tp e ntp) servem sobretudo para correcção de gralhas e de sinais que não podiam ser corrigidos dactilograficamente, muitas vezes no aparato.

  

No volume I, aparece ainda o lápis rosa, quer para marcar alterações estruturais

 

quer introduzindo notas marginais, como visto acima. No capítulo III do volume I, aquele em que intervém mais abundantemente, serve também para marcar alterações pontuais ao texto.

O lápis vermelho aparece, neste volume, apenas uma vez, para indicações que dizem respeito à estrutura do texto, conforme imagem acima.

No volume II, o lápis de carvão tem as funções antes descritas, sendo que quando é usado para eliminar letras ou palavras no texto, marcar correcções de gralhas, de pontuação ou de sinais a incluir no texto é, na generalidade dos casos (mas não na pontuação), reforçado ou sobreposto por uma das tintas pretas.

As excepções acontecem nas pp. 68, 76, 95 em que o sinal < >, delimitando letras conjecturadas por Luís Afonso Ferreira, se mantém a lápis, assim como na p. 83, em que as correcções de letra e sinal no aparato se mantêm a lápis – podem ser casos em que, na segunda revisão a tinta preta, o autor não tenha notado estas correcções a lápis, facilmente confundíveis com o dactilografado.





A partir do capítulo “Ortografia e Pronúncia”, as correcções passam a ser feitas a lápis, não sendo estas reforçadas por qualquer das tintas pretas – parece deixar de haver correcções a tp, só usada para a numeração e na p. 116.

Em seguida, neste capítulo, só há alterações a lápis de carvão e de todos os tipos, com excepção da alteração que será com tp nas pp. 154, onde, de qualquer modo, existem também alterações a lápis:

e na 155, onde as alterações são exclusivamente feitas com a tp:


O lápis de carvão é usado também para as notas marginais, quer para a inclusão de sinais, quer para notas manuscritas mais detalhadas, tanto no texto como nas margens – indicação de autoria ou de alterações a introduzir no texto, além da explicação de aspectos linguísticos, sintácticos ou literários do texto.

Embora as tintas pretas nem sempre sejam fáceis de distinguir, a ntp parece ser mais usada nas páginas iniciais e a tp mais sistematicamente a partir da página 50. Fazem-se com elas correcções no texto e no aparato, quer de gralhas quer de sinais que admito não pudessem ser traçados pela máquina de escrever. Podem servir também para acrescentar ou completar palavras.

A parte final, relativa à bibliografia, não tem alterações até à p. 194, onde são introduzidas alterações com tp:

Por fim, na página 195, parece ser usada a ntp:

Quanto a casos especiais de anotações, merecem referência a folha de guarda do volume I e o esquema inicial, justificando análise particular uma vez que são, ambos, exteriores à tese, e inexistentes no exemplar de Coimbra. No entanto, o seu momento de concepção e realização não poderá ter sido o mesmo. Assim, a folha de guarda está datada de Maio de 1946, antes da data que consta da tese propriamente dita – Maio de 1948. Pode tratar-se apenas de um erro quanto ao ano, uma vez que o mês coincide, mas também pode significar que esta folha de guarda foi feita antes de tudo o resto, no momento inicial de escrita da tese. Quanto ao esquema inicial, parece admissível que tenha sido feito no fim de tudo, considerando, por um lado, o facto de o esquema ser feito nas costas de uma folha que tem dactilografado de maneira pouco nítida os títulos do segundo capítulo, e, por outro, parecer ser um desenvolvimento do esquema do capítulo I, obedecendo, aliás, às indicações de alteração estrutural aí referidas. Seria um esquema de reformulação do primeiro capítulo, o único que chegou a ser objecto desta reflexão.

Relacionadas com este projecto de reformulação, parecem estar as contas que aparecem em alguns pontos dos dois volumes do exemplar privado. A sua explicação poderá ser:

(i) p. 62, vol. I: 176 (o número et passim total de páginas até ao fim do capítulo III) - 63 (o número de páginas até ao princípio do texto do capítulo II) = 113 (número de páginas dos capítulos II e III, portanto);

(ii) p. 177, vol. I: 211 (última página do capítulo IV) - 178 (1ª p. do capítulo IV) = 33 (número de páginas do capítulo IV);

(iii) capa do volume II: série de números no canto superior direito da página – XI-X-199, que podem corresponder ao total de páginas desde a capa, inclusive, até à página “Razões da nossa edição”, exclusive, e a última folha de guarda – as folhas iniciais e finais são em papel diferentes do utilizado em quase todo o trabalho (10+1, ou seja 11, representado em romano XI); desta última folha de guarda até ao início do texto do Livro da Vertuosa Benfeytoria, exclusive (10, representado em romano, X) e, por fim, do início do texto do Livro da Vertuosa Benfeytoria até ao fim do volume, conforme numeração do autor.

A preocupação podia ser de controlo do número de páginas dos capítulos, de modo a verificar até que ponto tinham extensões aproximadas.

Quanto à regra de três simples existente na página do esquema inicial – aliás errada, se de uma regra de três simples se tratar –, admito que pudesse ter em vista uma redução do número de páginas actual, em função da reorganização que estava a ser pensada, mas não consigo demonstrá-lo, uma vez que não encontro nenhuma correspondência entre os números 57 e 103, referidos no esquema, e as páginas de nenhum dos volumes.

Ainda quanto a outras anotações, o ponto de interrogação incluído na margem direita, a lápis de carvão, referir-se-á a casos em que é inserida uma letra conjecturada no texto, no interior do sinal < >, como indicado na secção “Principais Abreviaturas e Sinais Convencionais” da tese, mas em que Luís Afonso Ferreira terá ficado com dúvidas relativamente à conjectura que faz.

Em resumo, o lápis de carvão terá sido o principal instrumento de escrita utilizado por Luís Afonso Ferreira na revisão do texto da tese, tendo sido usado para todo o tipo de correcções, quer de meras gralhas, quer considerações estruturais, literárias ou bibliográficas. Para além disto, pode admitir-se que tenha sido usado em duas fases distintas, uma revisão inicial e uma revisão final. As tintas pretas foram usadas sobretudo para correcção de gralhas e de sinais que não podiam ser corrigidos dactilograficamente. Antes de qualquer revisão, e provavelmente à medida que se foi efectuando a escrita do próprio texto, há ainda correcções feitas dactilograficamente em praticamente todas as páginas. O lápis rosa, no volume I, e o lápis vermelho, no volume II, são usados apenas para comentários laterais e indicações de alterações genéricas a fazer no texto da tese. A tinta azul é usada apenas uma vez, no segundo volume da tese para corrigir o título da tese no volume II.